CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO


CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO



Mantemos a recomendação do vídeo de Jean-Luc Godard, com sua reflexão sobre a cultura européia-ocidental, enquanto a agressão injusta à Nação Líbia perdurar.




Como contraponto à defesa de civis pelos americanos, alardeada em quase todas as recentes guerras de agressão que promovem, recomendamos o vídeo abaixo, obtido pelo Wikileaks e descriptografado pela Agência Reuters

quinta-feira, 3 de março de 2011

BOA NOITE, ROTANS, por Mateus Alves da Silva

em 03/03/11, para o "Coletivo Brasil 3000"
Vejo as pessoas afundarem-se, com gosto, em discussões que giram em torno apenas de uma coisa que mal se conhece ou se concebe, chamada comportamento moral, contra ou a favor, quando se trata de resolver problemas sociais. Acho, no entanto, que a solução dos problemas do mundo é ou deve ser mais objetiva.
Detenho-me, por exemplo, em dramas repetidos, de sofrimentos pungentes, notadamente naqueles mais que previsíveis. Porém, sem conseguir fazer coro com o desespero seguinte, sento-me à distância e, se não sorrio, também não choro. Às vezes até mesmo custa-me acreditar nesses mesmos dramas. Custa-me, por exemplo, até mesmo ver brotar em mim um sincero sentimento de compaixão mínima pela mãe ou pelo pai do filho inocente assassinado que, na TV, chora sua dor recente.
Mas indigna-me profundamente a revivência desses dramas de enredo mais que batido, previsíveis e eu diria até premeditados. Não raras vezes, por exemplo, um inocente é morto pelas próprias forças de segurança pública, por policiais fardados, vejam bem, fardados. Nem a mera graça da ironia de podermos dizer que era “gente à paisana” não temos. A coisa é, como se diz, “na dura”, matança na cara dura, normal. Sem contar os que são mortos pelos à paisana ou pelos bandidos ou por ambos, como ocorre, por exemplo, quando, após avisar os principais envolvidos no tráfico, invade-se uma favela e atira-se em inocentes apenas para poder apresentar números de traficantes mortos em conflito para os noticiários sedentos.
E aí, às vezes, dependendo do contorno alcançado pela mídia, vêm a indignação e o clamor público, dura certo tempo e vai, desviado para outro foco não raro mais medonho. E é outro pai ou mãe chorando.
Pois bem, escrever artigos é triste, pois falta-nos espaço e sobra dúvida sobre o expressar-se. Mas o que eu queria dizer, em relação a essa temática da violência urbana era o seguinte. Não se enfrenta isso com conversa moral, com apelos para isso ou para aquilo, com julgamentos etc. Se enfrenta com medidas objetivas, concretas. O jeito de evitar a morte de inocentes, pelo menos pelas forças policiais, é tomando medidas objetivas para que isso não ocorra. O resto é conversa fiada da turma que não se incomoda com essa ciranda maluca, onde até o noticiário é de texto repetido, copiado e colado n vezes no teleprompter, onde se mudam apenas números: “cinco adolescentes foram encontrados mortos numa casa na periferia de tal lugar. Não há testemunhas dos fatos, e a Polícia suspeita do envolvimento das vítimas (a primeira vez na vida que são assim chamadas) com drogas (a condenação moral implacável).” E estamos conversados. Aliás, não teremos notícia sequer do final do inquérito policial.
Pois bem. Em se tratando de medidas objetivas para a alteração desse tipo de realidade, que, sem excesso, poderia ser chamada de pesadelo permanente de determinados núcleos urbanos, onde a violência é a regra e o que se tem é a insegurança pública, o que deveríamos estar festejando no momento é a medida recente do Governo Federal, contida na Portaria interministerial n° 4.226, de 31 de dezembro de 2010, assinada no último dia do governo Lula.
Em suma, essa norma administrativa, elaborada pelo Ministério da Justiça e pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, limita o uso de armas letais pelas forças policiais do país. A partir de abril/11, agentes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, do Departamento Penitenciário Nacional e da Força Nacional de Segurança Pública estão obrigados a dar dois alertas que não representem risco de vida ao suspeito, com emprego de armamento não letal, antes de puxar a arma de fogo. Atirar, só em caso de “legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave”. A norma proíbe, também, o disparo contra aqueles que desrespeitarem bloqueio policial em via pública.
Não preciso apontar quem está, de forma visível, no centro da polêmica: os representantes das corporações policiais da União, como, por exemplo, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ANDPF).
Afora aspectos de que a acusam, como, por exemplo, o de conter dispositivos impossíveis de serem executados, o que, diga-se, pode ser revisto, há nessa norma um espírito sublime. Qual? O de distinguir força de segurança pública da mera força, do uso da força possível etc. É simples: força de segurança pública, paga com o suado dinheiro do contribuinte, inclusive dos “bandidos” e dos moralmente condenáveis dos mais variados matizes, não existe para matar ou para ferir. Antes pelo contrário.
Como era de se esperar, alguns criticam a proibição de uso de arma de fogo contra veículo que desrespeita bloqueio policial. Alegam que significaria o fim da eficácia das barreiras, as quais eles apontam como uma das ações mais importantes de segurança pública.
Miopia pura e simples, desinformação ou erro conveniente.
Quando invocam as barreiras policiais, devem, obviamente, estar falando de eficiência no combate a crime e, nesses casos, no combate a crime organizado. Convenhamos. De que adianta dar tiro em carro em fuga, para combater crime organizado? Qual a eficiência desta medida, sobretudo, diante dos riscos que envolve? Qual o grau de eficiência essa prática antiga já demonstrou ter? Será, por exemplo, uma medida eficiente e justa se tomada contra mim, caso, movido por desespero, eu decida não parar em uma dessas barreiras, simplesmente por não ter a certeza de que ela é certificada pelo Estado brasileiro. E mais, mesmo tendo a certeza dessa certificação, dependendo da hora e das circunstâncias, por não ter a certeza de que é seguro ali parar.
Ora, quando falo de barreira policial brasileira, ou quando admito a prática do tiro em perseguição, tenho que ter em mente a polícia real e concreta. Tenho que lembrar, portanto, de episódios como o dos tiros dados no carro de um Juiz Federal, atingindo-lhe e a mais dois inocentes, apenas por causa de uma conversão feita antes, exatamente por precaução e pelo medo de se estar defrontando com blitz de criminosos. Tenho que considerar, ainda por exemplo, coisas como essa da Polícia Militar Mineira, com a sua Rotam, tam, tam, presente nos noticiários recentes da pior forma possível, com suspeita de bandidagem deslavada e de execução de inocentes. Tenho que levar em conta a famigerada estatística da Polícia Militar Paulista, apurada em trabalhos jornalísticos recentes, do número de suspeitos atingidos em combate e que vieram a falecer a caminho do socorro, prestado, é obvio, pela mesma guarnição da ROTA que os atingiu, a qual se mostraria de um humanismo sem tamanho, não fosse a conhecida técnica de desmanchar local de crime.
Ora, direis, não são as corporações que assim atuam, mas sim apenas alguns de seus membros, razão pela qual não se requer mudanças de sistemas. Assim sendo, no entanto, não sei o que é mais grave: se o envolvimento, institucionalizado, da corporação nesse tipo de prática ou se o desconhecimento, por parte desta, da existência de comportamentos assim entre seus membros. Afinal, será que ainda não se ouviu falar em trabalho de inteligência da polícia? Será que custa muito obter uma polícia investigativa, que possibilite se chegar à casa do suspeito já com um mandado de busca e apreensão, sem ter que efetuar disparos em público, que acertam até magistrados? Ou sem ter que gastar combustível do estado socorrendo mortos?...
A meu ver, essa atitude do governo federal busca dar novo rumo às coisas, e é disso que carecemos. A resistência haverá por parte da mesmice de sempre e convenientemente acomodada. Tal medida deve ser felicitada, pois traz à cena novo comportamento da segurança pública. Vale salientar que, em termos de forças federais, aliás, como se sabe, a Academia Nacional da PF (ANPF) já adotava o conceito de uso progressivo da força, vedando, na formação do policial, o uso de arma contra pessoas em fuga e desarmadas, além dos tiros de advertência e dos disparos contra veículos que desrespeitem bloqueios policiais.
O aceno é, sem dúvidas, para os órgãos de segurança pública estaduais, espalhados por este Brasil, cuja mudança de postura muitas vezes se impõe. Sabemos de suas circunstâncias e das circunstâncias de seus profissionais. Mas estas não justificam a adoção e até mesmo o elogio da barbárie que muitas vezes acabam fazendo sem o menor pudor. Não raras vezes, num discurso que mistura tudo, assentado no corporativismo conveniente.
Aos policiais da segurança pública deveria já estar bem claro que, se há pessoas cujo objetivo social é expor-se a risco de vida, estas são exclusivamente eles, sendo que exatamente para isso é que foram contratados e prestaram juramento. Dado que o Brasil não adotou a pena de morte, a eles cabe cuidar da segurança de todos, incluindo a dos bandidos. Não quer conviver com essa regra de civilidade mínima, com esta mera afirmação do Estado Democrático e de Direito, peça baixa, vá cuidar de assuntos privados, longe do Estado e do erário. Ficar se sentido ou se portando como mocinho ou como bandido é o que não dá.
Não é papel da polícia ser mocinho ou ser bandido, nem se envolver e muito menos praticar esses julgamentos morais tipo: ah, é bandido, fogo nele! Que cumpra a lei apenas, a qual, no Brasil, não prevê pena de morte.
O mais estranho, porém, é que as próprias comunidades mais vítimas, não raro, adotam esse mesmo discurso. Depois, choram por não entender como foi que o policial não distinguiu entre o inocente trabalhador, que estava apenas voltando prá casa, e o bandido que era para ser sumariamente frito. E choram. Lamento, mas é apenas mais um dos tais dramas previsíveis e repetitivos.

- para o "Coletivo Brasil 3000", em 03/03/11

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