CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO


CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO



Mantemos a recomendação do vídeo de Jean-Luc Godard, com sua reflexão sobre a cultura européia-ocidental, enquanto a agressão injusta à Nação Líbia perdurar.




Como contraponto à defesa de civis pelos americanos, alardeada em quase todas as recentes guerras de agressão que promovem, recomendamos o vídeo abaixo, obtido pelo Wikileaks e descriptografado pela Agência Reuters

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Viés moralista atrapalha controle da corrupção, alerta cientista político da UFMG

Jânio Quadros, com sua indefectível vassoura, prometeu varrê-la do Brasil. Fernando Collor, de punhos cerrados, combatia os marajás que ceifavam os recursos públicos. E até no distante século 19, monarquistas e republicanos travaram um renhido debate estimulado por essa personagem.

Sempre presente no universo político brasileiro, a corrupção ganhou ainda mais visibilidade após a redemocratização do país, gerando, inclusive, um sentimento de desconfiança de boa parte da população, que a vê como um traço incorrigível da cultura nacional. Ainda que seja difícil tirar-lhe a pecha de país corrupto, o Brasil vem alcançando avanços no controle desse fenômeno, graças ao surgimento e aprimoramento de instituições, principalmente após a Constituição de 1988.

A análise é feita pelo professor Fernando Filgueiras, do departamento de Ciência Política da UFMG, um dos organizadores do seminário Integridade Pública e Controle da Corrupção que aconteceu esta semana no campus Pampulha. Pesquisador do Centro de Referência do Interesse Público (Crip) e doutor pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) com tese sobre corrupção, Filgueiras critica, em entrevista ao Portal da UFMG, o tratamento moralista que amplos setores da sociedade brasileira conferem ao tema.

Tanto que evita termos bélicos, como “combate”, substituindo-o por “controle”, palavra de conotação mais propositiva. “Não basta dizer que os escândalos têm impacto negativo na vida pública brasileira; é preciso que se diga o que fazer para reduzir ou tornar menor o impacto da corrupção na vida pública do Brasil”, defende.
Há uma ideia, pelo menos no plano do senso comum, de que o Brasil é um dos países mais corruptos do mundo. Isto é fato ou é uma percepção que se exacerbou nos últimos anos com a visibilidade dada aos casos de corrupção na esfera pública?
Há todo um processo, que começa com redemocratização em 1988, passa pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor, pelo escândalo do orçamento e chega ao mensalão. Desde o processo de democratização, a corrupção se tornou uma espécie de lugar-comum, digamos assim, da política brasileira - especialmente no Legislativo. Essa percepção que se constituiu é de que o Legislativo é uma espécie de “espaço dos vícios”, onde a corrupção se reproduz. Uma percepção de que a política, portanto, é naturalmente corrompida, de que o brasileiro é culturalmente propenso ao “jeitinho”, à malandragem. Na verdade, nós aliamos duas coisas: uma espécie de sentimento atávico no plano da cultura, que, de alguma maneira, não modificou muito a nossa identidade política propriamente dita e, por outro lado, o aprimoramento de instituições de controle. É uma espécie de paradoxo. Há uma percepção de corrupção que aumenta ao longo do tempo e que reforça uma cultura política, que, por sua vez, reforça esse sentimento de atavismo cultural. Nesse sentido, a corrupção só é explicada exatamente pela nossa origem, o fato de termos sido colônia de Portugal, o patrimonialismo. Por outro lado, nossas instituições de controle foram aprimoradas. Claro que muito desse aprimoramento é uma resposta do sistema político a diferentes escândalos. Exemplos: a lei de licitações, considerada uma das mais modernas do mundo, é resposta ao escândalo do orçamento de 1993. E, mais recentemente, a Lei da Ficha Limpa – independentemente de toda a polêmica jurídica e constitucional que a cerca. Também podemos destacar o aprimoramento institucional do Tribunal de Contas da União (TCU) em 1993, com seu novo estatuto, como resposta ao caso Collor e ao escândalo dos anões do orçamento, a criação da Controladoria Geral da União (CGU), a atuação mais pró-ativa do Ministério Público, a maior autonomia institucional da Polícia Federal para investigar.

Isso significa que nossa gestão pública hoje é mais transparente?

Existe um indicador internacional de transparência de práticas administrativas que mostra que o Brasil, num universo de mais de cem países, é o oitavo em transparência na gestão pública. Nossas contas são divulgadas no Portal Transparência da CGU, temos maior possibilidade de controle no cotidiano do serviço público, mas ainda há uma espécie de gargalo, o gargalo da impunidade. Um problema provocado por códigos processuais ultrapassados, como o código de processo penal, que permite infinitos recursos até que processos venham a decair ou a prescrever. É o caso do Maluf, que, agora, ao completar 70 anos, se torna inimputável. Do ponto de vista de princípios, é uma questão correta, humanitária, não se coloca um senhor dessa idade na cadeia. Entretanto, isso já deveria ter sido resolvido há muito tempo.

Durante o seminário, houve a apresentação de uma pesquisa feita com servidores e conselheiros sobre controle da corrupção. Como esse estudo foi desenvolvido?

Essa pesquisa, de certa forma, é o principal assunto do seminário, e foi feita com servidores públicos federais que trabalham no Poder Executivo e conselheiros nacionais de políticas públicas. A ideia era testar a qualidade das instituições de controle no âmbito do serviço público brasileiro, como o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público, a Controladoria Geral da União, a Polícia Federal. A intenção era compreender a percepção desses servidores sobre corrupção, suborno, propina no cotidiano dos seus órgãos e sobre melhorias na questão do controle. Entrevistamos 1.115 servidores públicos federais de todo o país e 335 conselheiros nacionais de políticas públicas, de diferentes conselhos: juventude, assistência social, saúde, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), de política indígena, entre outros. Ao entrevistar os conselheiros, queríamos testar a hipótese de existência do controle social, de aprimoramento do papel da sociedade civil no controle da corrupção. Julgamos que a atuação da sociedade civil nesses conselhos é fundamental para ajudar a controlar a corrupção.

E os resultados?

Em relação aos servidores, chegamos à conclusão de que ainda é importante a manutenção de uma agenda de reformas da administração pública no Brasil que, de fato, consolide uma perspectiva mais universalista do ponto de vista dos seus procedimentos internos. Os servidores percebem que os procedimentos internos da burocracia no Brasil não são universais. Em outras palavras: as regras não são universalmente aplicadas.

Aos inimigos o rigor da lei...

É mais ou menos esse argumento. Há uma alta percepção de vitimização por suborno. Dos 1.115 servidores entrevistados, 22,6% afirmam que já foram vítimas de tentativa de suborno. Se partirmos da premissa de que o suborno vem da sociedade ou de diferentes grupos sociais para o serviço público, chega-se a uma conclusão, alarmante, que o servidor está numa posição mais passiva. Os próprios servidores relatam que, dentro de seus órgãos, é razoavelmente frequente a cobrança de propina. Normalmente conhecem casos, mas não denunciam, muitas vezes por desconhecerem o procedimentos. No caso da pesquisa com conselheiros, há resultados interessantes. Os conselheiros e, especialmente, os representantes da sociedade civil, não compreendem bem a questão do controle da corrupção. Não está claro para os conselheiros que eles têm, de fato, de cumprir um papel mais fiscalizador. Não conseguimos estabelecer uma relação de causalidade, mas os dados sugerem que há um processo de burocratização interna dos conselhos que torna suas atividades de representação de interesses mais rotineiras. Ou seja, o conselho, em vez de deliberar sobre temas relacionados à política pública, fica mais preso a rotinas burocráticas, como aprovar pareceres e redigir atas.

Ao que tudo indica, o ano-chave para o aprimoramento institucional do controle da corrupção foi 1988?

Sim. A Constituição trouxe algumas coisas novas, colocando princípios muito claros para a administração pública no Brasil: impessoalidade, moralidade, economicidade e meritocracia. O Brasil vem realizando melhorias efetivas na administração pública. E, de fato, 1988 é um divisor de águas. No caso da corrupção, fica a sensação de que ela é maior na democracia - pelo fato de que ela é mais percebida. O que ocorre é que a democracia não tolera formas de segredo. Os esquemas de corrupção bem-sucedidos ou, em outras palavras, a “corrupção que dá certo”, se sustentam melhor em regimes autoritários. Claro que isso traz custos enormes, inclusive políticos. Há uma desconfiança muito forte, o que é demonstrado o tempo todo por pesquisas na área de cultura política. Há uma desconfiança em especial com o Congresso Nacional, considerado a instituição onde a corrupção se faz mais presente, quase natural.
De que forma a corrupção deve ser abordada?

A abordagem que desenvolvemos, não só no seminário, mas no conjunto de pesquisas que realizamos, é basicamente a seguinte: não basta tratar a corrupção pela corrupção. Não basta compreender seus impactos; não basta compreender os efeitos dela sobre a sociedade. Precisamos construir uma visão um pouco mais “positiva” do tema. Não basta dizer que os escândalos têm um impacto negativo na vida pública brasileira, é preciso também que se diga o que fazer para reduzir ou tornar menor o impacto da corrupção na vida pública do Brasil. Não posso abordar a corrupção pela corrupção, mas também não posso associá-la à ideia, por exemplo, de combate. “Combate” é uma palavra que carrega certo moralismo – das elites, dos servidores, dos juízes, do Ministério Público. Se observarmos a própria história do Brasil, os diferentes momentos de mudança de regime político e de constituição, o tema da corrupção sempre esteve presente. Foi assim, por exemplo, com o golpe militar em 1964.

A eleição de Jânio Quadros...
A eleição de Jânio Quadros foi movida por esse moralismo, assim como a transição da Monarquia para a República, a eleição do Collor. Prefiro abordar a questão pela ótica do controle público. O que nós vamos tratar nesse seminário são duas dimensões distintas do controle público no Brasil. Uma delas é o que se exerce na esfera burocrática propriamente dita, na esfera da administração pública - os processos de auditorias, controle interno e externo, universalismo de procedimentos, percepção do suborno de propinas. A outra dimensão diz respeito ao controle social da corrupção, do controle exercido pela sociedade. Aí é que entra a pesquisa com os conselhos. Porque eles representam exatamente uma instância de paridade de representação entre governo e sociedade civil organizada no contexto das diferentes políticas públicas incrementadas pelo Estado brasileiro. Esse é um dos espaços onde a questão do controle social pode ocorrer.
Onde mais, por exemplo?

Nos movimentos das redes sociais, sites como o Portas Abertas, Transparência Brasil.
Esses movimentos já são significativos?
São bem efetivos. Conseguem estabelecer alguma forma de acompanhamento das diferentes políticas públicas e de atuação pública. Mas é importante destacar também movimentos da sociedade civil, como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), protagonista de toda discussão referente à Ficha Limpa.

É nesse contexto de controle da corrupção que se discute a criação de um sistema de integridade pública no Brasil? Como funciona esse sistema? Já existe um esboço?

Há, no âmbito do Estado Brasileiro, um conjunto de estratégias para estabelecer parâmetros mínimos e um trabalho pactuado entre diferentes instituições em torno desta questão do controle. Há alguns anos, o Ministério da Justiça criou o que se chamou de ENCLA (Estratégia Nacional do Combate à Lavagem de Dinheiro). No início, havia uma preocupação com o tema da lavagem de dinheiro, mas depois seu escopo expandiu-se para outros aspectos ligados à corrupção. Nele consta a participação da CGU, TCU, tribunais de contas estaduais, os ministérios públicos estaduais, as universidades.
Essas instituições já trabalham juntas?
De alguma maneira, sim. A CGU acompanha muito as ações da Polícia Federal e, às vezes, as duas instituições atuam em conjunto. Existem trabalhos em conjunto, mas ainda pontuais. Algumas operações encontram barreiras no Judiciário, e talvez o exemplo mais famoso seja o episódio da prisão de Daniel Dantas, que suscitou a espionagem feita pelo Protógenes Queiroz, delegado da Polícia Federal, a atuação do Ministério Público naquele contexto e o conflito com o Judiciário, que gerou esse conjunto de liminares para libertar Daniel Dantas. Houve também conflito entre o Governo e o Tribunal de Contas da União, quando este tentou parar as obras do PAC. A dificuldade para a constituição de um sistema de integridade pública no Brasil reside na falta de uma cooperação institucional mais forte e organizada, apesar de haver uma caminhada nesse sentido. Existe algum tipo de cooperação entre Estado e setor privado para combater a corrupção, tendo em vista a ideia de fomentar a questão da responsabilidade social das empresas, das organizações. Um sistema de integridade pública passa por uma cooperação mais forte das diferentes instituições de controle e pelo estabelecimento de parâmetros normativos. Sem a menor sombra de dúvida, existe mais controle da corrupção no Brasil. Mas a PF faz uma operação, o Ministério Público acompanha, apresenta a denúncia e isso é protelado no Judiciário. E não é necessariamente pela vontade exclusiva dos juízes, mas talvez por causa de um excesso de garantias que, de alguma maneira, prejudicam o andamento regular desses processos.
E como as universidades estão contribuindo para o estudo da questão?
É curioso, mas o tema da corrupção não é fortemente presente na vida acadêmica, apesar de ser um fenômeno recorrente. Mas, de uns tempos para cá, especialmente no caso brasileiro, o assunto tem chamado muita atenção do universo acadêmico. No caso da ciência política, o interesse recai sobre o impacto da corrupção no sistema político e a discussão sobre governança e governabilidade. A discussão sobre reformas no sistema político, partidário e eleitoral é motivada pela recorrência da corrupção. Já existe uma literatura vasta sobre o tema da burocracia, mas a tensão entre instituições de controle é, do ponto de vista acadêmico de pesquisa, um tema bem recente. Outro campo que interessa muito o meio acadêmico, no caso específico da comunicação, são as pesquisas sobre escândalos políticos. Ou seja, como os escândalos surgem e qual o papel da mídia. Na maioria das vezes, a mídia é fundamental para determinar o que vai virar escândalo ou não.
Essa ‘escandalização’ ajuda no controle da corrupção?

Não necessariamente, porque nem sempre produz frutos. Ela não produz uma visão positiva de como enfrentar a corrupção. Muitas vezes ela ajuda a fomentar certo moralismo da elite. Não que a corrupção não impacte negativamente nossas opiniões, mas acho que precisamos de uma visão mais construtiva sobre esse tema. Nós não podemos confundir a concepção de que a corrupção é moralmente sancionável com a ideia de um moralismo que quer, de alguma maneira, promover a ruptura. Muitas vezes o escândalo contribui para o reforço de uma visão negativa sobre a política, sobre a democracia no Brasil, que muito pouco contribui para o devido tratamento do tema.
Como o senhor analisa a Lei da Ficha Limpa, o movimento que resultou na legislação e como ela pode ajudar a melhorar o ambiente político brasileiro?
Em primeiro lugar, acho que é importante observar que o próprio MCCE queria que a lei se chamasse Ficha Limpa e não Ficha Suja. A ideia do movimento era reforçar que o bom parlamentar, ou seja, aquele que nunca se envolveu com algum tipo de esquema de corrupção, precisa ser valorizado.
Como se fosse um selo de qualidade...
Exato. A lei da Ficha Limpa, a meu ver, é uma reação da sociedade a uma espécie de rotinização dos escândalos de corrupção no Brasil. A proposta é de que precisamos reformar as instituições no sentido de estabelecer uma maior moralidade política, administrativa e tentar rotinizar essa moralidade. E ela é importante, inclusive, por ser fruto de iniciativa popular. Isso é extrema importância, porque faz perceber que a sociedade brasileira não aprova a corrupção no Brasil nem está imobilizada diante dela. Mas existem problemas. Um deles é a falta de parcimônia com relação ao texto legal. Em outras palavras, acho que o modelo da lei da Ficha Limpa foi pouco debatido. No afã de querer tentar cobrir a eleição presidencial e as proporcionais do ano passado, ela acabou sendo feita a toque de caixa. E isso teve consequências, como a de tocar diretamente em direitos fundamentais. A enorme dúvida que suscita e que ainda será tema de debate é a questão da presunção de inocência e a decisão em órgão colegiado – não se sabe exatamente o que é isso. A própria Constituição estabelece que ninguém pode ter seus direitos impedidos sem uma sanção imposta que obedeça ao devido processo legal. A Lei da Ficha Limpa é uma boa iniciativa, mas ela enfrenta agora uma série de dúvidas de natureza jurídica. A pergunta que fica é: será válido abrir mão de direitos fundamentais para atender a um clamor popular e social? Eu acho que é o caso de repensar a estratégia no sentido de estabelecer parâmetros mais fortes para tentar estruturar a moralidade política.
Que parâmetros seriam esses?
Não podemos cair no engano de que a mera mudança de regras vai produzir efeitos imediatos no comportamento dos políticos. Temos que estabelecer mecanismos de sanção mais efetivos. Talvez a própria lei da Ficha Limpa parta de um vício argumentativo: como não são punidos, os políticos são barrados do sistema. E, para fazer isso, muitas vezes tenho que passar por cima de direitos constituídos. A linha que separa um modelo democrático de um autoritário é tênue e, do modo como estava sendo feita, a lei ultrapassaria um pouco esse limite, a meu ver. Acho que, resgatando o tema de reforma política e de mudanças institucionais, talvez seja o momento mais propício para colocar essa questão em pauta. É válido que haja parâmetros morais para validar a entrada no sistema político, mas isso não pode ser feito a qualquer custo. O debate da Ficha Limpa teria que vir junto com o debate de toda uma reforma no sistema político.

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- texto recebido pelo blog, atribuído à Assessoria de Imprensa Cedecom/UFMG

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