CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO


CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO



Mantemos a recomendação do vídeo de Jean-Luc Godard, com sua reflexão sobre a cultura européia-ocidental, enquanto a agressão injusta à Nação Líbia perdurar.




Como contraponto à defesa de civis pelos americanos, alardeada em quase todas as recentes guerras de agressão que promovem, recomendamos o vídeo abaixo, obtido pelo Wikileaks e descriptografado pela Agência Reuters

sábado, 13 de novembro de 2010

Urgência Permanente, por Mateus Alves da Silva

13/11/10

Slavoj Zizek, filósofo sloveno nascido em 1949, autor de “Bem Vindo ao Deserto do Real”, Boitempo, 2003, em artigo publicado no “Le Monde Diplomatique Brasil”, edição de novembro/10, analisa o que ele chama de duas ficções surgidas com os protestos europeus contra a política de austeridade que implementa corte de benefícios em alguns países daquele continente, notadamente na França e na Grécia e em menor escala na Itália, Irlanda e Espanha. A despolitização das decisões tomadas para se enfrentar a crise, apresentadas como “resposta técnica aos imperativos financeiros”, patrocinada pelo poder e pela mídia. E a sustentação de que a política de austeridade é apenas mais um meio de extinção do estado de bem-estar social pelo capital feita pelos que protestam.
Como indicativo da primeira, Slavoj alega que, por exemplo, não se aponta a ajuda aos bancos como a causa do déficit atual nas contas públicas, como no caso da que a União Européia deu à Grécia, exclusivamente, para pagamento de bancos franceses e alemães.
Aponta, também, a falta de programa da “esquerda contemporânea”, que a faz limitar sua utopia ao convencimento de que é capaz de se a adaptar àquele modelo de estado e a lutar somente pela manutenção de suas conquistas ameaçadas, abandonando a pretensão de mudá-lo e assimilando a necessidade dos sacrificantes cortes sociais como irrefutável.
Diz que se vive no “estado de urgência econômica permanente”, sem a promessa de que os benefícios serão restabelecidos, sendo que esta uma “nova era” de prometida austeridade severa e drástica economia em saúde, aposentadoria e educação, com a precariedade do trabalho, coloca a esquerda a defender aquelas conquistas e a renunciar ao desafio de explicar a natureza política da crise e da definição do modelo de sistema.
Slavoj coloca em cheque a capacidade de manutenção das conquistas no capitalismo, e salienta que, apesar de a esquerda contemporânea manter-se consciente de que esse sistema assenta-se sobre postulados pseudo-naturais, cuja quebra dizem que conduziria ao desastre econômico, os protestos não ultrapassam a busca de soluções circunstanciais para atenuar os efeitos da crise.
Critica a crítica ao capitalismo que não discute o cenário liberal democrático no qual aquele faz sua pilhagem nem contesta os “mecanismos institucionais do estado de direito burguês e evoca a atualidade da análise marxista, para a qual, em primeiro plano, a questão da liberdade não se situa na esfera política institucional, mas na das relações sociais do modo de produção, “do trabalho à família”. Lembra que nunca se pergunta ao eleitor, por exemplo, sobre quem deve possuir o quê, sobre a forma de gerenciamento do seu trabalho etc, e afirma que a política institucional jamais concederá a extensão da democracia a setores fora de seu domínio, como no caso de se criar bancos democráticos controlados pelos cidadãos. Destaca, nesse sentido, que as pequenas conquistas obtidas nos processos democráticos funcionam apenas como parte da engrenagem do estado burguês de reprodução do capital.
Slavoj aborda, ainda, a ineficiência do dogma liberal da necessidade da violência ilegítima (cortes de direitos) e salienta o da legitimidade da violência dos oprimidos, desnecessária, porém, e utilizável apenas como decisão estratégia. Frisa que se atacam apenas as medidas cuidadosamente estudadas e implementadas pelos “poderes públicos e pelas instituições financeiras“, segundo seus critérios e interesses próprios.
Sugere, em seguida, que a falta de proposta de uma contraofensiva, necessária e à altura, com os “conseqüentes” cenários catastróficos e violentos, se deve ao fato de os intelectuais radicais não estarem dispostos a suportar os transtornos em seu conforto e carreiras, tocadas dentro de uma existência segura e protegida, dizendo que muito preferem ver a revolução acontecer em países distantes, como Cuba, Nicarágua ou Venezuela.
Arremata dizendo que essa mesma intelectualidade está necessariamente diante de uma verdadeira mudança, gerada pelo desmantelamento do estado de bem estar-social das avançadas economias industriais, sendo que, apesar de ter que perseverar no trabalho intelectual paciente e sem resultado prático imediato, ela não está dispensada de refletir sobre a forma como aparecem as questões a serem solucionadas, ou seja, de assumir o papel do pensamento.
Slavoj salienta, anda, a imposição da economia como ideologia hegemônica, com a lógica do mercado e da concorrência. Como diz, a escola, espremida pela lógica da “maior eficiência com o menor custo”, assumiu o papel na educação de representar cada vez menos “um serviço público independente do mercado”, mantido pelo poder público como guardião de valores esclarecidos, como os da liberdade, igualdade e fraternidade, sendo invadida cada vez mais pelas diversas formas de parcerias público-privadas. Como lhe parece, mesmo o sistema político assume cada vez mais o modelo de empresa, com as eleições concebidas como certa “transação comercial”, na qual o eleitor compra o produto mais indicado para a preservação da ordem social, punição de criminosos etc.
Conclui destacando a feição comercial assumida por várias aspectos do estado, como a terceirização da administração da segurança, o mercenarismo do serviço militar e a própria perda do caráter universal hegeliano da burocracia estatal, e sustenta que as leis do mercado invadiram até mesmo as relações amorosas, onde compra-se o objeto amado como mercadoria, com direito a todas as maquiagens, via internet.
Acentua o distanciamento do sonho da transformação social diante de todos esses fatores, mas aponta que é exatamente essa impossibilidade aparente que nos leva a refletir sobre a estranha organização da fronteira entre o possível e o impossível, sendo que, no campo do lazer e das tecnlogias, somos bombardeados com a idéia de que “nada é impossível”, das experiências sexuais aos acessos a dados, incluindo-se a possibilidade da vida eterna com nossa transformação em softwares. Ao passo que no campo socioeconômico, crê-se na humanidade acabada, plenamente madura, renunciante às utopias milenares, com a aceitação das contingências da realidade “capitalista” e de todos os seus “impossíveis”. A impossibilidade de se engajar em causas coletivas sem se transformar no terror, de se usufruir do bem-estar social sem perder a competitividade e causar a crise, de viver fora do mercado mundial sem se transformar na Coréia do Norte.
Denuncia, enfim, o esforço da ideologia dominante para nos convencer da impossibilidade da transformação radical, do fim do capitalismo e da criação de uma democracia não reduzida a um jogo parlamentar corrupto, tornando invisível o antagonismo que atravessa o sistema.
Slovaj chama a atenção para a possibilidade da chegada de Morales, Chaves ou do governo maoísta do Nepal ao poder, pela via democrática, e indaga se esses governantes, exatamente por estarem na contramão da história e sem nenhum apoio “objetivo”, nada mais podendo fazer que improvisar, não estariam, de fato, numa situação de liberdade excepcional, na qual, aliás, estaria toda a esquerda, exatamente por não saber o que fazer, ao contrário do que ocorria no início do séc. XX, quando apenas tinha que esperar o momento certo, mas precisando agir imediatamente, sob pena de sua inércia produzir, em breve, situação ainda mais desastrosa. Ou seja, uma situação na qual ela pode estar diante da possibilidade de o impossível acontecer.

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