CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO


CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO



Mantemos a recomendação do vídeo de Jean-Luc Godard, com sua reflexão sobre a cultura européia-ocidental, enquanto a agressão injusta à Nação Líbia perdurar.




Como contraponto à defesa de civis pelos americanos, alardeada em quase todas as recentes guerras de agressão que promovem, recomendamos o vídeo abaixo, obtido pelo Wikileaks e descriptografado pela Agência Reuters

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

"Invasão de terras é mais regra do que exceção", entrevista de Erminia Maricato para o blog do Dirceu

O alerta é da urbanista Erminia Maricato em seu diagnóstico sobre as cidades brasileiras. Uma das idealizadoras do Ministério das Cidades, ela traça um panorama da política habitacional no país e avalia o Minha Casa, Minha Vida.
Invasão de terras é mais regra do que exceção O alerta é dado pela arquiteta e urbanista Erminia Maricato, dona de vasta experiência em políticas públicas - urbanas, habitacionais e fundiárias - e na área de planejamento urbano. Segundo ela, "se falarmos em favelas - área invadida - não tem nenhum grupo de esquerda, nem partido comandando essa gigantesca invasão que ocupa praticamente ¼ - entre 20% a 25% dos domicílios das principais metrópoles brasileiras.
"Professora há 35 anos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Ermínia é uma da criadoras do LABHAB - Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU-USP (1997) e quem formulou a proposta de criação do Ministério das Cidades, do qual foi ministra-adjunta na maior parte da primeira gestão Lula (2003-2005).
Nesta entrevista, Ermínia avalia positivamente - mas não sem ressalvas - o programa federal Minha Casa, Minha Vida e traça um histórico sobre a política habitacional e de saneamento público no país.
Militante por uma cidade mais justa e humana, alerta para a necessidade da retomada da discussão (e luta) anticapitalista, e mostra como o processo de exclusão social expressa-se nas cidades brasileiras.Segundo Erminia o problema é gerado pela "valorização fundiária, a especulação, (e pelo fato) da nossa elite não conseguir conviver com os pobres. Há regra de fogo de exclusão e de segregação nas cidades brasileiras. É uma coisa centenária e não será um pacote do governo que irá resolver. Isso é uma transformação social, você não resolve a partir do institucional".
Com a experiência de quem passou pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo (1989/1992), Ermínia analisa a situação prncipalmente na capital paulista e denuncia: "o centro expandido da cidade de São Paulo está s e esvaziando. A região de proteção dos mananciais está se adensando. O que nós temos que fazer é mudar essa rota que é uma tragédia. Estamos indo ao encontro do abismo".
[ Zé Dirceu ] Qual sua opinião sobre a situação da habitação no nosso país? Houve avanços no governo Lula e qual o papel do Ministério das Cidades neste processo?
[ Ermínia Maricato ] Um diagnóstico aterrador, totalmente preocupante. Se falarmos em favelas - área invadida - não tem nenhum grupo de esquerda, nem partido comandando essa gigantesca invasão que ocupa praticamente ¼, entre 20% a 25% dos domicílios das principais metrópoles brasileiras. Estou falando de Porto Alegre, Rio de Janeiro (é acima disso), São Paulo (abaixo disso, 12%), Belo Horizonte nessa média. E nos casos de Salvador, Recife, Fortaleza e São Luiz nós temos mais de 50% da população destas cidades morando em favelas: Fortaleza com 34%; Recife, 40%; Salvador com 33%. Enfim, a invasão de terras no Brasil é mais regra do que exceção. A cidade legal é mais exceção do que regra. E a sociedade brasileira insiste em não ver esse fato.Nós tivemos 23 anos sem investimentos na área de habitação e saneamento no Brasil. O regime militar construiu muito, mas privilegiando a classe média. Foram 4 milhões de moradias mais ou menos, no período de vigência do Banco Nacional de Habitação (BNH). Isso criou muito emprego, mas extremamente predatório (para a força de trabalho) e privilegiou a classe média que deu sustentação ao regime militar.Na primeira metade da década de 70, a produção de infra-estrutura econômica sustentou o PIB a mais de 7% ao ano. Já a produção de moradias sustentou o PIB na segunda metade daquela década. Em 1980, houve um corte abrupto no investimento que vem até o governo Lula. Evidente que houve um ou outro investimento, mas foram ridículos por parte do governo federal. A nossa política de saneamento estava entrando em ruínas com a idéia da privatização. Quanto à política de habitação, há listas de ministérios criados e fechados, secretarias que migravam, enfim... O fato é que o atual governo federal retomou a política de saneamento em 2003, com o Projeto Piloto de Investimentos (PPI) de R$ 3 bilhões, novamente retomada em 2005. Quanto à política habitacional, foi praticamente desenhada uma nova. Os investimentos começam em 2004 e crescem sem parar até chegar aos dias atuais. Portanto, o governo Lula começou essa retomada logo no início da primeira gestão. Estamos criando verdadeiras catacumbasQual o principal problema nisso tudo? 90% do déficit estão localizados entre 0 e 3 salários mínimos e até o lançamento do Minha Casa, Minha Vida, o subsídio do governo federal era pequeno. Agora (com o Minha Casa, Minha Vida) é que ele ganha alguma expressão, mas ainda é pouco para o enfrentamento do tamanho do problema.Primeiro, porque a solução depende de um projeto federativo, ou seja, não é uma coisa que o governo federal possa solucionar. E depende muito de grandes mudanças que estão no que eu chamo de “essência da alma brasileira”, que é a questão fundiária urbana.Agora nas favelas, principalmente Rio e São Paulo, nas mais bem localizadas que estão em bairros melhor servidos, elas estão na quarta ou quinta laje. Esse adensamento está trazendo problemas gravíssimos que impactam muito a saúde, por exemplo, as doenças respiratórias. Estamos criando verdadeiras catacumbas - um quarto fica no térreo, cercado de construção por todos os lados e com quatro lajes em cima! Isso gera uma insalubridade muito grande.
[ Zé Dirceu ] Qual o impacto do Minha Vida, Minha Casa no enfrentamento desses problemas? Há muitas críticas em relação à ausência de um planejamento urbanístico e os riscos na questão fundiária - apesar de o projeto aumentar o emprego, reativar a indústria da construção, atender uma certa demanda. Como você está vendo esse programa?
[ Ermínia Maricato ] As críticas são por aí. Para criar emprego ele terá algum impacto. Infelizmente, o projeto não fala qual o emprego que será criado, porque a indústria da construção trata o trabalhador como besta de carga. Nem os instrumentos básicos mereceram um design que alivie o trabalho. É uma indústria (da construção civil) que sacrifica demais o trabalhador, mas cria muito emprego porque ela tem demanda para frente e para trás. Ou seja, tem uma cadeia: demanda minério, cerâmica, areia, cimento, ferro etc.; e para frente todo mundo que adquire uma casa própria compra eletrodomésticos, mobiliário.A partir de 1980, com a queda do crescimento econômico, nós passamos vinte tantos anos com um crescimento (na construção) pífio. O desemprego aumentou e o país atingiu um padrão de violência que não conhecíamos antes dos anos 80. Hoje, ele está instalado e a violência tem muito a ver com emprego. Se olharmos os gráficos, vemos que o desemprego não é o único fator, mas estudando a cidade e a condição hoje da juventude (a falta de perspectiva desta) percebemos que isso contribui, na medida em que essa juventude fica exilada nos bairros de periferia, inclusive porque não tem transporte público. E o transporte piorou nas décadas perdidas. Veja, no transporte, perdemos 1/3 dos pagantes, enquanto a população aumentava.A realidade é que as periferias são as que mais crescem e todas as áreas centrais das grandes cidades brasileiras estão perdendo população. Aqui em São Paulo, você perde população na área do rodízio (no centro expandido) e ganha população nas áreas de proteção dos mananciais, no pé da Serra da Cantareira - uma situação crítica do ponto de vista da irracionalidade urbana. Neste período, nós tivemos um recuo nas políticas públicas, um aumento do desemprego e a emergência de uma violência que não conhecíamos. Se esse programa Minha Casa Minha Vida contiver o aumento do desemprego, não será pouca coisa. Porém, ele não é um programa voltado para a questão urbana e quanto à questão do déficit habitacional, ele também deixa a desejar.Por isso, ele mereceu muitas críticas dos urbanistas. Agora, uma das questões que eu tenho dito é que durante a ditadura o governo federal para passar o investimento de habitação, cobrava a existência do plano diretor. Isso não fez a menor diferença nas políticas urbanas porque infelizmente, nós estamos constatando – até porque o governo federal fez uma campanha sobre os planos diretores em 2005 – que nem plano, nem lei resolve o problema urbano.Há uma regra de fogo de segregação nas cidades brasileirasNão é porque você pode eleger prefeito bem intencionado, ter planos e leis que se resolverá o problema fundiário no Brasil. O problema é da valorização fundiária, da especulação, da nossa elite não conseguir conviver com os pobres. Há regra de fogo de exclusão e de segregação nas cidades brasileiras. É uma coisa centenária e não será um pacote do governo que irá resolver. Isso é uma transformação social, você não resolve a partir do institucional. E por que eu digo isso? Porque nós temos uma das leis mais avançadas do mundo que é o Estatuto das Cidades, festejada no mundo inteiro! Ela é de 2001 e nós não conseguimos aplicá-la. Está na retórica. Pegue os planos diretores... Eles não a aplicam. Nós estamos vendo isso no Brasil inteiro e há um recrudescimento do impacto da segregação, do preconceito e da desigualdade sobre o uso do solo urbano.O uso do solo urbano é uma limitação muito forte, porque na medida em que uma casa é bem localizada, ela tem um valor de localização. O Celso Furtado sempre falou que você tem uma desigualdade, um preconceito que se expressa totalmente nas cidades, porque pobre desvaloriza. É uma tradição perversa. Não é falta nem de plano, nem de lei. E agora não é falta (em parte) de financiamento.
[ Zé Dirceu ] É de estrutura de distribuição de renda da sociedade.
[ Ermínia Maricato ] É de distribuição de renda e também de não aplicação da lei que é extremamente arbitrária. Se eu pegar os loteamentos fechados, eles são ilegais, porque a lei federal 6766 não admite que você privatize ruas ou áreas coletivas. No entanto, juízes, promotores públicos moram em loteamentos fechados. A aplicação da lei no Brasil – especificamente a legislação urbanística – é totalmente arbitrária e a lógica é a de classe. Os exemplos passam dos milhares.
[ Zé Dirceu ] E os condomínios e loteamentos?
[ Ermínia Maricato ] Condomínio é legal, pode ser fechado. O que não pode é o loteamento. O condomínio não é o parcelamento da terra, mas a construção junto com a terra. O que percebemos é que o judiciário conhece muito pouco de lei urbanística no Brasil.
[ Zé Dirceu ] Existe vara especializada?
[ Ermínia Maricato ] Não. E agora temos o Estatuto da Cidade que é muito desconhecido ainda. Eu dou aula em cursos de especialização em direito ambiental, e certa feita uma aluna comentou “mas sete anos é muito pouco tempo para uma lei ser conhecida”. Quem sabe é isso...Realmente, o que estamos pensando aqui é que a maior parte das habitações em interesse social será construída, infelizmente, em áreas baratas. Já que não aplicamos o Estatuto das Cidades, não temos terras dentro das cidades.
[ Zé Dirceu ] Mas vai melhorar a infra-estrutura.
[ Ermínia Maricato ] Sim, mas a periferia que está vigorando, eu desconfio que ficará com a classe média do pacote, pelo que vejo nos projetos das empreiteiras.
[ Zé Dirceu ] Onde melhorou em saúde, saneamento e habitação, os lotes serão cedidos pelas prefeituras em casas de valor superior, para 1 a 3 salários mínimos.
[ Ermínia Maricato ] Quando a prefeitura ceder, eu acho que irá exigir a moradia de interesse social. Quando ela não ceder, não tem jeito, não vai pegar a população de baixa renda. Esse é o problema, porque o pacote tem 400 mil unidades destinadas à população de 0 a 3 salários, onde estão 90% do déficit. Eu vejo o dedo das construtoras e empresas – o que não foi muito feliz – quando o pacote se estende de 6 a 10 salários mínimos. Nessa faixa, temos 2.4% do déficit. Por que isso está no pacote? 50% está de 0 a 3 e 25% está na faixa de 6 a 10 SM.Eu defendo que isso esteja fora do pacote porque o mercado privado brasileiro que é um capitalismo sui generis atinge menos de 20% da população no país. Imagine nós ficarmos 20 anos com mercado construindo para 20% da população e sem política pública. Para ele (esse mercado de 20%) o Minha Casa Minha Vida tem aqui, entre 6 e 10 salários, 300 mil (habitações). Isso não precisava estar dentro do pacote! Por que o capitalismo brasileiro não cuida de chegar na classe média? Porque 10 SM é...Estou falando de 6 a 10 para 2.4% do déficit! Isso (esse segmento) deveria ter recurso privado e construção privada. Não era o caso de conceder-lhes recursos do FGTS, terem acesso aos seguros e juros menores e os incentivos que estão no texto do pacote.
[ Zé Dirceu ] As pessoas estão tirando carta de crédito rapidamente para comprar apartamentos de 500 mil reais.
[ Ermínia Maricato ] Eu considero isso escandaloso no Brasil. Essa é uma decisão do conselho curador do FGTS que contraria uma decisão de quando estávamos no Ministério. Se estivéssemos no Conselho Curador nós teríamos brigado muito. Duvido que uma parte do governo teria votado nessa resolução que é absurda. Você pegar um dinheiro barato que não é do governo, é do trabalhador.Até, pelo menos, quando eu estava no governo federal, o que nós demonstramos no Conselho Curador é que a aplicação do FGTS era concentradora de renda, porque a maior parte dos recursos durante os governos anteriores foi aplicada acima dos 5 SM. O que fizemos foi uma inversão, estabelecemos que os subsídios só iriam para os que ganham abaixo dos 5 SM.Como um funcionário daUSP mora em favela?
[ Zé Dirceu ] O problema são os juros. Há maneiras de você até 5 SM financiar uma casa e o governo pagar os juros - não é equalizar, mas pagar o juros. Neste caso ficam suspensas as primeiras prestações só para até 3 SM. Mora sem pagar, até construir o que leva de 18 a 24 meses.
[ Ermínia Maricato ] Você tem lei demais na sociedade brasileira, regra demais e ao mesmo tempo uma ilegalidade gigantesca. O que é regulado você tem uma burocracia infernal. O que não impede a ilegalidade. Foi um erro ter ampliado tanto as faixas de renda contempladas pelo Minha Casa Minha Vida. E também, o capitalismo brasileiro tem que virar capitalismo. Os bancos tem que emprestar para o mercado imobiliário chegar na classe média. Como um funcionário da USP mora em favela? O sujeito tem emprego e garantia de emprego? Eles não conseguem fazer uma casa.
[ Zé Dirceu ] Não empresta, mesmo com a possibilidade de tomar o imóvel e agora isso é rápido. Mas nem com isso emprestam.
[ Ermínia Maricato ] Essa é uma questão estrutural do capitalismo brasileiro. E vai continuar enquanto você tiver um mercado tão concentrado que produz o produto de luxo. Agora, o mercado está tentando há três anos caminhar para a classe média, mas até agora foi o produto de luxo.
[ Zé Dirceu ] Como você analisa a resistência inicial do governo Serra em aderir ao programa?[ Ermínia Maricato ] O Kassab vai participar. O CDHU tem muito dinheiro.[ Zé Dirceu ] Eu fui relator disso na Constituinte, nós apoiamos.[ Ermínia Maricato ] Eu não consigo entender porque o Estado de São Paulo, as metrópoles paulistas tem uma condição tão ruim. O litoral inteirinho. O estado aplica 1% do ICMS em habitação há muitos anos.
[ Zé Dirceu ] Você acha que os prefeitos tem condições para fazer a infraestrutura? Quem vai fazer a infraestrutura nos terrenos? A construtora ou o prefeito?
[ Ermínia Maricato ] Tem financiamento para as construtoras, mas eu acho que habitação de interesse social e o terreno vão ficar com as prefeituras.
[ Zé Dirceu ] Ela terá que fazer luz, sarjeta...
[ Ermínia Maricato ] Basicamente terá que fazer o sistema viário, água e esgoto e iluminação (energia), parte disso é trabalho das concessionárias. É provável que aconteça o seguinte: se você conseguir os terrenos melhor localizados, a infraestrutura é barata. Se você for para fora da cidade terá que levá-la (infraestrutura urbana) até lá.
[ Zé Dirceu ] Uma cidade de 50 mil habitantes vai fazer 200 casas. Se distribuir pelo Brasil todo Osasco vai fazer mil casas, duas mil. Se somar 200 cidades e colocar 500 em cada uma já deu 1 milhão.
[ Ermínia Maricato ] O programa prevê um impacto de redução de 14% do déficit habitacional. Realmente, não vai impactar principalmente o déficit de baixa renda.Cidades médias: “eu serei você amanhã”
[ Zé Dirceu ] Você acha que as cidades médias brasileiras estão se diferenciando das grandes cidades?
[ Ermínia Maricato ] Eu costumo fazer a piada de “eu serei você amanhã”. Não. Eu fui a cidades muito pequenas onde você tem o terreno vazio de infra-estrutura. E vejo os mesmos problemas das cidades grandes, os pobres na periferia, longe da cidade, viagens longas, sem saneamento.[ Zé Dirceu ] Não há nas cidades médias uma visão urbanística?
[ Ermínia Maricato ] Não. E mais, mesmo em Curitiba, se você pegar a metrópole é impressionante o que está acontecendo de irregularidade e ilegalidade urbanística. O planejamento de Curitiba também expulsou os pobres. Há varias teses sobre isso.
[ Zé Dirceu ] Diadema começou a verticalizar, a cidade foi melhorando de infraestrutura, transporte, educação e cultura, então subiram os aluguéis e o preço da terra.
[ Ermínia Maricato ] Eu diria que Diadema foi o mais longe na aplicação dos instrumentos urbanísticos. Tem 1/3 da população em favelas, mas levou água, esgoto, gasta 1/3 do orçamento com saúde.
[ Zé Dirceu ] Pensando nos próximos 10 anos a questão do caos urbanos, já com a experiência da década de 80 e depois, quais as medidas a tomar? A idéia que falei de criar um fundo nacional de desenvolvimento urbano, como se fosse um PAC só para cidade e integrar saneamento, habitação, transporte, cultura, educação e lazer, inclusão digital para a juventude, esporte... Se formos pensar com recursos quais seriam as diretrizes principais?
[ Ermínia Maricato ] Depois do incrível impacto de 23 anos sem investimentos no transportes (e a gente continua ainda) a diretriz principal é investir neles. A questão do transporte é a principal hoje, transporte coletivo. E parece insolúvel no mundo inteiro a barbaridade que o automóvel está promovendo nas cidades.Recentemente escrevi: por que todas as cidades estão tendo problemas com automóveis, inclusive as que contam com uma rede espetacular de metrô? Por que todos os governos subsidiam a indústria automobilística? Há pesquisas recentes que mostram que o impacto na vida da gente da poluição do ar é de sete anos a menos, nas cidades mais poluídas. Sem dúvidas, a questão do transporte coletivo – do ponto de vista urbanístico – é a principal.Do ponto de vista social é a juventude. É urgente termos programas para jovens e crianças. Eu fico imaginando como nossas cidades estarão daqui a quinze anos quando esses jovens e essas crianças forem adultos. É diferente da geração que veio do campo. Eles não tem porque lutar, se esforçar. A educação - e não é só no Brasil, tive contatos na Itália e na França – não aparece mais como uma via de crescimento.
[ Zé Dirceu ] No Brasil ainda nos próximos 30 anos vai aparecer. Na Europa é um fato.[ Ermínia Maricato ] Mas aqui atualmente é.
[ Zé Dirceu ] Mas se criarmos 2,5 milhões de empregos por ano abre perspectivas.
[ Ermínia Maricato ] Dá uma melhorada.
[ Zé Dirceu ] Se mudar a política tecnológica...
[ Ermínia Maricato ] Nós tivemos um gap na globalização. A absurda forma como o país se engatou na globalização... Nós tiramos um pouco da agenda a luta anticapitalista. A forma como a globalização impacta o país é tão violenta! Eu discuto isso com muitos colegas atualmente: enquanto nós tivemos muitas vitórias na esfera urbana no Brasil – nós tivemos dois artigos na Constituição (para a questão urbana), conseguimos o Estatuto das Cidades, a criação do Ministério das Cidades, a Lei de Consórcios, toda a legislação. Até o marco regulatório do saneamento que ficamos durante anos no limbo, saiu. Então, você tem o Fundo Nacional da Habitação de Interesse Social. Tem e agora, então, é retomar o investimento em habitação e saneamento. Quando você olha para as cidades, há piora na qualidade de vida, provocada pelo impacto do ajuste fiscal, do desemprego, do recuo das políticas públicas, da precarização da força de trabalho. É isso! Enquanto a gente colocava água de balde, eles tiravam de caminhão pipa! Nós não podemos nos esquecer o quanto o capitalismo tirou do país em juros da dívida, uma coisa monstruosa.
[ Zé Dirceu ] Só de juros entre 2004 a 2008, nós pagamos R$ 600 bilhões de juros da dívida interna. Se os juros fossem a metade, teriam sobrados R$ 300 bilhões para investir.[ Ermínia Maricato ] Quanto é o Bolsa Família?
[ Zé Dirceu ] Vai ser 18 bilhões.
[ Ermínia Maricato ] É uma sangria o que a financeirização fez. E é uma financeirização que não alimenta a produção. Um negócio...Uma lei para os pobres, outra para os ricos.
[ Zé Dirceu ] Você diria que mesmo na regularização fundiária não houve grandes avanços.[ Ermínia Maricato ] Não houve ainda. Mas uma das virtudes deste pacote é mexer nos cartórios. Há coisas imexíveis e outras que dá para mexer. Também os empresários entraram com a possibilidade de regularizar os loteamentos. Nós esperamos que não seja privatizando ruas públicas, mas isso vai depender um pouco... Tudo é possível. Porém oferece uma condição muito importante para uma prefeitura que queira fazer. Por exemplo, terras abandonadas. Se ninguém responder por uma terra que está abandonada ou ocupada você tem um procedimento mais célere. Agora, a regularização fundiária encontra uma resistência! É impressionante como se aplica a lei para pobre e para rico de maneiras diferentes. No campo a questão fundiária é pior ainda, e eu sou muito crítica à medida provisória que o governo fez de regularização da grilagem - é isso o que se fez.O que vejo aqui é uma resistência do judiciário muito grande. Às vezes, uma secretaria de meio ambiente tem condições de regularizar favelas urbanizadas e você está retirando o esgoto do córrego dentro de uma possibilidade que já existe, aprovada pelo CONAMA. No Brasil, parece que pobre não pode morar legalmente. Você tem 2 milhões de pessoas em área de proteção de mananciais.
[ Zé Dirceu ] Eles resistem? Que a favela regularizada trate o esgoto. Continuam tentando removê-la é isso?
[ Ermínia Maricato ] O que existe é uma atitude de “simplesmente não aprova”. E base legal para isso (aprovar) nós já temos. Acho que o programa dá um avanço nisso, porque existe resistência em vários níveis institucionais para você regularizar a favela depois de urbanizada. Enquanto você não regularizar depois de urbanizada, não terá base legal para exercer a fiscalização e aí, a favela vai para a quinta laje. Porque você não consegue exercer o chamado poder de política sobre o uso de ocupação do solo. No Brasil inteiro isso é um problema.O Favela Bairro no Rio de Janeiro levou água e esgoto para 300 mil pessoas. Isso não é banal. Agora não regularizou. Você tem uma imensa dificuldade no Brasil para dar uma condição legal ao uso do solo para os mais pobres.
[ Zé Dirceu ] Você é uma professora universitária titular da USP. Como você vê a contribuição da universidade com relação à cidade, a questão fundiária, de habitação e de transporte e o diálogo com a cidade e com o governo.
[ Ermínia Maricato ] Estou atravessando um período muito crítico em relação a todas as instituições brasileiras. Eu acho que a universidade deixa a desejar. Vejo as multinacionais muito presentes nas áreas de pesquisa na universidade pública, o que me preocupa.Em área que interessaao mercado, a lei se aplica.
[ Zé Dirceu ] É melhor legalizar, separar e institucionalizar de outra forma, como fizeram os chineses e coreanos que encontraram novas maneiras de fazer. A Lei de Inovação começou a tratar disso, mas diante da reação de que a relação entre universidade e empresa poderia gerar privatização, não se fez completamente.
[ Ermínia Maricato ] Em relação a todas as instituições brasileiras, eu me remeto muito ao Sérgio Buarque de Holanda que dizia “nós somos homens de palavras e não de ações”. É uma tradição livresca a nossa, que vem da área do Direito. A realidade é muito desconhecida. Isso na cidade é muito flagrante. Todo mundo acha que as favelas no Rio estão na zona Sul. A maior parte das favelas está na zona Norte do Rio. A pobreza é invisível. Você tem 2 milhões de pessoas em áreas de proteção dos mananciais e às vezes, tem gente que diz “tem que tirar porque está fora da lei”. Ora, as pessoas não estão lá porque são inimigas da lei e do meio ambiente, mas porque não cabem nem no mercado. As políticas públicas não cuidaram disso e por que elas vão para as áreas de proteção dos mananciais? Porque essa não interessa ao mercado. Em área que interessa ao mercado, a lei se aplica. Nas demais, não. Eu costumo dizer que é a lei de mercado e não a norma jurídica que funciona. E o mercado é essa coisinha pequena... Então, você tem problemas estruturais.
[ Zé Dirceu ] Como você está vendo a mídia em relação ao governo Lula?
[ Ermínia Maricato ] É difícil eu falar isso (o que está dizendo no blog) para o órgão de mídia, por exemplo, porque é o tipo de conclusão que exige ação. Eu tenho muito conhecimento empírico sobre o Brasil e quando o junto ao conhecimento teórico, penso “bom, mas a gente tem que dar esperança de que possa resolver”. E o que me incomoda muito é que a mídia tem nos pautado para “você é contra ou a favor do governo Lula?” Então, quando você dá uma entrevista, a complexidade do tema não aparece.As perguntas já são dirigidas. Foi o que eu escrevi em artigo para a Folha. Não estou defendendo o governo, mas dizendo que este problema não cabe ao governo federal resolver. E ao contrário, também estou fazendo crítica. Mas você não consegue e isso está empobrecendo terrivelmente o nosso contexto político. Fica a questão: você é a favor ou contra o governo Lula? Então você não consegue trazer para a mesa questões como “nós temos problemas estruturais que só uma luta de longo prazo resolverá”.A questão fundiária é uma delas. Claro que temos que fazer críticas à prefeitura que quer colocar os pobres fora da cidade. Todos concluem um modelo para a campanha eleitoral. Mas temos que fazer crítica e denunciar sempre. Até existem prefeitos que querem resolver o problema, mas aí enfrentam o patrimonialismo que está na Câmara Municipal, no mercado imobiliário.Temos que retomara luta anticapitalista
[ Zé Dirceu ] Como você vê 2010 e a sucessão do Lula? Há perspectiva de continuidade?
[Ermínia Maricato] Se a minha escolha for entre Serra e Dilma, eu não tenho a menor dúvida. Estou afastada de discussão eleitoral e acho que temos que retomar a luta anticapitalista. Estou muito frustrada com os partidos. A esquerda está num vazio. Há um buraco.É impressionante a falta de crítica em relação à saúde e educação de São Paulo. Ou em Minas (estados governados por tucanos). Foi aprovada pela Câmara Municipal da Capital paulista uma lei de concessão urbanística na cidade de São Paulo que privatiza a desapropriação de imóveis. Eu não sei como isso é possível. Quando você olha o noticiário internacional pensa “bom, o neoliberalismo foi para o espaço”. Porque na hora em que um estado vira sócio de uma montadora, estatiza banco, coisas que há um ano eram impensáveis... O que é que aconteceu?
[ Zé Dirceu ] E como isso se reflete em São Paulo, por exemplo?
[Ermínia Maricato] Nas nossas cidades as questões são impressionantes e ninguém as discute. O centro expandido da cidade de São Paulo está se esvaziando. A região de proteção dos mananciais está se adensando. O que nós temos que fazer é mudar essa rota que é uma tragédia. Estamos indo ao encontro do abismo. Temos que trazer a população de volta para o Centro. Mas qual população? A população sim de baixa renda e renda média que trabalha no Centro! O Centro Velho da cidade oferece 700 mil empregos e 500 mil pessoas moram lá. Vejam que coisa absurda. Se eu fizer a lista do que ele tem de hospitais, escolas, universidades...Agora, ali, você oferece emprego, de pequeno comércio. Pega a rua Santa Efigênia, Centro de São Paulo. Ela é perfeita. Mas, não! Os tucanos gostam mesmo é de shopping center, da grande empresa. Eles falam de pólo tecnológico com a IBM lá na Santa Efigênia. Como? A IBM não é uma produtora de empregos. O pólo da Santa Efigênia é! No pequeno comércio que sustenta Paris – já que todo mundo gosta de olhar para o exterior, como o Celso Furtado dizia “é o mimetismo”, então olhem - ninguém mexe nesse pequeno comércio porque ninguém quer matar a rua. O que é segurança? Segurança é a rua de pequeno comércio, você poder deixar a chave da sua casa com o padeiro para o seu filho.Aqui (São Paulo) o que eles fazem agora? A desapropriação pode ser feita pelo capital imobiliário. E o que teremos lá? Mais do mesmo dessa cidade formal e uma insensibilidade que é atroz à população que está indo para as áreas de proteção ambiental. Essa é a população que deveria estar vindo para o Centro da cidade. Não tem que destruir o que o André Malraux –Ministro da Cultura na França em 68 - inventou, a história do patrimônio banal. Não é só o patrimônio histórico ou artístico. O Centro tem um patrimônio e por que vamos destruí-lo? Por que não vamos reformar e trazer gente?

-extraído, autorizadamente, do site "blog do Dirceu" (http://www.zedirceu.com.br/) em 18/08/09

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