CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO


CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO



Mantemos a recomendação do vídeo de Jean-Luc Godard, com sua reflexão sobre a cultura européia-ocidental, enquanto a agressão injusta à Nação Líbia perdurar.




Como contraponto à defesa de civis pelos americanos, alardeada em quase todas as recentes guerras de agressão que promovem, recomendamos o vídeo abaixo, obtido pelo Wikileaks e descriptografado pela Agência Reuters

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

“LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS, por Coletivo Brasil 3000.

Em 29/01/09
A revista “Le Monde Diplomatique Brasil” de setembro/09 tem editorial interessante: “10 Razões Para Legalizar As Drogas”. Na verdade, trata-se da utilização de texto atribuído a JOHN GRIEVE, da Unidade de Inteligência Criminal, da Scotland Yard.
Em síntese apertada, são as seguintes:
- “ENCARAR O VERDADEIRO PROBLEMA” (vale dizer, atacar as causas do uso);
- “ELIMINAR O MERCADO DO TRÁFICO” ( o mercado é comandado pela demanda, mas o vazio criado quanto a ele termina ocupado pelo crime;
-“REDUÇÃO DRÁSTICA DO CRIME” (abaixando-se o preço, evita-se a necessidade de roubo);
“USUÁRIOS DE DROGAS ESTÃO AUMENTANDO” (locais onde há, mais liberação há menos consumo);
- “POSSIBILITAR O ACESSO A INFORMAÇÃO VERDADEIRA E A RIQUEZA DA EDUCAÇÃO” (informação aberta, honesta e verdadeira aos usuários e aos não-usuários para ajudar-lhes a tomar decisões de usar ou não usar e de como usar);
- “TORNAR O USO MAIS SEGURO PARA O USUÁRIO” (adotar política de redução de dano);
- “RESTAURAR NOSSOS DIREITOS E RESPONSABILIDADES” (restaurar o direito de usar droga com responsabilidade, diminuir a criminalização das pessoas);
- “RAÇA E DROGAS” (diminuir a prática de discriminação contra minorias raciais ocorrida nas prisões discriminatórias dos negros, por exemplo);
- “IMPLICAÇÕES GLOBAIS” (o mercado gera 600 bilhões de dólares ao ano, o que permite o comando de países pelos traficantes e a interferência de outros, poderosos, na soberania dos fracos;
- “A PROIBIÇÃO NÃO FUNCIONA” (encarar, também, “os problemas criados pela proibição”).

Eis uma boa proposta de debate.


Mateus, pelo blog COLETIVO BRASIL 3000, endereço http://www.coletivobrasil3000.blogspot.com/

VEM AÍ O PAT - PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO TRÁFICO, texto atribuído a REINALDO AZEVEDO

O projeto que livra a cara dos “pequenos (?) traficantes” será assinado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Embora ele certamente concorde com a tese, é só uma espécie de laranja da idéia. Ela nasceu mesmo foi no Ministério da Justiça, de que é titular Tarso Genro, aquele que já atuou como uma espécie de advogado informal de Cesare Battisti, o homicida italiano. Tarso é assim: onde houver uma boa causa, ele está lá.
Ora, gente, por que tanto espanto? Nova York reduziu drasticamente o crime prendendo grandes e pequenos bandidos, coibindo tanto o crime grande quanto aquele antes considerado irrelevante. Até São Paulo — digo “até” porque a esquerdopatia dominante tenta esconder o fato de que o índice de homicídios em São Paulo caiu 70% em 12 anos — é um bom exemplo de que, quanto mais bandido dentro da cadeira, menos crimes fora dela. Que coisa espantosa, não?
Embora a gente tenha jabuticaba, pororoca e Tarso Genro, a lógica funciona no Brasil também. Mas o país sempre procure fazer o contrário do que ela indica.
Ora, o que vai acontecer com o “pequeno (?) traficante” quando for solto? Vai procurar emprego, é claro! Vai querer carteira assinada. Volto àquele negócio do fatalismo. Acreditamos que há forças superiores às quais ninguém resiste: uma delas é trabalhar para o bem do Brasil, não é mesmo? Vejam o caso de muitos políticos: entre o trabalho e a política, escolheram o quê? O “pequeno(?) traficante”, tadinho, não havia descoberto ainda que pegar no batente é muito mais gostoso do que vender uns papelotes e umas trouxinhas. E também rende mais, não é mesmo?
“Como, Reinaldo? Você está sugerindo que é mais fácil ganhar a vida no crime?” SUGERINDO??? EU NUNCA SUGIRO NADA!!! EU SEMPRE AFIRMO!!! EU ESTOU AFIRMANDO QUE É MAIS FÁCIL GANHAR GRANA SENDO CRIMINOSO DO QUE SENDO TRABALHADOR.
E é por isso que o risco tem de ser enorme, entenderam? Caiu? Dançou! Cana no bicho! É um clichê, eu sei. Mas o fato é que o crime não pode compensar. O diabo é que, no Brasil, ser trabalhador rende menos e pode ser até mais perigoso. Sem contar que, se o coitadinho conseguir um salariozinho um pouquinho melhor, que lhe permite morar em algum conjugado na periferia, já é obrigado a pagar Imposto de Renda. A bandidagem, por óbvio, não tem de contribuir…
Sem trocadilho, o “pequeno (?) traficante” está iniciando uma carreira, não é mesmo? Solto, vai poder se especializar. Ou alguém acha que ele vai se dedicar à leitura de Schopenhauer? A proposta explica por que chegamos aqui.
Mas eu estou certo de que haverá um programa de acompanhamento para o companheiro iniciante no tráfico. Sugiro o programa Bolsa Pó ou Bolsa Maconha. Ou, então, o PAT: Programa de Aceleração do Tráfico.
Coisa de gênio! Proposta para livrar da prisão pequenos traficantes tem apoio do governo No Globo Online. Comento:
O Ministério da Justiça decidiu apoiar o fim da pena de prisão para pequenos traficantes de drogas que não tenham cometido atos de violência e não apresentem vínculo com organizações criminosas. Caberá ao deputado Paulo Teixeira (PT-SP) assinar o projeto.
O texto ainda está em estudo, mas também deve exigir que os réus apresentem bons antecedentes para ter direito à pena alternativa. O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, disse esperar que a mudança seja aprovada até a metade do ano que vem.
- Nós sabemos o que acontece nos presídios: as pessoas são detidas com pequenas quantidades de droga e acabam entregues de mão beijada para as organizações criminosas. É preciso separar o pequeno do grande traficante. Não haverá projeto de iniciativa do governo, mas vamos apoiar a proposta de mudança no Congresso - disse Abramovay.
A ideia é mudar a lei para oferecer penas alternativas a essas pessoas, o que evitaria que elas sejam recrutadas pelas facções que dominam muitos presídios brasileiros.
Para o deputado Paulo Teixeira, a alteração na lei antidrogas permitirá que polícia, Ministério Público e Judiciário concentrem esforços no combate ao crime organizado. Ele disse que a proposta não é ideológica e visa a tornar mais eficiente a repressão aos grandes traficantes.
- O aparato do Estado deve ser mobilizado para pegar os peixes grandes, não os pequenos. Estamos prendendo muitos bandidos pés-de-chinelo e sobrecarregando a polícia e a Justiça. É uma questão pragmática que precisamos enfrentar - disse.
ComentoPensem comigo. Faz todo sentido! É lógica pura! Como é que o Brasil vai combater os grandes traficantes? Ora, soltando os pequenos!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Por que não tem ONGs no Nordeste seco?, por Gelio Fregapani

Você consegue entender isso?.
Vítimas da seca Quantos? 10 milhões
Sujeitos à fome? Sim
Passam sede? Sim
Subnutrição? Sim
ONGs estrangeiras ajudando: Nenhuma.
Índios da Amazônia
Quantos? 230 mil
Sujeitos à fome? Não
Passam sede? Não
Subnutrição? Não
ONGs estrangeiras ajudando: 350
.
Provável explicação: A Amazônia tem ouro, nióbio, petróleo, as maiores jazidas de manganês e ferro do mundo, diamante, esmeraldas, rubis, cobre, zinco, prata, a maior biodiversidade do planeta (o que pode gerar grandes lucros aos laboratórios estrangeiros) e outras inúmeras riquezas que somam 14 trilhões de dólares.
.
O nordeste não tem tanta riqueza, por isso lá não há ONGs estrangeiras ajudando os famintos.
.Tente entender: Há mais ONGs estrangeiras indigenistas e ambientalistas na Amazônia brasileira do que em todo o continente africano, que sofre com a fome, a sede, as guerras civis, as epidemias de AIDS e Ebola, os massacres e as minas terrestres.
Agora, uma pergunta: Você não acha isso, no mínimo, muito suspeito?
É uma reflexão interessante.

- recebido em 28/10/09

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Os 12 de “O Globo” contra a força da UNE, por Argemiro Ferreira

Ao deparar na internet – aqui na Argentina, onde estou estes dias - com a primeira página de O Globo de quarta-feira, 7, enfeitada pela foto a cores de uma dúzia de graciosos alunos de escolas particulares da Zona Sul do Rio, “apartidários” e “apolíticos”, a lançar “novíssimo movimento estudantil” pela reforma do ensino, não resisti à tentação de questionar outra vez esse jornalismo. (Leia AQUI a versão saída no Globo Online)
Os leitores, eu e a torcida do Flamengo temos visto muitas fraudes da mídia no passado recente. Sabemos que às vezes elas nascem assim. Por que uma dúzia de moças e rapazes bonitos e bem vestidos, do Leblon, Ipanema, Gávea e adjacências, tornam-se notícia dessa forma em O Globo – quase sempre amplificada depois por outros veículos audiovisuais do mesmo império Globo de mídia?
Pergunto, em primeiro lugar, se jornalisticamente aquela reuniãozinha de adolescentes bem nascidos merece tal espaço na mídia nacional (veja-os na foto do alto e observe ao lado, na reprodução da página, o destaque que ganharam). Que diabo, como filhos do privilégio representam muito menos do que, por exemplo, um grupo de adolescentes sofridos do Nordeste, tão afetados como eles pelo adiamento da prova do Enem – o pretexto invocado em O Globo.
A aristocracia da elite branca
A diferença entre alunos do Nordeste e os de escolas particulares da Zona do Sul do Rio começa nos sobrenomes. Se prevalecem lá os Silva, como a família do atual presidente, os reunidos em O Globo são De Lamare, Di Célio, Bevilacqua, Lontra, Bustamante, Bekken, Glatt e outros de igual linhagem – famílias talvez afinadas com a ideologia dos irmãos Marinho.
A foto posada (com grande angular) da primeira página, feita em condomínio da Gávea, permite a suposição de que o tal “novíssimo movimento estudantil” anunciado pela sigla Nove (de “Nova Organização Voluntária Estudantil”) pode ter nascido na própria redação de O Globo e tem entre suas causas até o repúdio à ação afirmativa. São todos brancos, se não de sangue azul.
Para o jornalista Ali Kamel (foto ao lado), guardião zeloso da doutrina da fé empenhado em uniformizar o discurso ideológico nos veículos do império Globo, “não somos racistas” no Brasil. A partir dessa tese nossa elite rejeita em nome da igualdade racial quotas destinadas a favorecer o ingresso na universidade de não brancos – talvez para perpetuar os privilégios atuais até o final dos tempos.
Nas páginas internas da mesma edição impressa de O Globo, conforme tive o cuidado de conferir na versão digital que a reproduziu, a reportagem foi estrategicamente colocada ao lado da coluna de Merval Pereira – a que abraça com fidelidade canina as ordens da cúpula do império de mídia mais arrogante do país e ostensivamente dedicado desde 2005 à derrubada do presidente.
A tradição coerente do golpismo
Os 12 (ou Nove) de O Globo parecem representar exatamente a tradição desse jornal (e dos Marinho), que ao longo dos anos, em matéria de educação, foi sempre retrógrado e antidemocrático – em especial quando a UNE e as entidades estaduais filiadas a ela lutavam contra o golpismo militar e na subseqüente ditadura que torturou, matou, censurou a imprensa e perseguiu o movimento estudantil.
Não por acaso o império Globo floresceu à sombra da ditadura por aplaudir os generais. Orgulha-se hoje – ao lado do El Mercurio, pinochetista do Chile, e do Clarín (veja-o à direita, clamando na manchete contra a lei em debate e que poderá criar punição para a irresponsabilidade e abusos da mídia), submisso aos generais do banho de sangue na Argentina – de estar entre as maiores corporações de mídia do continente, todas premiadas pelos algozes da democracia e pelos interesses externos porque sempre ficaram contra as causas nacionais dos respectivos países. Ditadores sanguinários como Videla e Pinochet (foto abaixo, à esquerda), foram heróis do Clarín e El Mercurio, como Castello, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo eram os de O Globo (saiba mais AQUI sobre semelhanças entre El Mercurio e O Globo; conheça detalhes AQUI; e veja e ouça entrevista AQUI do jornalista americano Peter Kornbluh, autor de The Pinochet File, sobre a intimidade de Agustín Edwards com a CIA e como o jornal chileno foi salvo da falência após implorar e receber dinheiro da espionagem americana, à qual serviu na campanha de desestabilização que preparou o golpe pinochetista).
A matéria impressa original tinha atacado a UNE sem dar a esta a oportunidade de responder às sandices. Mas em texto posterior, publicado na quinta-feira, 8, e certamente motivado pela reação do presidente da União Nacional dos Estudantes, Augusto Chagas, o jornal condescendeu em incluir sua palavra, ainda que “os 12″ (ou Nove) continuassem como herois, mesmo insignificantes aos olhos de qualquer pessoa com um mínimode bom senso (Leia o texto da versão online AQUI). Mas além de ter tido o cuidado de minimizá-lo e situá-lo ao pé de outra página, ainda aduziu ridículo minieditorial com o veredicto final, que acusa a UNE de “peleguização”.
Contra os interesses nacionais
Fica claro que “pelegos”, na visão dos irmãos Marinho, são os líderes da UNE, criada corajosamente na década de 1940 para defender os interesses do país contra o avanço do Eixo nazifascista – e que lutou nas ruas contra a ditadura militar de 1964 que tinha O Globo como seu porta-voz oficioso. De nada importa ao jornal a explicação de que os fóruns da entidade não são gatos pingados da elite; reúnem mais de 1.500 centros acadêmicos do país, nos quais atuam centenas ou milhares de estudantes.
Como Chagas, também o presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), Ismael Cardoso, tentou informar ao império Globo de mídia (jornalões, TVs, rádios, revistas & penduricalhos) que as entidades realmente representativas dos estudantes há muito debatem a questão do Enem e até fizeram críticas à pressa das autoridades na implantação da nova prova – pressa que pode ter contribuído para o vazamento.
A motivação dos 12 de O Globo é outra. Se não foram escolhidos por ninguém, representam quem – ou o que? Têm só de se submeter à ideologia golpista do jornal, na contramão da história e do aperfeiçoamento democrático. É o que basta para sairem na primeira página. Restará agora guiarem-se pelos editoriais. Por exemplo, aplaudindo a Colômbia submissa, sob ocupação militar dos EUA, e a Honduras do golpe, repudiada pelo mundo inteiro. (Este post foi atualizado a 12/10 com mais dois links sobre as relações de El Mercurio e a família Edwards com a CIA).

- Extraído do blog do Argemiro Ferreira (http://argemiroferreira.wordpress.com/2009/10/10/os-12-de-o-globo-contra-a-forca-da-une/) em 22/10/09

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Quem forma nossos mestres?, por Patrícia Costa

O Brasil conta hoje com mais de dois milhões de professores na Educação Básica, que ensinam cerca de 52 milhões de alunos. Em torno de 600 mil desses professores não possuem um diploma e outros 127 mil só têm o bacharelado, e não poderiam estar dando aulas. O governo federal vem trabalhando para mudar esta realidade, criando programas de financiamento como o Plano Nacional de Formação de Professores, que oferecerá pelos próximos anos 330 mil bolsas em cursos superiores para docentes da rede pública de ensino, e programas de estímulo à capacitação em serviço, como o Prodocência, o Programa de Consolidação das Licenciaturas, cujo objetivo é financiar atividades que fortaleçam a formação de futuros professores, aliando a teoria à prática docente.
Para a professora Maria Teresa Tavares, diretora da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), todas essas iniciativas são válidas, desde que tenham continuidade e permanência: “O Prodocência, por exemplo, tem tido bons resultados aqui na Faculdade. Temos mais de 300 estudantes envolvidos em projetos e estágios nas escolas. Estamos conseguindo criar um fórum de reflexão sobre a prática pedagógica que é fundamental para a formação docente. Mas essa medida deve se tornar uma política de Estado para poder se consolidar”.
Por enquanto, a professora não tem com que se preocupar. Desde que foi implantado pelo MEC, em 2006, o Prodocência já investiu R$ 11 milhões em 124 projetos. Em 2009, são mais R$ 11 milhões disponíveis.
Teoria X Prática
Apesar desses investimentos, o próprio MEC constatou, em recente avaliação, que 25% dos cursos de Pedagogia do país são ruins. Dos 763 cursos avaliados, 292 receberam notas 1 e 2. Isso significa que pelo menos 71 mil alunos estão sendo mal formados. O mais preocupante é que apenas 9 cursos tiraram 5, o conceito máximo.
Outro estudo, patrocinado pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura, confirma esse quadro. A pesquisa “Professores do Brasil: Impasses e Desafios” aponta, por exemplo, que, nos cursos de Pedagogia, onde se deveria preparar os professores para a fase da alfabetização, não há sequer um currículo voltado para a metodologia dessa fase, fundamental para a aprendizagem. “Muito se discute sobre as teorias pedagógicas, mas pouco se pratica. Há no Brasil uma cultura bacharelista não só nas licenciaturas. A nossa universidade repete um modelo europeu que privilegia a teoria. Mas o aumento da prática tem sido encarado nos currículos. O ‘como fazer’ é muito importante”, destaca a especialista.
Porém, essa preocupação ainda não se refletiu na rotina em sala de aula e, para muita gente, a falta de preparo do professor contribui para a má qualidade do ensino. Segundo o IBGE, o Brasil tem 11,5% de crianças de 8 e 9 anos analfabetas. Entre 10 e 14 anos, são quase 500 mil que não sabem ler nem escrever. O Provinha Brasil, uma avaliação para alunos do 2º ano do ensino fundamental, aponta que, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e no Distrito Federal, por exemplo, mais de um terço dos estudantes estão abaixo do nível de aprendizado considerado adequado para a idade.
Qual é a saída? “As universidades têm autonomia para discutirem a melhor forma de modernizar os seus currículos, para atender as demandas da sociedade. A escola tem de mudar a vida das pessoas e deixar suas marcas. O professor é parte disso, e sua formação é fundamental para esse processo”, afirma Maria Teresa.
Outro dado que se destaca é o pouco interesse pela carreira do magistério. Se, por um lado, houve um crescimento na oferta de cursos de licenciatura no país nos últimos anos – um aumento de 65% entre 2001 e 2006 –, o ritmo das matrículas foi bem menor: 39%.
“ Todos os países democráticos encaram a escola como seu locus importante. É ali que nasce a sociedade mais justa, igualitária. Mas, no Brasil, não é assim. O professor se sente hoje um cidadão de segunda classe”, desabafa a professora. Ela reconhece, no entanto, que o governo federal vem tentando enfrentar isso, colocando o magistério como questão de política pública ao criar, por exemplo, um piso salarial único de R$ 950,00, o que vai mudar a realidade de profissionais de muitos municípios onde o salário não passa de R$ 450,00. Essa medida, porém, ainda pode demorar a reverter o grave déficit de 711 mil docentes no país, a maioria nas turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e no ensino médio.
Infraestrutura educacional
A questão salarial é um dado crucial para atrair e manter as pessoas no magistério, segundo Maria Teresa Tavares, mas não é o único: “Nos últimos dez anos, conseguimos formar mais de 10 mil professores aqui na Faculdade da Uerj. No entanto, muitos acabam desencantados com a profissão pois, além dos baixos salários, precisam enfrentar as más condições de trabalho. Aqui no estado do Rio existem situações inacreditáveis, como sala de aula sem quadro negro e giz, coisas básicas, e aqui é um estado rico. Imagine o que acontece em cidades do interior do país!”
Por isso, ela desconfia de propostas governamentais de distribuição de computadores para professores e escolas, quando em muitas delas não há sequer papel para fazer provas. Para ela, é preciso equipar as escolas, ferramentalizar os professores, para então dar um passo em direção às novas tecnologias. “Deve-se priorizar o papel do professor e da escola na produção do conhecimento. O computador é uma ótima ferramenta, mas de nada adianta se ele não estiver inserido numa proposta pedagógica séria. É muito importante discutir nas instâncias de formação dos professores o uso e os contatos que temos hoje com essas tecnologias para que elas sejam cada vez mais apropriadas pelos docentes”, afirma a pedagoga, para quem nem sempre a tecnologia é a saída para tudo: “Às vezes, basta a voz e o conhecimento de um professor comprometido e bem preparado para fazer toda a diferença no aprendizado de um aluno”.

Extraído do site http://opiniaoenoticia.com.br, em 20/10/09

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A ARTICULAÇÃO DA AUTODETERMINAÇÃO NO ANTEPROJETO DE DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS, por CAROLINE E. FOSTER

( Gonville and Casius College, University of Cambridge. Policy and Legal Adviser to the New Zealand Ministry of foreign Affairs and Trade from 1992 to 1999. The view presented in this article are independent of the ministry. The author thanks Prof James Crawford, Prof Philip Allot and Stéphane Beaulac for reading drafts of the article, and for helpful suggestions )
(TRADUÇÃO DO ORIGINAL INGLÊS PELO CORONEL FLAVIO FIGUEIREDO JORGE DE SOUZA ) ( RECIFE/PE)



R E S U M O


Este estudo refere-se às atuais negociações do anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, que ocorrem sob os auspícios da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas. O anteprojeto de Declaração pelos Direitos dos Povos Indígenas à Autodeterminação proporciona uma oportunidade para a comunidade mundial perceber mais apuradamente o que significa o direito de autodeterminação fora dos contextos tradicionais. A Parte 2 do estudo descreve o contexto legal internacional no qual representantes dos povos indígenas fazem reivindicações para a autodeterminação, com ênfase em que autodeterminação significa governo representativo. A Parte 3 do estudo desenvolve o ponto de vista de que autodeterminação deve, de acordo com isso, ser considerada um complexo conceitual que incorpora participação política, autonomia, escolha da comunidade e autodeterminação negociada. A partir deste modelo de autodeterminação surgirão estruturas políticas e medidas que especificamente considerarão a identidade e situação particular dos povos indígenas. Se as negociações progredirem, e a Assembléia Geral das Nações Unidas eventualmente adotar uma Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, a autora considera que seria provável a adoção da autodeterminação nestes termos. Desta maneira, a provisão sobre a autodeterminação dos povos indígenas poderia ser uma valiosa contribuição para a lei internacional.




1- INTRODUÇÃO



As situações dos povos indígenas no seio dos países onde vivem, inclusive dentro da Europa, são muitas vezes consideradas sob a lei internacional como assunto de direitos humanos. Assuntos de direitos humanos das minorias. Representantes dos povos indígenas, entretanto, também estabelecem reivindicações à “ autodeterminação”, como fundamento para todos os direitos humanos que acham lhes são devidos. “Autodeterminação” é a consciência do direito de uma comunidade controlar seu próprio futuro, e, desta maneira, prosperar e sobreviver fisicamente em sua mais ampla extensão. A força da comunidade para a “autodeterminação” é entendida como um aspecto crucial de sua identidade, e assim também, em termos holísticos, de sua saúde e de sua sobrevivência. Quando a expressão “autodeterminação” faz parte do vocabulário político de uma comunidade, ela se torna muito poderosa e arregimenta grandes esperanças para a ocorrência de mudanças físicas nas circunstâncias da comunidade. Este estudo passa em revista a questão da autodeterminação dos povos indígenas à luz das discussões no grupo de trabalho da ONU sobre o Anteprojeto dos Direitos dos Povos Indígenas, estabelecido pela Comissão dos Direitos Humanos em 1995. O estudo adota o ponto de vista de que povos indígenas podem verdadeiramente ser incluidos na lei de autodeterminação. Se essa titularidade tornar-se um direito reconhecido na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, o entendimento legal internacional da autodeterminação fora dos contextos tradicionais precisa ser esclarecido no processo. O assunto da autodeterminação dos povos indígenas deve ser considerado sob este amplo aspecto.


A Parte 2 descreve o contexto legal internacional no qual representantes de povos indígenas fazem reivindicações pela autodeterminação. A Parte 3 identifica vários pontos de partida para posteriores discussões sobre a autodeterminação dos povos indígenas. O estudo discute que autodeterminação conforme estabelecido na lei internacional pode ser entendida como estando a exigir governo representativo. Isto, por sua vez, requer autênticos caminhos para a participação política de indivíduos e de comunidades, considerando-se suas distintas identidades. Devemos considerar a autodeterminação contida no complexo conceitual relacionado ao funcionamento das sociedades.


O Artigo 3 do Anteprojeto dos Direitos dos Povos Indígenas diz:

“ Povos indígenas têm o direito de autodeterminação. Em conseqüência deste direito, eles livremente determinam seus status políticos e livremente procuram seus desenvolvimentos cultural, social e econômico.”


O texto é o mesmo do Artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Internacional dos Direitos Culturais, Sociais e Econômicos, com a substituição de “ todos os povos” por “ povos indígenas”. Com exceção desta mudança, o anteprojeto do Artigo consiste de linguagem aceita no direito dos povos a autodeterminação. A referência à autodeterminação é o resultado de intensas discussões centradas nas contribuições de representantes dos povos indígenas.


O texto do anteprojeto da Declaração foi elaborado através de um período de 10 anos pelo Grupo de Trabalho da ONU Sobre Populações Indígenas (WGIP). Um grupo de cinco especialistas chefiados pelo professor ERICA IRENE DAES. Indígenas viajaram a GENEVA todos os anos para assistirem às sessões do WGIP e para contribuírem com o anteprojeto da Declaração. O Anteprojeto da Declaração inclui o direito a autodeterminação principalmente porque os representantes dos povos indígenas que participaram do processo enfatizaram que consideravam de grande importância esse direito. Quando o WGIP terminou seu trabalho no anteprojeto de Declaração em 1994, a Comissão de Direitos Humanos ( CHR ) instalou um grupo interdisciplinar para elaborar um anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, levando em consideração o anteprojeto do WGIP. Na condição de grupo de trabalho de CHR, seus membros são elementos de Governos, embora seu único procedimento tenha sido estabelecer a habilitação de representantes dos povos indígenas como observadores.



O processo do anteprojeto oferece à lei internacional uma oportunidade para explorar e desenvolver o conceito legal de autodeterminação, de tal modo que se aproxime das idéias de “autodeterminação” na comunidade, incluindo a concepção dos representantes dos povos indígenas que integravam o grupo interdisciplinar do CHR. O desafio consiste em entender como idéias fortemente cultivadas sobre o que se entende como “autodeterminação” podem ser conciliadas com o estatuto legal de autodeterminação em uma Declaração que trate dos direitos dos povos indígenas.





2- O DESENVOLVIMENTO DA AUTODETERMINAÇÃO NA LEI INTERNACIONAL.




KOSKENNIEMI tem observado, a tentativa de identificar consistência na aplicação da autodeterminação é extraordinariamente difícil. Devemos aceitar que em diferentes situações a autodeterminação tem diferentes significados. A linguagem da autodeterminação tem sido empregada em determinados contextos: a autodeterminação de povos dependentes ou coloniais e de povos sob dominação externa ou ocupação militar externa; a autodeterminação de grupos raciais submetidos a opressão da natureza do apartheid; e a corrente autodeterminação de toda a população de um estado. A última destas categorias é particularmente significante. Autodeterminação requer que os estados sejam governados por meio de representantes. De acordo com isso, as políticas de governo devem refletir a natureza e os interesses tanto da população do estado como um todo, quanto dos povos que são partes dessa população. Os processos de autodeterminação considerados na Parte 3 adiante devem facilitar a adoção de políticas que sejam apropriadas e satisfatórias para povos diferentes nos estados, inclusive os povos indígenas.



A inclusão da “autodeterminação dos povos” na Carta da ONU indica o importante lugar da idéia de “autodeterminação” na consciência da sociedade internacional. A autodeterminação aparece nos Artigos 1 e 55 da Carta. O Relator Especial da ONU AURELIU CRISTESCU levou a efeito um amplo estudo de desenvolvimento atual e histórico da autodeterminação em 1981. CRISTESCU registrou que, de acordo com a orientação do Secretariado da UNCIO, o termo “povos” foi empregado na expressão “autodeterminação dos povos” na Carta da ONU porque era de uso comum nesse contexto e nenhuma outra palavra parecia mais adequada. A palavra “povos” foi considerada como sendo um termo abrangente que poderia incluir “nações e Estados”. CRISTESCU também chegou à conclusão de que, diferentemente da orientação do Secretariado da UNCIO:

“ Não havia uma definição consagrada da palavra “povo” e nenhuma possibilidade de defini-la com precisão... Não há definição reconhecida ou algum texto a partir do qual se determine o que seja “povo” possuidor do direito em questão.”


Mesmo assim, a idéia de que a referência a “povos” na Carta poderia incluir grupos étnicos dentro dos estados e, especialmente, povos indígenas, esteve sempre em voga. O representante belga nas negociações da Carta escreveu mais tarde que àquele tempo a Carta foi negociada:


“ Ninguém propôs que estatutos futuros de larga abrangência pudessem englobar territórios tradicionalmente considerados como colônias ou protetorados, e que as populações aborígines da América, África e Ásia fossem a partir daquele momento excluídas desses estatutos”


Os estatutos da Carta oferecem um amparo sob o qual entendimentos legais internacionais de crescente e amplo alcance procuram abrigo. Entretanto, as referências a autodeterminação na Carta são genéricas por natureza e não fornecem qualquer detalhe de como ela será implementada.


Em face disto, a história da autodeterminação como um conceito legal internacional utilizado no contexto de descolonização não se estabelece. Entretanto, ressaltando os assuntos de descolonização, a autoidentificação de um povo como grupo e seu grau de controle sobre estruturas e processos políticos podem ser importantes, de acordo com o que pode ser visto na Parte 3 adiante.



A Declaração de Garantia de Independência para Países e Povos Coloniais foi adotada pela Assembléia –Geral da ONU em 14 de dezembro de 1960, na Resolução número 1514. O segundo parágrafo estabeleceu o texto utilizado mais tarde em consonância com o Artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos Políticos e Civis e a Convenção Internacional Sobre Direitos Culturais, Sociais e Econômicos. O quinto parágrafo da Resolução 1514 estabelece que :



“ Medidas imediatas devem ser tomadas, em Territórios sem Autogoverno ou Protetorados ou em outros Territórios onde ainda não conseguiram independência, para transferir todos os poderes para os povos desses territórios, sem qualquer condição ou restrição, de acordo com sua vontade e desejos livremente expostos, sem qualquer distinção de raça, credo ou cor, afim de capacitá-los a desfrutar completa independência e liberdade”.



Conforme é muito conhecido, no dia seguinte, 15 de dezembro de 1960, a Assembléia-Geral também adotou a Resolução 1541, que tratava de territórios sem autogoverno e a implementação do Capítulo XI da Carta. A Resolução foi denominada “Princípios que Devem Orientar os Membros Quanto a Existir ou Não Obrigatoriedade de Invocar o Artigo 73 da Carta”. A Resolução 1541 focalizava os territórios que estavam geograficamente separados e eram cultural e etnicamente distintos do país que os administrava. O Princípio VI da Resolução estabelecia que:



“ Um território não autônomo pode ser considerado como tendo conseguido sua autonomia quando”:

(a) Emergir como estado independente soberano
(b) Associar-se a um estado independente
(c) Integrar-se em um estado independente”“.



Apesar de, em termos precisos, sua implementação ser diferentemente descrita nas Resoluções 1514 e 1541, na prática, o conceito de autogoverno e o princípio de autodeterminação se fundem.


A autodeterminação, conforme é entendida no contexto da descolonização, admite que o direito de um grupo à autonomia legitima a secessão. A lei internacional sobre a integridade territorial e a unidade política dos estados deve, de maneira geral, esvaziar tais preocupações, sob o estrito ponto de vista legal. Além disso, há uma difícil relação entre a lei internacional sobre a integridade territorial dos estados e a realidade política quando ocorre a secessão. É fácil entender que, apesar de a lei internacional respeitar a integridade territorial dos estados, isto não elimina todos os anseios dos governos nas regiões onde movimentos secessionistas são uma possibilidade real em termos políticos. Entretanto, é bastante lógico que o direito à autodeterminação, conforme definido no contexto da descolonização, não pretender ser um direito que ampare os povos indígenas na separação do restante da população dos territórios onde eles habitam.



A Convenção dos Direitos Humanos de 1966 e a Declaração das Relações Amigáveis de 1970 fornecem um contexto, no entanto, no qual o direito de autodeterminação que poderia ser invocado por povos indígenas começa a tomar uma forma mais específica e significativa. Conforme citado acima, o Artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos Civis e políticos e a Convenção Internacional dos Direitos Culturais, Sociais e Econômicos, estabelece:



“Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, eles determinam livremente seu estatuto político e livremente buscam seus desenvolvimentos cultural, social e econômico”




Durante as negociações do Artigo 1, houve considerável preocupação sobre a falta de clareza quanto a quais “povos” se referia o Artigo 1 e a natureza desse direito. O conceito vago do anteprojeto do Artigo 1, especialmente o termo “povos”, foi a principal alegação invocada para os votos negativos da Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Suécia, Turquia e Grã-Bretanha. A Austrália, a Grã-Bretanha e a Holanda especificamente sugeriram eliminar o texto “ todos os povos têm o direito a autodeterminação”, que tinha sido proposto pela Assembléia-Geral em 1952. Houve outras propostas para que fosse posta no preâmbulo ou num protocolo separado, ou uma terceira hipótese, em uma convenção separada, ou até em uma declaração. A Nova Zelândia expressou sua preocupação de que uma conseqüência resultante poderia ser o Comitê dos Direitos Humanos ser confrontado com problemas da mesma magnitude daqueles enfrentados pelo Conselho de Segurança. O resultado de todas as deliberações foi que o contido no Artigo 1 seria inserido no segundo parágrafo da Resolução 1514.




O Artigo 1 se refere especificamente a territórios não autogovernados e sob tutela e ficou evidenciado que o direito de autodeterminação descrito no Artigo pretendia se referir às populações desses territórios. Não há orientação no Artigo acerca de quais outros grupos de pressões poderiam ser tutelados pelo direito de autodeterminação, ou como isto poderia ser implementado. Com referência ao direito de autodeterminação, os representantes dos estados especificamente discutiram no processo do anteprojeto se autodeterminação poderia ser interpretada como um direito da população à democracia. Mas, “Democracia” era um assunto contencioso nas negociações. Não se chegou a um acordo quanto à interpretação de autodeterminação, especificamente como uma democracia ou fazendo equivaler a governo representativo e participação política. Os EUA, UK, Grécia, Dinamarca, Nova Zelândia e numerosos países em desenvolvimento apresentaram o ponto de vista de que autodeterminação poderia permitir o direito a ser livre de um regime autoritário. Os representantes ocidentais apresentaram numerosos argumentos pelos direitos de participação política e a necessidade de governos que fossem representantes de seus povos, situação que não constou do texto final do Artigo 1.




A partir do texto da Convenção dos Direitos Humanos de 1966, conseguimos pouco avanço em relação a textos anteriores no que diz respeito a maneira como a autodeterminação dos povos indígenas pode ser entendida sob a lei internacional. Entretanto, as discussões entre os negociadores, quando a Convenção estava sendo desenvolvida, como acima foi referido, e o comentário do Comitê dos Direitos Humanos da ONU em época mais recente, como adiante se discute, levaram-nos um pouco mais adiante. Elas nos conduziram para uma interpretação do ARTIGO 1 da Convenção que trata da governabilidade interna e questionam o funcionamento de grupos no interior dos estados. Esta linha de raciocínio pode ser utilizada para exigir que governos adotem entendimento de autodeterminação que enfoquem a garantia de caminhos para a participação na formulação e implementação de políticas públicas, incluindo progresso na autonomia em áreas relevantes.





A Declaração de Princípios da Lei Internacional Referente a Relações Amigáveis e Cooperação Entre Estados, de acordo com a Carta da ONU, de 1970, inclui entre seus sete princípios “ o princípio de direitos iguais e autodeterminação dos povos”. Em respeito a este princípio, o que se contém no segundo parágrafo da Resolução 1514 é reiterado e há uma referência direta ao colonialismo e dominação externa e exemplos onde a autodeterminação deve ser promovida .




Provavelmente a parte mais citada da Declaração de Relações Amigáveis em discussão no Artigo 3 do anteprojeto da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas é a chamada “ cláusula de salvaguarda “ na Declaração. A cláusula das salvaguardas diz:


“ Nada nos parágrafos adiantes deve estabelecer a autorização e o encorajamento de qualquer ação que possa desequilibrar ou desmembrar, total ou parcialmente, a integridade territorial ou a unidade política de Estados soberanos e independentes que se conduzam de acordo com o princípio de iguais direitos e autodeterminação dos povos, como descrito acima, assim como Estados que tenham governos que representem todo o povo pertencente ao território sem distinção de raça, credo ou cor”.




Um aspecto importante desta cláusula é a importância que ela atribui ao governo representativo como indicador da anuência com o princípio da autodeterminação. Intérpretes têm sugerido que o princípio da autodeterminação não pode estar mais restrito a um direito que é exercido uma vez, na ocasião em que termina o governo colonial, mas pode se estender como o direito continuado de um povo a ser governado por um governo representativo. A cláusula da “salvaguarda” garante esta perspectiva, e o enfoque na autodeterminação do Comitê da ONU sobre Direitos Humanos, citado adiante, também garante tal entendimento de autodeterminação.



O texto proposto pelos Estados Unidos no curso das negociações da cláusula das “salvaguardas” poderia ter proporcionado uma regra mais clara para a interpretação da autodeterminação quanto à exigência de governo representativo:




“ A existência de um Estado soberano e independente que tem governo representativo, efetivamente em funcionamento para todos os povos distintos dentro de seu território, é considerado como satisfazendo o princípio de direito e autodeterminação em relação a estes povos”




Outros Estados não estavam preparados para aceitar esta proposta e a expressão governo representativo na cláusula das “salvaguardas” foi uma solução de compromisso. O texto adotado de forma alguma estabelece que um governo representativo é considerado como requisito para a autodeterminação, sem especificamente ocultar as outras exigências de autodeterminação dos povos que ainda não conseguiram independência ou que estão sujeitos à ocupação estrangeira. De acordo com determinada interpretação, a referência a “ raça, credo e cor” na cláusula da “salvaguarda” poderia ser considerada como uma lista de condições que deve ser adequadamente observada se um Governo está para ser tido como agindo de conformidade com o princípio da autodeterminação. Ao considerar esta interpretação possível, é de muita valia observar o esboço histórico da cláusula. A fórmula de “raça, credo e cor” foi aceita porque era a expressão previamente adotada na Resolução 1514 da ONU. Em conseqüência, quando em 1993 a Declaração de Viena sobre Direitos Humanos apreciou as palavras da cláusula das “salvaguardas”, elas foram modificadas para “ sem distinção de qualquer espécie”, ao invés de se referir a “raça, credo e cor”. Levando em consideração esta história, a cláusula de não discriminação funciona provavelmente como uma proibição genérica sobre discriminação, Não devemos concluir apressadamente, por esta razão, que é possível argumentar em favor dos direitos dos povos indígenas à autodeterminação a partir da referência a “raça “ na cláusula das salvaguardas. Nem pode a autodeterminação dos povos indígenas ser considerada por analogia com as situações de opressão racial institucionalizada ostensiva dos anos 1970 e 1980 na África do Sul e na Rodésia do Sul.




Com equilíbrio, provavelmente o mais forte e útil argumento a respeito da autodeterminação dos povos indígenas é que a satisfação do direito à autodeterminação, sob a lei internacional, pode ser examinada pela consideração dos requisitos de autodeterminação do governo representativo. Esta análise deve abranger aqueles entendimentos de autodeterminação que incorporam exigências de governo representativo e efetivos caminhos de participação política para todos os cidadãos e grupos dentro do estado. A partir deste modelo de autodeterminação devem fluir estruturas políticas e medidas que especificamente tomem em consideração a identidade particular e as situações dos povos indígenas,
.



A consideração dos assuntos de autodeterminação pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU apóia um enfoque aberto a assuntos que envolvam a autodeterminação de povos indígenas. O Comitê de Direitos Humanos tem cada vez mais apoiado os direitos das populações a pluralismo político e a governo representativo e tem se voltado para esses assuntos sob o Artigo 1 da Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos, e também sob o Artigo 25 da Convenção. O Comitê examina a autodeterminação em praticamente cada análise que faz dos Estados da Convenção. Autodeterminação é considerada como possuindo muitos aspectos e em conseqüência é analisada como:




1- um direito de um grupo minoritário dentro de um estado

2- um direito da população de um estado como um todo

3- um direito da população de um território não auto-governado.



No Comentário Geral de 1984 sobre autodeterminação, o Comitê encorajou estados a incluir em seus relatórios informações do desempenho de suas obrigações sob cada parágrafo do Artigo 1, incluindo descrições sobre “ os processos políticos e constitucionais que permitam o exercício do direito”. O Comentário Geral do Comitê sobre o Artigo 25 registrou seu entendimento do relacionamento entre o Artigo 1 e o Artigo 25, como se segue:




“ Os direitos sob o Artigo 25 são relacionados, mas distintos, dos direitos dos povos à autodeterminação. Em virtude dos direitos cobertos pelo Artigo 1, os povos têm o direito a livremente determinar seu status político e desfrutar do direito de escolher a forma da sua constituição e governo. O artigo 25 trata do direito dos indivíduos a participar dos processos que constituem a conduta dos negócios públicos”





O Comitê tem declinado de considerar comunicações em relação ao Artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos, sob o argumento de que o primeiro Protocolo Opcional da Convenção trata apenas das reclamações dos indivíduos de violação de seus direitos como indivíduos. O Comitê também tornou muito clara esta sua posição no Comentário Geral do Artigo 27. O Comitê observou que :





“ A Convenção traça uma distinção entre o direito a autodeterminação e os direitos protegidos sob o Artigo 27. O primeiro é expresso como um direito que pertence aos povos e é tratado como uma parte ( Parte 1) da Convenção”





O Comitê, no entanto, declarou admissível em parte a matéria de uma comunicação, em respeito ao Tratado da Nova Zelândia do Estatuto da Pesca de WAITANGI de 1992. Os signatários da comunicação reclamam que a legislação nega a eles o direito de livremente determinar seu status político e interfere com seu direito de livremente conseguir seu desenvolvimento cultural e econômico. A apreciação do Comitê dos Direitos Humanos sobre essa comunicação será particularmente relevante para os assuntos sendo discutidos no Grupo de Trabalho do Anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, pois a declaração se refere aos interesses dos MAORI. O Comitê poderá entrar em novo terreno quanto à autodeterminação dos povos indígenas.
O Comitê tem também começado a comentar a autodeterminação dos povos indígenas quando estuda informes periódicos de estados subordinados à Convenção. O Comitê criticou o quarto informe periódico do Canadá, por sua brevidade e ausência de referência” ao conceito de autodeterminação”, conforme é aplicado pelo Canadá aos povos aborígenes. As observações finais do Comitê sobre o informe chamaram a atenção para a terra e os recursos dos aborígenes, com referência ao Artigo 1 da convenção.





3- PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, AUTONOMIA, ESCOLHA DA COMUNIDADE E AUTODETERMINAÇÃO NEGOCIADA.





A Parte 2 deste estudo estabelece que a autodeterminação exige governo representativo. A Parte 3 agora esclarece o quadro, referindo-se a certo número de fontes adicionais, a partir das quais conceitos de autodeterminação na lei internacional podem se originar para o propósito da compreensão da autodeterminação. Estes conceitos são por natureza estreitamente relacionados entre si. Estabelece-se que este enfoque da autodeterminação é uma tela na qual o direito de autodeterminação dos povos indígenas pode ser desenhado.





O Grupo de Trabalho do CHR sobre o Anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas se reúne anualmente, e seu último encontro foi nos fins de outubro de 1999. O progresso no Anteprojeto da Declaração tem sido extremamente lento até agora e há um leque muito amplo de assuntos a ser coberto pelo Anteprojeto. Muitos dos assuntos no texto do Anteprojeto são inter-relacionados e alguns participantes têm dito que eles vêem todos os direitos que a Declaração reconhece como inter-relacionados a um direito ou conceito de autodeterminação. A maioria dos participantes está consciente de que as cláusulas do Anteprojeto sobre autodeterminação são as mais desafiadoras da Declaração proposta. Alguns governos estão dando um enfoque razoavelmente aberto a esses assuntos e, considerando que é possível alcançar uma conclusão eventual para as negociações, espera-se que a Declaração possa contribuir para desenvolver a lei internacional a respeito da autodeterminação.




Um tema subjacente a este estudo é o reconhecimento de considerável tensão entre definições legais internacionais de autodeterminação e poderosas idéias de “autodeterminação”, tanto dentro como fora da lei internacional. Esta tensão caracteriza a inclusão do direito à autodeterminação no Anteprojeto da Declaração. O Anteprojeto será um documento legal internacional e os governos procurarão trabalhar suas provisões e tomar consciência disto, inclusive a respeito à autodeterminação. Isto significa que eles analisarão proposta para fazer um esboço do Artigo 3 à luz da lei internacional existente sobre autodeterminação. Além disso, parece ainda existir uma esperança de que as provisões do esboço da Declaração sobre autodeterminação possam transcender a natureza da Declaração na qual estejam contidas. Representantes de povos indígenas têm sido relutantes em consentir qualquer mudança no esboço das provisões. Idéias sobre o que pode ser abrangido por “autodeterminação” são fortemente mantidas e o entendimento tem sido expresso de que o possuidor do direito deveria definir o conteúdo desse direito. Este estudo reconhece estas poderosas concepções de “autodeterminação”, enquanto permanece consciente de que é desejável também que o Anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas seja completado. Espaços para compromissos precisam ser identificados. Este estudo contesta que terreno fértil esteja disponível, se dirigirmos nossas mentes para a natureza do governo representativo.





A Parte 2 deste estudo chamou a atenção para a interpretação da autodeterminação como exigindo governo representativo, em atenção particular à Convenção dos Direitos Humanos de 1966 e à Declaração sobre Relações Amigas de 1970. As discussões no grupo de trabalho sobre o anteprojeto da Declaração têm especificamente se referido a assuntos de participação política. O Canadá estabeleceu em 1999 que:




“ Autodeterminação é agora vista por muitos como um direito que pode continuar a ser desfrutado em uma democracia em funcionamento na qual cidadãos participam do sistema político e têm a oportunidade de influir no processo político que afeta a elas”.




A Noruega também incluiu em seus textos em 1999 o entendimento de que dentro do contexto de estados democráticos e independentes:



“ ... o direito à autodeterminação inclui o direito de povos indígenas de participar em todos os níveis do processo de tomada de decisões em assuntos administrativos e legislativos e a manutenção e desenvolvimento de seus sistemas político e econômico.”





Governo representativo por definição exige caminhos efetivos para participação política por todos os indivíduos e grupos sujeitos a um governo particular. Sob este aspecto, há apenas uma tênue linha entre as exigências do Artigo 25 do ICCPR, conforme descrito pelo Comitê de Direitos Humanos e mencionada na Parte 2 acima, e o Artigo 1 do ICCPR. Participação política e governo representativo também dependem da concessão de liberdade para o indivíduo e grupos definirem e identificarem a si próprios. Este ponto é detalhado adiante.




O Anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas dispõe suas cláusulas sobre participação política em Artigos separados não relacionados com a autodeterminação. Até o ponto em que autodeterminação pode ser considerada como exigindo governo representativo, a natureza da participação de indivíduos e grupos na formulação e implementação de política pública deve ser considerado mais freqüentemente no contexto da autodeterminação. Estas ligações devem ser refletidas, jamais ignoradas, no Anteprojeto da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas.




“Democracia” como expressão de autodeterminação foi mencionada no relatório conjunto dos “ cinco sábios” de Quebec em 1992. THOMAS FRANCK, ROSALYN HIGGINS, ALAIN PELLET, MALCOLM SHAW e CHRISTIAN TOMUSCHAT sugeriram que, enquanto a autodeterminação de povos coloniais inclui o direito à independência, para outros significa:



“ O direito a uma identidade própria, aquela de escolher e participar...Identidade e democracia são seus dois componentes essenciais”.





Pode-se dizer que os autores perceptivelmente identificam esses dois aspectos chaves do sentido da autodeterminação. Aceitando o fato de que, em matéria de lei, autodeterminação já inclui uma exigência de governo representativo, a “democracia” deve também já estar prevista em uma análise da autodeterminação.




Entretanto, “democracia” é um conceito amplo, mais amplo do que “governo representativo” apenas. Algumas vezes, o termo “democracia” esconde muito facilmente a necessidade de encaminhar muitos dos assuntos do dia a dia a respeito de como governos e sociedades funcionam. Particularmente significante para povos indígenas, na condição de minorias dentro de sociedades mais amplas, são as questões que se relacionam com a maneira como efetivamente diferentes formas de governos representativos podem proteger e fazer progredir os interesses das minorias. Determinados sistemas políticos oferecem
possibilidades para a melhoria da eficiência da democracia representativa de todas as partes de uma sociedade, incluindo-se sistemas de representação proporcional, onde segmentos diferentes de uma sociedade são aleatoriamente do mesmo tamanho e sócios iguais na democracia. Assegurar graus apropriados de autonomia é um dos meios de garantir que o governo seja representativo. Da mesma maneira, qualquer consideração de participação política deve investigar opções para autonomia local, autonomia em assuntos específicos e estruturas para diálogo com grupos que tenham um interesse particular em determinadas matérias. Isto é reconhecido pela Austrália no Grupo de Trabalho do Anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas:





“ A Austrália reconhece que a intenção do artigo 3 é enunciar...as aspirações legítimas de povos indígenas para o desfrute mais direto e significativo da participação nos processos decisório e político e maior autonomia sobre seus próprios negócios”





Em contraste com a questão da participação política, a idéia de autonomia está ligada ao anteprojeto da Declaração para a Autodeterminação de Povos Indígenas. O esboço do Artigo 31 do anteprojeto da Declaração proporá que povos indígenas tenham direito à autonomia ou autogoverno em assuntos relacionados a seus negócios locais e internos, como uma forma específica de exercer seu direito à autodeterminação. Conforme se nota neste estudo, em matéria de lei, o exercício da autodeterminação fora dos contextos de descolonização tradicional ou ocupação estrangeira não é percebido pelos estados como tendentes à secessão. O texto do anteprojeto da Declaração como um todo também reflete a intenção geral de que povos indígenas exercerão direitos no seio das sociedades da quais façam parte.


O Canadá sugeriu discussões posteriores dentro do grupo de trabalho intersessional do CHR para esclarecer o significado de “autonomia” e “autodeterminação”. Outros governos também indicaram que estão desejosos de discutir maneiras diferentes para entender esses termos. Estes são sinais promissores e no caso da Nova Zelândia reflete a crescente autonomia de MAORI em matéria de saúde e educação em particular. Comentaristas internacionais sugeriram que um nascente direito genérico à autonomia pode ser capaz de resolver dificuldades que estão além da capacidade tanto do sistema de direitos humanos individuais quanto do conceito de autodeterminação. É difícil antever neste estágio se tais conceitos amplos como “autonomia” poderão ser entendidos como um direito, mas as oportunidades que oferecem proporcionam insights úteis para trabalhar a questão da “autodeterminaçao” de povos indígenas. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que quando autodeterminação é entendida como se referindo a governo representativo isto pode incluir diferentes níveis de autonomia como adequadas a diferentes situações. Conforme foi discutido acima, governo representativo exige caminhos para participação política, e em certas circunstâncias, estruturas autônomas podem ser a melhor base, tanto para incrementar processos políticos mais amplos e processos decisórios sobre assuntos específicos das comunidades, quanto para a implementação de políticas e concessão de serviços públicos. Autonomia na concessão de serviços públicos deve garantir que eles sejam os mais adequados para atender as necessidades do grupo interessado.






A autonomia também traz seus próprios benefícios em termos de identidade, estabelecendo um lugar formal para grupos no cenário público, dando oportunidade futura para o reforço dos valores do grupo e a interação com outras partes da sociedade. Onde há tensões, negociações podem ser uma das mais úteis ferramentas para lidar com situações específicas. A possibilidade de inclusão de uma referência para negociação na cláusula de autodeterminação do anteprojeto de Declaração será discutida logo adiante. Qualquer que seja o mecanismo utilizado, o complexo processo necessário para produzir níveis adequados e estruturas de autonomia em diferentes situações inclui exploração da identidade das comunidades envolvidas e como esta identidade pode ser expressada, preservada e desenvolvida. Pode ser relembrado que identidade também foi abordada por FRANCK, HIGGINS, PELLET e TOMASCHAT, no trecho citado acima,
referentemente à participação política. A próxima parte deste estudo, ao tratar da escolha da comunidade, igualmente traz uma forte conexão com assuntos de identidade.





O anteprojeto de Declaração reflete a idéia de que povos indígenas deveriam ter seu próprio sistema de cidadania, na cláusula do Artigo 32, como também o direito de pertencer a uma comunidade indígena ou nação, o que é estabelecido no anteprojeto do Artigo 9. Estes assuntos não estão ligados à questão da autodeterminação no anteprojeto da Declaração, mas claramente estão conceitualmente conectados. Conforme já foi discutido acima, sempre que autodeterminação requer governo representativo, a participação política efetiva é exigida. A fim de produzir a participação política efetiva, os povos precisam ser capazes de desenvolverem e expressarem suas identidades como membros de diversas comunidades no interior de sociedades mais amplas.





Os governos envolvidos em negociações no anteprojeto da Declaração podem encontrar uma série de dificuldades com os assuntos de nacionalidade, cidadania e autodeterminação, dependendo da situação no país representado.. Por exemplo, no contexto da NOVA ZELÃNDIA, SOB O TRATADO DE WAITTANGI, maoris e não-maoris compartilham a cidadania neo- zelandeza. Assuntos complexos surgem a respeito dos relacionamentos entre comunidades de povos indígenas, nacionalidade e cidadania. Alguns comentaristas têm defendido a idéia da separação étnica e cultural da noção do estado, mas há considerável trabalho posterior a ser realizado em avaliar a extensão para a qual a comunidade mundial identifica esses enfoques como reais possibilidades. Na maioria dos casos, a sinonímia de “nação” e “estado” pode ser também assegurada. Dito isto, devemos reconhecer a flexibilidade de indivíduos e grupos no que diz respeito a identidade, inclusive sua habilidade em assumir múltiplas identidades e em integrar uma larga gama de diferentes comunidades.






A Comissão BADINTER, solicitada a encaminhar a questão sobre se a população sérvia na CROÁCIA e BÓSNIA HERZEGOVINA tinha o direito de autodeterminação, considerou que tais grupos dentro do estado têm “o direito ao reconhecimento de sua identidade sob a lei internacional”. A Comissão referiu-se principalmente ao direito das minorias, mas também afirmou que:





“ O Artigo 1 das duas convenções internacionais de 1966 sobre direitos humanos estabelece que o princípio do direito de autodeterminação serve para resguardar direitos humanos. Em virtude deste direito cada indivíduo pode escolher pertencer a qualquer comunidade étnica, religiosa ou de língua que deseje”


A Comissão foi além e disse que, segundo sua análise, uma possível conseqüência deste princípio poderia resultar, para os membros da população sérvia na Bósnia-Herzegovina e Croácia, serem reconhecidos como tendo a nacionalidade de sua escolha , dentro de um acordo entre as repúblicas, isto é, que as repúblicas deveriam, onde for apropriado, permitir-lhes o direito de escolha de sua nacionalidade. Questões extremamente complicadas se levantam nessa situação, a menos que nacionalidade seja diferenciada de cidadania.





A sugestão da Comissão de que a possível nacionalidade dos sérvios na Bósnia-Herzegovina e Croácia estendia a todos os direitos e obrigações parecia colocar dificuldades enormes, se considerado literalmente. Apenas pela restrição da definição da nacionalidade a uma declaração de identidade pode isto ser tratado facilmente. Autodeterminação é inegavelmente um processo de auto-identificação. ( No original: Self-determination is undeniable a process of self-identification ). Entretanto, para escolher uma comunidade posteriormente, e começar a considerar nacionalidade sem claramente diferenciar tal nacionalidade da cidadania, levanta-se uma inteira questão de ordem prática. Escolha de assuntos comunitários deve ser tratado primeiramente num nível mais local e pessoal, em termos principalmente de identidade cultural.





Uma valiosa prática do estado pode ser delineada no contexto de descolonização, demonstrando que o exercício de autodeterminação tem na prática quase sempre se verificado através de acordo com o estado colonizador. Autodeterminação tem sido em primeiro lugar um direito que a autoridade colonial deve tornar efetivo. A ONU tem apoiado secessões unilaterais apenas se a autoridade colonial apóia o caminho da autodeterminação. Isto não desfaz difíceis questões que cercam a autodeterminação de povos indígenas. Conforme foi discutido acima, a autodeterminação de povos indígenas se adapta a um modelo que é diferente da autodeterminação no contexto de descolonização. Entretanto, a prática do estado no contexto de descolonização é uma lembrança de que sociedades consistem de indivíduos interativos e grupos constantemente trocando idéias uns com os outros e perpassando diferentes estruturas políticas, por acordos e desacordos.





No Grupo de Trabalho da CHR sobre os Direitos dos Povos Indígenas, o Canadá tem dito que soluções antecipadas para a questão da autodeterminação devem ser evitadas, e tem enfatizado o papel das negociações entre governos e grupos indígenas como o melhor caminho para determinar o status político dos povos indígenas e alcançar seu desenvolvimento cultural, social e econômico. Os representantes dos povos indígenas também têm dito:





“ A harmonização seria procurada pela noção de que o direito de autodeterminação acarretaria o direito de procedimento que poderia ser exercido por negociações entre povos indígenas e governos”.





O consenso sobre esta estrita versão de tal direito é improvável que seja alcançado, mas a noção de negociação não deve ser excluída na autodeterminação dos povos indígenas. A versão de 1993 do anteprojeto do Artigo 3, desenvolvido no WGIP, foi rejeitado pelos representantes dos povos indígenas. Ela dizia:




“ Povos indígenas têm o direito a autodeterminação, de acordo com a lei internacional, sujeitos ao mesmo critério e limitações que se aplicam a outros povos de acordo com a Carta da ONU. Em virtude disto, eles têm o direito, inter allia, a negociar e concordar sobre seu papel na conduta dos negócios públicos, suas responsabilidades distintas e os meios pelos quais eles gerenciam seus próprios interesses. Uma parte integral disto é o direito à autonomia e auto-governo”.





O anteprojeto do Artigo de 1993 contemplava um sentido de interação de diferentes aspectos da autodeterminação , inclusive participação política e a natural autonomia das comunidades dentro da sociedade. Uma opção é para o grupo de trabalho da CHR revisar esta espécie de conceito de autodeterminação, juntamente com representantes de povos indígenas, e procurar definir um entendimento mutuamente aceitável de como a autodeterminação pode funcionar na prática. É exigida uma focalização nos relacionamentos com povos indígenas que objetive o longo prazo, com espírito de compromisso permanente e aberto. No arcabouço de uma abordagem “relacional”, baseada na noção chave de governo representativo, a autonomia pode ser considerada como uma forma de participação política. Complexos assuntos de identidade e comunidade podem ser reconhecidos.



4- CONCLUSÃO





Este estudo procura contribuir para desenvolver entendimentos de autodeterminação na lei internacional ao ressaltar a visão de que há elementos muito diferentes na composição da autodeterminação. A mais clara exigência de autodeterminação é governo representativo. Isto requer caminhos para uma autêntica participação política e deve haver a capacidade para participar na base de identidades individuais e compartilhadas. Até certo ponto, a autonomia dentro das sociedades é assegurada conforme o conceito de autodeterminação, e deve ser considerado o papel a ser desempenhado por negociações formais e informais.


A autodeterminação de povos indígenas sob a lei internacional deve se originar de tais princípios de autodeterminação. Deve também refletir a natureza particular dos povos indígenas, suas identidades, suas comunidades e seus caminhos. A autodeterminação deve capacitar não apenas a livre determinação de seu status político, mas também a livre procura de seu desenvolvimento cultural, social e econômico.



A respeito do anteprojeto da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, o Canadá parece que foi o primeiro governo no Grupo de Trabalho do CHR a contemplar o projeto com discussões mais detalhadas sobre autodeterminação de povos indígenas, com uma declaração em 1996:




“ Nosso objetivo neste Grupo de Trabalho será desenvolver um entendimento comum, consistente com a evolução da lei internacional, sobre como este direito pode ser aplicado a coletividades indígenas, e qual o conteúdo desse direito”.





Os governos precisam considerar tanto a posição dos povos indígenas quanto as implicações mais amplas de longo prazo de seus empenhos na autodeterminação, nesse contexto. A autora acredita que se a Assembléia Geral da ONU tiver sucesso em adotar uma DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS, é provável que se inclua uma cláusula sobre a autodeterminação na modalidade dos termos discutidos neste estudo. Isto será uma valiosa contribuição para a lei internacional. Mesmo que não se demonstre possível alcançar um acordo sobre o texto de uma declaração, pronunciamentos feitos no curso das negociações no grupo de trabalho, tais como já referido neste estudo, constituem evidência de significativa e atual OPINIUM JURI no assunto da autodeterminação.




POSTSCRIPT




Não houve formal discussão sobre o Artigo 3 do Anteprojeto da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas na sessão de novembro de 2000, no grupo de trabalho. Mais importante, entretanto, o Comitê dos Direitos Humanos da ONU externou seu entendimento sobre o caso APIRANA MAHUITA e OUTROS VERSUS NOVA ZELÂNDIA em novembro de 2000. Conforme citado acima, esta comunicação dizia respeito ao TRATADO NEOZELANDEZ DE WAITTANGI ( reclamações sobre pesca) SETTLEMENT ACT 1992. O Comitê, por não encontrar um espaço na Convenção, reiterou sua anterior jurisprudência de acordo com a qual as cláusulas do Artigo 1 da ICCPR, mesmo não sendo suficiente por si mesmas para fundamentar uma queixa, podem, de alguma maneira, ser relevantes na interpretação de outros direitos protegidos pela Convenção.



FIM

-recebido em 19/10/09, sem ressalvas quanto à publicação

terça-feira, 13 de outubro de 2009

PATRIMÔNIO A DEFENDER, por Gen Ex GILBERTO BARBOSA DE FIGUEIREDO Presidente do Clube Militar

Não me lembro de ter passado uma única semana sem que chegue ao Clube Militar, enviada por civis das mais diversas profissões, alguma mensagem sugerindo que os militares têm de retomar o poder para acabar com o caos instalado nos órgãos dos poderes executivo e legislativo, principalmente.
A todos tenho respondido, pacientemente, que, se depender de mim, jamais. As sugestões, por certo, pretendem fazer um paralelo com 1964, quando a anarquia generalizada teve um fim com a participação ativa das Forças Armadas.
Acontece que, naqueles idos, a situação era absolutamente diversa. Na verdade, as Forças Armadas entraram em cena interpretando uma vontade nacional, pressionadas pelos movimentos populares nas ruas e pelas campanhas de mídia, impressa e eletrônica.
Naquele momento, como em outras oportunidades em nossa história, as Forças Armadas não participaram como intrusas, mas como intérpretes dos anseios do povo brasileiro. Se as resultantes foram boas ou más para o Brasil, é assunto para interminável discussão em que sempre aparecerão pessoas com opiniões divergentes.
Por certo, como todo fato histórico, a partir dele foram geradas consequências boas e más. A história, certamente, quando o tempo tiver amainado as paixões, fará o justo balanço daquele período.
Hoje, estamos em um momento absolutamente diferente. Se há procedimentos de nossos políticos que nos trazem vergonha, atingimos, por outro lado, significativo nível de estabilidade institucional, sem dúvida um precioso patrimônio a ser preservado.
O que, no momento, fica imprescindível é não agredirmos esse patrimônio com ações insensatas. O que precisamos é pensar com mais desprendimento patriótico e com menos egoísmo. E isso diz respeito ao cidadão comum que se recusa a cumprir a lei, cometendo pequenos delitos, e chegando ao político inescrupuloso que se aproveita do cargo público para beneficiar a si próprio, a parentes e amigos. Com certeza, os escândalos em série que estão abalando o Senado em nada contribuem para o fortalecimento da normalidade institucional.
Com certeza, pronunciamentos dúbios de um Presidente da República, em face de desvios de ética de seus aliados, somente podem contribuir para fragilizar nossas instituições. Com certeza, a negativa do Conselho de Ética do Senado em apreciar as representações contra o presidente da casa, assim como as manobras do executivo para que isso fosse viabilizado, contribuem para que o funcionamento de nossa democracia seja posto em dúvida.
Da mesma forma, o sistemático desrespeito à lei e a decisões judiciais, por parte de baderneiros, travestidos de “movimentos sociais” desservem o fortalecimento do estado de direito.
Agora é um órgão do próprio governo – a FUNAI – que resolveu ignorar uma decisão do Supremo. Decisão judicial não se discute – cumpre-se. Essa afirmativa é repetida, seguidas vezes, por autoridades do executivo e do legislativo, sempre que são desafiadas por repórteres a tecer comentários sobre posições suas, contrariadas em sentenças do judiciário. E assim tem de ser quando se respeitam os preceitos básicos de um regime democrático. A FUNAI, no entanto, parece não dar a mínima a tal princípio.
O STF tomou importante decisão por ocasião da disputa que se instaurou na região de Raposa Serra do Sol. Foi estabelecida a delimitação da reserva em área contínua, mas com ressalvas propostas pelo Ministro Carlos Alberto Direito e, entre elas, a de que “é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada”.A FUNAI, mesmo assim, partiu para os trabalhos de delimitação de outras áreas como se nada tivesse acontecido, usando os mesmos critérios de antes do pronunciamento do Supremo. O estado de direito, ao lado da estabilidade da moeda, foi uma notável conquista alcançada pelo povo brasileiro. É um patrimônio a ser por nós defendido contra os desmandos de autoridades irresponsáveis.
Gen Ex GILBERTO BARBOSA DE FIGUEIREDO
Presidente do Clube Militar

Recebido em 13/10/09, sem ressalva quanto à publicação.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

BLOG DA PETROBRÁS. Um susto na grande imprensa, por João José Forni

em 16/6/2009
Reproduzido do blog do autor; 12/6/2009; título original "Blog dá um susto na grande imprensa"
Muito se fala sobre blog da Petrobras criado para responder a perguntas enviadas pela imprensa e defender-se de pautas negativas, por conta da CPI no Congresso. O Fatos e Dados foi lançado no início de junho para "manter um canal de comunicação rápida e direta com o público, dedicado a apresentar fatos e dados recentes da Petrobras, o posicionamento da empresa sobre as questões relativas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e esclarecimentos solicitados pela imprensa".
A grande polêmica gerada pelo blog decorre da iniciativa da Petrobras publicar as pautas (perguntas) dos jornalistas, com as respostas da empresa, antes da publicação da matéria. Para a grande imprensa e jornalistas de redação, essa iniciativa estaria ferindo o princípio da exclusividade. Para advogados e professores de comunicação, embora não seja ilegal, a iniciativa pode ser incorreta e até autoritária. Segundo a Petrobras, a publicação visa dar transparência ao seu relacionamento com a imprensa.
Nem tanto ao céu, nem tanto a terra. Trata-se de um bom case de comunicação. Essa provocação à grande mídia, se aparenta uma ousadia, desafia a empresa a ser mais transparente e enfrentar uma pressão maior da imprensa. Não há dúvida de que estamos em outros tempos. Os blogs e demais redes sociais representam um avanço em relação ao atraso da imprensa tradicional. Por isso chega a ser patética, para não dizer ridícula, a manchete da Folha de S.Paulo do dia 2 de junho: "Avião com 228 a bordo some no mar no trajeto Rio-Paris". Qualquer criança no uso da razão já conhecia essa notícia um dia antes da manchete.
Mas voltemos à polêmica. Nos primeiros dias o centro das críticas foi a iniciativa da Petrobras de antecipar no blog as respostas de pautas, mesmo as exclusivas. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) reagiu, pela "prática contrária aos princípios universais da liberdade de imprensa". A grande imprensa acusou a Petrobras de atentar contra a ética, por adiantar no blog temas exclusivos do jornalista. É verdade que a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) considerou legítima a iniciativa, em nota de conteúdo mais político do que técnico. Jornalistas se dividiram em críticas e elogios à tentativa ousada de intimidar ou de enfrentar o poder da imprensa. Nada mais do que o jus sperneandi.
Diante da escorregada da Petrobras, em querer reinventar o jornalismo, publicando antecipadamente as perguntas e respostas das pautas, até mesmo exclusivas, houve pressão para que a empresa voltasse atrás. Isso aconteceu em 10 de junho, quando o blog admitiu que "dará publicidade ao conjunto de perguntas e respostas (...) a partir da zero hora do dia em que está prevista a publicação da reportagem". Daria assim tempo de os veículos de comunicação trabalharem o tema antes da divulgação pelo blog.
Apesar do recuo, a logística burocrática para controlar essa divulgação deverá ser tão complicada, que até mesmo para a Petrobras, com 1.150 funcionários na área de comunicação, não será fácil. A questão suscitada por alguns órgãos de imprensa é a Petrobras querer determinar quando a matéria deverá sair, decisão, naturalmente, que só compete ao veículo. Como se sabe, muitas vezes uma matéria programada para sair amanhã, cai na hora do fechamento, por conta de outras mais importantes que entram na última hora. E aí? Como ajustar quem publica o quê?
A Petrobras tem apregoado nas suas justificativas o compromisso de publicar os esclarecimentos com o máximo de transparência. Depende. As fontes oficiais gostam muito dessa palavra. Aliás, transparência é uma das palavras mais ouvidas e usadas em Brasília. Mas, em contraposição, é a que menos se pratica. A resposta da Petrobras sempre vai representar o viés da empresa. Mas é importante que a opinião pública, incluídos funcionários, acionistas, clientes, fornecedores, investidores internacionais e tantos outros conheçam a explicação que ela deu à imprensa.
O fim do furo
A Petrobras, desde o início da polêmica, descartou que a publicação das perguntas dos jornalistas caracterizasse quebra do sigilo, por considerar que as informações prestadas pertencem à empresa. Esse argumento não resistiu, pela completa insensatez. A Petrobras diz que não há quebra de sigilo, porque "a relação entre a Petrobras e os veículos de comunicação que a interpelam é essencialmente pública (...) Tanto as respostas da Petrobras são públicas quanto as perguntas dos repórteres também o são, ou deveriam ser".
Outra polêmica suscitada. As perguntas de um repórter não são públicas, até o momento em que ele as publiciza, ao divulgar a reportagem. A não ser que a Petrobras esteja decretando o fim do furo e da exclusividade, um diferencial que continua sendo perseguido por todos os jornalistas em qualquer lugar do planeta. Na relação entre imprensa e fonte, o problema não é de confidencialidade, como também alegaram alguns editoriais da grande imprensa. Existe, apenas um acordo tácito de confiança de que a pauta é exclusiva e deve ser preservada, ainda que seja um tema indigesto para a corporação. Pelo menos sempre foi assim.
Um outra pergunta. A Petrobras aboliu a prática de dar entrevista ou informação exclusiva para algum jornalista ou colunista, outra rotina nas relações entre fontes e jornalistas? Ela vai publicar as exclusivas antes ou depois da entrevista? Como diz Cláudio Weber Abramo, "o princípio deveria ser o mesmo – se a ideia é comunicar-se com o público sem a intermediação dos veículos de comunicação, então essas notícias `plantadas´ precisariam também ser divulgadas no blog da empresa assim que formuladas por sua assessoria de imprensa" (ver "Quando a fonte abre o jogo").
Sem dúvida, a ideia do blog pode ter sido uma boa sacada para enfrentar a arrogância da imprensa e para preservar a fidelidade às informações fornecidas aos jornalistas. O único perigo é associar a criação do blog, legítima e oportuna, à defesa de temas relacionados com a CPI. Pode passar a ideia de que a Petrobras quer apenas se defender dos ataques por conta das investigações. E mais: se o blog nasceu em função CPI, o seu tempo de vida útil é só enquanto durar a Comissão?
Como fica o consumidor ou leitor
Permeou bastante nessa discussão o direito da Petrobras publicar quando e onde quiser as informações que lhe dizem respeito. Tudo bem. Vamos refletir sobre isso. Um acionista da Petrobras, aqui e no exterior, gostaria de saber notícias da empresa unicamente por uma única fonte, ou seja, a própria Petrobras? Certamente não. A imprensa – num conceito elástico que incluiria qualquer tipo de publicação – tem um papel importante na fiscalização e acompanhamento do poder público. Isso inclui empresas de comunicação, jornalistas autônomos, blogueiros e comentaristas de todos os matizes, que fazem parte dessa teia. É extremamente salutar para a sociedade que as instituições e governos sejam acompanhados por opiniões diversificadas, não importando se a grande mídia ou as redes sociais.
A Petrobras não pode pretender ser a única fonte das próprias notícias. Até pelos múltiplos interesses em que está envolvida. Tem todo o direito de editar e responder como bem entende, mas os consumidores e acionistas precisam também ter o contraponto, que só pode vir de outras fontes. O problema está em que os jornalistas das redações transformaram a notícia em debate, criando um antagonismo entre a versão e a pauta, uma brigando com a outra. De tanto distorcer, acabaram com a boca torta. Agora reclamam. Essa reação, por mais polêmica que seja, resulta de anos de arrogância e edição de reportagens com o objetivo mais de emplacar a primeira página do que informar. Afrouxaram os controles, permitiu-se um tipo de jornalismo investigativo que beira, em muitos casos, a apuração policial, dando pouca margem ao contraditório.
Mas um blog não vai resolver esse impasse. Ao se admitir que um blog resolveria por si só o dilema da transparência das organizações, alguém acreditaria que o Congresso Nacional divulgaria no seu blog todos os contratos de "fantasmas" que assinou nos últimos anos, incluindo os secretos, que contratam neto de Senador ou esposas de parlamentares? Será que esse blog publicaria todos os gastos com passagens, incluindo roteiros, de suas excelências, tudo pago com o dinheiro público, ainda que pautado por jornalistas? Claro que não. Esse é um papel que cabe a outras forças da sociedade, como a imprensa, as redes sociais, as universidades, agências independentes, ONGs e tantas outras surgidas nos últimos anos.
Embora a idéia do blog seja um avanço nas relações entre fonte e imprensa, para ser transparente, existem também outros mecanismos. Por que não utilizar o site da instituição? É o endereço natural para quem deseja saber o que acontece na organização. O problema é que os sites estão mais voltados hoje para fazer pirotecnia mercadológica do que em esclarecer e informar. Basta dar uma olhada nos sites das telefônicas. Em resumo, mesmo com o compromisso da transparência, não há nenhuma garantia para a sociedade de que a simples criação de um blog vai torná-la mais transparente.
Por que a grande mídia esperneou?
A grande mídia está numa encruzilhada. Nos países desenvolvidos, jornais e revistas perdem receita e leitores. Os jornais lutam com dificuldades para manter o padrão do jornalismo de 30 anos atrás, pelo menos. Reduziram os quadros e caiu a qualidade. Ao mesmo tempo, a "revolução das fontes", faz cada vez mais o jornalismo se auto-referenciar. A mídia, mesmo nos portais da internet, se repete e as coberturas são pasteurizadas e comoditizadas. As diferenças são muito pequenas. Com isso, a concorrência da internet, principalmente de sites e blogs independentes, conduzidos por jornalistas experientes e consagrados, é uma ameaça real ao futuro da mídia tradicional.
Além disso, no Brasil, principalmente após o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, a imprensa arvorou-se em promotor, juiz e algoz. Valendo-se do denuncismo fácil, até os órgãos fiscalizadores embarcaram nesse jornalismo de vazamentos. Deu no que deu. Os grandes jornais e revistas passaram a pautar o Congresso, CPIs, Polícia Federal, TCU e outros órgãos de fiscalização. Ou seja, pautam o país. Documentos incompletos ou ainda em apuração vazam com a mesma velocidade com que somem da mídia, diante das evasivas, inconsistências ou explicações dos envolvidos.
Quando a imprensa reclama de "quebra de confidencialidade", certamente isso só vale quando ela prova do próprio veneno. Apenas um exemplo. A quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico nas CPIs, significa transferir essas informações sigilosas às Comissões. Elas não podem, portanto, ser vazadas. O sigilo é transferido, não aberto. O que fazem os jornalistas, auxiliados por fontes inescrupulosas e que gostam de fazer média com a mídia? Expõem todos os dados confidenciais de qualquer pessoa, sem qualquer escrúpulo, assim como gravações, muitas vezes integrantes de processos que correm em sigilo. Criou-se o jornalismo do menor esforço, a indústria do dossiê.
Durante a CPI dos Correios, em 2005 e 2006, foram produzidas manchetes infladas por fontes interessadas, que acabavam murchando no dia seguinte, porque as reportagens não tinham qualquer sustentação técnica ou comprovação em documentos ou fatos. Eram rapidamente desmontadas pelas fontes. Elas simplesmente saíam da cabeça do jornalista, pautado por políticos, empresários, desafetos, concorrentes, candidatos a cargos no governo, com factóides que não duravam 24 horas. Revistas semanais disputavam uma verdadeira gincana para ver quem dava o furo da semana. Resultado, apareciam matérias surrealistas, com erros de apuração e sem qualquer fundamentação. Mas, e daí? A sociedade seria melhor sem essa imprensa, ainda que com imperfeições e interesses? Ninguém acredita.
Malgrado todos esses defeitos, a grande imprensa continua sendo o principal meio de informação da sociedade. É óbvio que o leitor, telespectador, ouvinte quer saber o que acontece no país pela imprensa. É onde se digladiam as diversas forças que compõem a sociedade. E não pelos blogs ou jornais internos. É só fazer uma pesquisa. Em que você acredita mais? Nas informações publicadas pela Petrobras ou nas notícias divulgadas sobre ela na imprensa? A resposta é óbvia. Nenhuma empresa, mesmo na iniciativa privada, por mais transparente que seja, vai esquentar informações para se questionar, levantando mazelas, suspeitas, questionando atos de gestão ou denunciando funcionários. São assuntos internos conduzidos pelas auditorias, sempre em segredo.
Posto isto, o papel da imprensa como ombudsman da sociedade continua intocável e inatacável. Os modos de fazer é que estão mudando. Os grandes furos de reportagem estão acabando, porque qualquer pessoa pode ser um editor de informação. Ninguém quer tirar o poder de edição da imprensa. Foi a força da internet e das redes sociais que tirou. Quem deu a notícia do atentado na Universidade Virgina Tech, nos EUA, em 2007, foram os alunos por meio de torpedos enviados aos pais, amigos e parentes. A mídia só chegou depois. Na Alemanha, em maio, um candidato ficou sabendo do resultado da eleição pelo twitter, antes de ser publicado o resultado oficial.
A imprensa continua ainda a ser o vetor natural de informações sobre o que acontece na sociedade. O problema de um blog em nome da empresa, feito sob o viés do pensamento único e da autoproteção, é que nem sempre ele conta tudo. No caso do Fatos e Dados, até mesmo as centenas de comentários recebidos podem ser uma ameaça à credibilidade. Internautas que enviaram críticas ou sugestões de temas para apuração na CPI se queixam de que os comentários foram expurgados e não apareceram. Se é verdade, aí a coisa se complica. Blog no ar implica riscos, ou seja, receber comentários favoráveis ou desfavoráveis. Desde que não sejam ofensivos, desrespeitosos, devem todos ser postados. Se transparência é um propósito, vale em todos os sentidos. Como diz o professor Carlos Chaparro, "no blog, a empresa se expõe, inclusive em suas fragilidades. Uma delas, a de só dizer o que lhe convém, fazendo propaganda e não jornalismo".
BLOG DA PETROBRÁSUm susto na grande imprensa
Por João José Forni em 16/6/2009
Reproduzido do blog do autor; 12/6/2009; título original "Blog dá um susto na grande imprensa"
Muito se fala sobre blog da Petrobras criado para responder a perguntas enviadas pela imprensa e defender-se de pautas negativas, por conta da CPI no Congresso. O Fatos e Dados foi lançado no início de junho para "manter um canal de comunicação rápida e direta com o público, dedicado a apresentar fatos e dados recentes da Petrobras, o posicionamento da empresa sobre as questões relativas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e esclarecimentos solicitados pela imprensa".
A grande polêmica gerada pelo blog decorre da iniciativa da Petrobras publicar as pautas (perguntas) dos jornalistas, com as respostas da empresa, antes da publicação da matéria. Para a grande imprensa e jornalistas de redação, essa iniciativa estaria ferindo o princípio da exclusividade. Para advogados e professores de comunicação, embora não seja ilegal, a iniciativa pode ser incorreta e até autoritária. Segundo a Petrobras, a publicação visa dar transparência ao seu relacionamento com a imprensa.
Nem tanto ao céu, nem tanto a terra. Trata-se de um bom case de comunicação. Essa provocação à grande mídia, se aparenta uma ousadia, desafia a empresa a ser mais transparente e enfrentar uma pressão maior da imprensa. Não há dúvida de que estamos em outros tempos. Os blogs e demais redes sociais representam um avanço em relação ao atraso da imprensa tradicional. Por isso chega a ser patética, para não dizer ridícula, a manchete da Folha de S.Paulo do dia 2 de junho: "Avião com 228 a bordo some no mar no trajeto Rio-Paris". Qualquer criança no uso da razão já conhecia essa notícia um dia antes da manchete.
Mas voltemos à polêmica. Nos primeiros dias o centro das críticas foi a iniciativa da Petrobras de antecipar no blog as respostas de pautas, mesmo as exclusivas. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) reagiu, pela "prática contrária aos princípios universais da liberdade de imprensa". A grande imprensa acusou a Petrobras de atentar contra a ética, por adiantar no blog temas exclusivos do jornalista. É verdade que a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) considerou legítima a iniciativa, em nota de conteúdo mais político do que técnico. Jornalistas se dividiram em críticas e elogios à tentativa ousada de intimidar ou de enfrentar o poder da imprensa. Nada mais do que o jus sperneandi.
Diante da escorregada da Petrobras, em querer reinventar o jornalismo, publicando antecipadamente as perguntas e respostas das pautas, até mesmo exclusivas, houve pressão para que a empresa voltasse atrás. Isso aconteceu em 10 de junho, quando o blog admitiu que "dará publicidade ao conjunto de perguntas e respostas (...) a partir da zero hora do dia em que está prevista a publicação da reportagem". Daria assim tempo de os veículos de comunicação trabalharem o tema antes da divulgação pelo blog.
Apesar do recuo, a logística burocrática para controlar essa divulgação deverá ser tão complicada, que até mesmo para a Petrobras, com 1.150 funcionários na área de comunicação, não será fácil. A questão suscitada por alguns órgãos de imprensa é a Petrobras querer determinar quando a matéria deverá sair, decisão, naturalmente, que só compete ao veículo. Como se sabe, muitas vezes uma matéria programada para sair amanhã, cai na hora do fechamento, por conta de outras mais importantes que entram na última hora. E aí? Como ajustar quem publica o quê?
A Petrobras tem apregoado nas suas justificativas o compromisso de publicar os esclarecimentos com o máximo de transparência. Depende. As fontes oficiais gostam muito dessa palavra. Aliás, transparência é uma das palavras mais ouvidas e usadas em Brasília. Mas, em contraposição, é a que menos se pratica. A resposta da Petrobras sempre vai representar o viés da empresa. Mas é importante que a opinião pública, incluídos funcionários, acionistas, clientes, fornecedores, investidores internacionais e tantos outros conheçam a explicação que ela deu à imprensa.
O fim do furo
A Petrobras, desde o início da polêmica, descartou que a publicação das perguntas dos jornalistas caracterizasse quebra do sigilo, por considerar que as informações prestadas pertencem à empresa. Esse argumento não resistiu, pela completa insensatez. A Petrobras diz que não há quebra de sigilo, porque "a relação entre a Petrobras e os veículos de comunicação que a interpelam é essencialmente pública (...) Tanto as respostas da Petrobras são públicas quanto as perguntas dos repórteres também o são, ou deveriam ser".
Outra polêmica suscitada. As perguntas de um repórter não são públicas, até o momento em que ele as publiciza, ao divulgar a reportagem. A não ser que a Petrobras esteja decretando o fim do furo e da exclusividade, um diferencial que continua sendo perseguido por todos os jornalistas em qualquer lugar do planeta. Na relação entre imprensa e fonte, o problema não é de confidencialidade, como também alegaram alguns editoriais da grande imprensa. Existe, apenas um acordo tácito de confiança de que a pauta é exclusiva e deve ser preservada, ainda que seja um tema indigesto para a corporação. Pelo menos sempre foi assim.
Um outra pergunta. A Petrobras aboliu a prática de dar entrevista ou informação exclusiva para algum jornalista ou colunista, outra rotina nas relações entre fontes e jornalistas? Ela vai publicar as exclusivas antes ou depois da entrevista? Como diz Cláudio Weber Abramo, "o princípio deveria ser o mesmo – se a ideia é comunicar-se com o público sem a intermediação dos veículos de comunicação, então essas notícias `plantadas´ precisariam também ser divulgadas no blog da empresa assim que formuladas por sua assessoria de imprensa" (ver "Quando a fonte abre o jogo").
Sem dúvida, a ideia do blog pode ter sido uma boa sacada para enfrentar a arrogância da imprensa e para preservar a fidelidade às informações fornecidas aos jornalistas. O único perigo é associar a criação do blog, legítima e oportuna, à defesa de temas relacionados com a CPI. Pode passar a ideia de que a Petrobras quer apenas se defender dos ataques por conta das investigações. E mais: se o blog nasceu em função CPI, o seu tempo de vida útil é só enquanto durar a Comissão?
Como fica o consumidor ou leitor
Permeou bastante nessa discussão o direito da Petrobras publicar quando e onde quiser as informações que lhe dizem respeito. Tudo bem. Vamos refletir sobre isso. Um acionista da Petrobras, aqui e no exterior, gostaria de saber notícias da empresa unicamente por uma única fonte, ou seja, a própria Petrobras? Certamente não. A imprensa – num conceito elástico que incluiria qualquer tipo de publicação – tem um papel importante na fiscalização e acompanhamento do poder público. Isso inclui empresas de comunicação, jornalistas autônomos, blogueiros e comentaristas de todos os matizes, que fazem parte dessa teia. É extremamente salutar para a sociedade que as instituições e governos sejam acompanhados por opiniões diversificadas, não importando se a grande mídia ou as redes sociais.
A Petrobras não pode pretender ser a única fonte das próprias notícias. Até pelos múltiplos interesses em que está envolvida. Tem todo o direito de editar e responder como bem entende, mas os consumidores e acionistas precisam também ter o contraponto, que só pode vir de outras fontes. O problema está em que os jornalistas das redações transformaram a notícia em debate, criando um antagonismo entre a versão e a pauta, uma brigando com a outra. De tanto distorcer, acabaram com a boca torta. Agora reclamam. Essa reação, por mais polêmica que seja, resulta de anos de arrogância e edição de reportagens com o objetivo mais de emplacar a primeira página do que informar. Afrouxaram os controles, permitiu-se um tipo de jornalismo investigativo que beira, em muitos casos, a apuração policial, dando pouca margem ao contraditório.
Mas um blog não vai resolver esse impasse. Ao se admitir que um blog resolveria por si só o dilema da transparência das organizações, alguém acreditaria que o Congresso Nacional divulgaria no seu blog todos os contratos de "fantasmas" que assinou nos últimos anos, incluindo os secretos, que contratam neto de Senador ou esposas de parlamentares? Será que esse blog publicaria todos os gastos com passagens, incluindo roteiros, de suas excelências, tudo pago com o dinheiro público, ainda que pautado por jornalistas? Claro que não. Esse é um papel que cabe a outras forças da sociedade, como a imprensa, as redes sociais, as universidades, agências independentes, ONGs e tantas outras surgidas nos últimos anos.
Embora a idéia do blog seja um avanço nas relações entre fonte e imprensa, para ser transparente, existem também outros mecanismos. Por que não utilizar o site da instituição? É o endereço natural para quem deseja saber o que acontece na organização. O problema é que os sites estão mais voltados hoje para fazer pirotecnia mercadológica do que em esclarecer e informar. Basta dar uma olhada nos sites das telefônicas. Em resumo, mesmo com o compromisso da transparência, não há nenhuma garantia para a sociedade de que a simples criação de um blog vai torná-la mais transparente.
Por que a grande mídia esperneou?
A grande mídia está numa encruzilhada. Nos países desenvolvidos, jornais e revistas perdem receita e leitores. Os jornais lutam com dificuldades para manter o padrão do jornalismo de 30 anos atrás, pelo menos. Reduziram os quadros e caiu a qualidade. Ao mesmo tempo, a "revolução das fontes", faz cada vez mais o jornalismo se auto-referenciar. A mídia, mesmo nos portais da internet, se repete e as coberturas são pasteurizadas e comoditizadas. As diferenças são muito pequenas. Com isso, a concorrência da internet, principalmente de sites e blogs independentes, conduzidos por jornalistas experientes e consagrados, é uma ameaça real ao futuro da mídia tradicional.
Além disso, no Brasil, principalmente após o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, a imprensa arvorou-se em promotor, juiz e algoz. Valendo-se do denuncismo fácil, até os órgãos fiscalizadores embarcaram nesse jornalismo de vazamentos. Deu no que deu. Os grandes jornais e revistas passaram a pautar o Congresso, CPIs, Polícia Federal, TCU e outros órgãos de fiscalização. Ou seja, pautam o país. Documentos incompletos ou ainda em apuração vazam com a mesma velocidade com que somem da mídia, diante das evasivas, inconsistências ou explicações dos envolvidos.
Quando a imprensa reclama de "quebra de confidencialidade", certamente isso só vale quando ela prova do próprio veneno. Apenas um exemplo. A quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico nas CPIs, significa transferir essas informações sigilosas às Comissões. Elas não podem, portanto, ser vazadas. O sigilo é transferido, não aberto. O que fazem os jornalistas, auxiliados por fontes inescrupulosas e que gostam de fazer média com a mídia? Expõem todos os dados confidenciais de qualquer pessoa, sem qualquer escrúpulo, assim como gravações, muitas vezes integrantes de processos que correm em sigilo. Criou-se o jornalismo do menor esforço, a indústria do dossiê.
Durante a CPI dos Correios, em 2005 e 2006, foram produzidas manchetes infladas por fontes interessadas, que acabavam murchando no dia seguinte, porque as reportagens não tinham qualquer sustentação técnica ou comprovação em documentos ou fatos. Eram rapidamente desmontadas pelas fontes. Elas simplesmente saíam da cabeça do jornalista, pautado por políticos, empresários, desafetos, concorrentes, candidatos a cargos no governo, com factóides que não duravam 24 horas. Revistas semanais disputavam uma verdadeira gincana para ver quem dava o furo da semana. Resultado, apareciam matérias surrealistas, com erros de apuração e sem qualquer fundamentação. Mas, e daí? A sociedade seria melhor sem essa imprensa, ainda que com imperfeições e interesses? Ninguém acredita.
Malgrado todos esses defeitos, a grande imprensa continua sendo o principal meio de informação da sociedade. É óbvio que o leitor, telespectador, ouvinte quer saber o que acontece no país pela imprensa. É onde se digladiam as diversas forças que compõem a sociedade. E não pelos blogs ou jornais internos. É só fazer uma pesquisa. Em que você acredita mais? Nas informações publicadas pela Petrobras ou nas notícias divulgadas sobre ela na imprensa? A resposta é óbvia. Nenhuma empresa, mesmo na iniciativa privada, por mais transparente que seja, vai esquentar informações para se questionar, levantando mazelas, suspeitas, questionando atos de gestão ou denunciando funcionários. São assuntos internos conduzidos pelas auditorias, sempre em segredo.
Posto isto, o papel da imprensa como ombudsman da sociedade continua intocável e inatacável. Os modos de fazer é que estão mudando. Os grandes furos de reportagem estão acabando, porque qualquer pessoa pode ser um editor de informação. Ninguém quer tirar o poder de edição da imprensa. Foi a força da internet e das redes sociais que tirou. Quem deu a notícia do atentado na Universidade Virgina Tech, nos EUA, em 2007, foram os alunos por meio de torpedos enviados aos pais, amigos e parentes. A mídia só chegou depois. Na Alemanha, em maio, um candidato ficou sabendo do resultado da eleição pelo twitter, antes de ser publicado o resultado oficial.
A imprensa continua ainda a ser o vetor natural de informações sobre o que acontece na sociedade. O problema de um blog em nome da empresa, feito sob o viés do pensamento único e da autoproteção, é que nem sempre ele conta tudo. No caso do Fatos e Dados, até mesmo as centenas de comentários recebidos podem ser uma ameaça à credibilidade. Internautas que enviaram críticas ou sugestões de temas para apuração na CPI se queixam de que os comentários foram expurgados e não apareceram. Se é verdade, aí a coisa se complica. Blog no ar implica riscos, ou seja, receber comentários favoráveis ou desfavoráveis. Desde que não sejam ofensivos, desrespeitosos, devem todos ser postados. Se transparência é um propósito, vale em todos os sentidos. Como diz o professor Carlos Chaparro, "no blog, a empresa se expõe, inclusive em suas fragilidades. Uma delas, a de só dizer o que lhe convém, fazendo propaganda e não jornalismo".

extraído do site Observatório da Imprensa", no endereço http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=542JDB001, em 08/10/09