CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO


CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO



Mantemos a recomendação do vídeo de Jean-Luc Godard, com sua reflexão sobre a cultura européia-ocidental, enquanto a agressão injusta à Nação Líbia perdurar.




Como contraponto à defesa de civis pelos americanos, alardeada em quase todas as recentes guerras de agressão que promovem, recomendamos o vídeo abaixo, obtido pelo Wikileaks e descriptografado pela Agência Reuters

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

ÀS VÉSPERAS DO DESENLACE, por Adriano Benayon

ÀS VÉSPERAS DO DESENLACE

Adriano Benayon * – 11.08.2009


A enganação das bolsas

As bolsas de valores vivem nova euforia, coisa normal em seu usual comportamento ciclotímico. Para ter idéia dessa esquizofrenia vejam-se as ações de empresas.

Nos EUA, o índice Dow Jones, média das ações das 30 empresas mais importantes da indústria (blue chips), estava em 12.000 pontos, em meados de 2008, mesmo com o colapso financeiro já presente. Em abril de 2009, tinha caído para 6.500 pontos, perdendo 46% do valor em menos de um ano. Em agosto de 2009, o índice registra significativa recuperação, atingindo 9.300 pontos, tendo-se elevado em 43%. Reduziu, portanto, a perda, em relação a meados de 2008, para somente 22,5%.

As ações cotadas na bolsa brasileira, BOVESPA, desvalorizaram-se em 45,5% entre agosto e novembro de 2008, ou seja, percentual semelhante ao do Dow-Jones, mas com velocidade muito maior, já que o período da comparação é menor. A recuperação é ainda mais espetacular que a de Wall Street, porquanto, de novembro de 2008 para cá, a valorização foi de 87%, e o índice atual ultrapassa o de agosto do ano passado.

Os mais iludidos pela mídia pensam que a alta das ações das empresas correlaciona-se com a melhora da economia. Isso tem sido desmentido pelos fatos. As bolsas de valores, e sobre tudo as ações, têm sido tradicionalmente os mercados para os quais os concentradores financeiros direcionam os investidores menos avisados. São, na realidade, cassinos manipulados pelos grandes operadores. Nos EUA há canal de TV exclusivo para investimentos, e o mercado com maior cobertura é o de ações. O mesmo, ocorre nos canais das grandes redes nacionais de televisão, como no Brasil.

Nos EUA e em outros mercados mundiais, a alta das ações, do petróleo e das mercadorias (commodities) decorre do que resumo a seguir.

Os grandes bancos deveriam estar falidos, em função das especulações mal-sucedidas com derivativos e demais títulos tóxicos (com os quais haviam obtido lucros enormes em cima do nada). Foram socorridos com trilhões de dólares do contribuinte, por meio do Tesouro dos EUA e do Federal Reserve. Esse banco central, como observou Mike Whitney, é o braço de política dos grandes bancos e distribuidoras de valores.

Ora, os concentradores estão aplicando boa parte do dinheiro recebido do Estado nas bolsas de valores e nas de mercadorias, prosseguindo em sua especialidade: ganhar dinheiro com a manipulação dos mercados financeiros, sem se interessar pela economia real. Por que fazem isso?



Novas bolhas

Explicam competentes analistas estadunidenses, em geral ignorados pela grande mídia desse país e dos demais: os bancos têm rombos potenciais gigantescos, em função das bolhas anteriores, como a imobiliária (residencial) e a dos cartões de crédito, além de novas bolhas, como a dos títulos tóxicos montados em cima de empréstimos referentes a imóveis comerciais. Só essa, em vias de estourar, é estimada em US$ 3 trilhões.

Pretendem, através de ganhos com manobras especulativas em ações, mercadorias, taxas de câmbio etc., compensar as perdas futuras e certas , provenientes de mais estouros de bolhas: antigas e novas. Mas estão criando, bolhas ainda maiores ao tentar salvar-se da ressaca dos títulos tóxicos já riscados no balanço de seus ativos, sem falar nos esperados para breve.

Nos EUA dois bancos apenas lideram os movimentos do mercado financeiro, o JP Morgan e o Goldman Sachs, este, no momento, o de maior influência sobre o governo. Depois de ter sido socorrido com os programas federais, o Goldman vem comandando, entre os outros, a alta do preço do petróleo, com o que obteve boa parte de seu elevado lucro no último trimestre. Usa, ademais, computadores supervelozes para fazer transações em minúscula fração de segundo, antes que os demais possam reagir.

A. Gavin Marshall chama de mãe de todas as bolhas o salvamento dos bancos, por parte do governo. De fato, a grande elevação nos preços das ações e das mercadorias está acontecendo junto com a economia mundial deprimida. Ademais nada se está fazendo de sério para reverter a depressão, que, assim, tende a se acentuar. Estão presentes, portanto, todos os ingredientes para aprofundar-se, em breve, o colapso financeiro.

Há uma diferença importante em relação às sucessivas crises anteriores: na próxima e mais aguda crise, já não haverá como evitar o colapso sistêmico por meio das operações de salvamento com recursos públicos, emissão de moeda e de títulos governamentais.

Os US$ 13 a 14 trilhões, já metidos naquelas operações, são mais que suficientes para tornar incontroláveis os agregados monetários da economia dos EUA, tornar os títulos norte-americanos ainda menos atraentes do que já eram, e afundar o dólar. Entretanto, os cálculos de gente séria apontam para, até o fim deste ano, novos rombos da ordem de US$ 20 a 25 trilhões.

Neil Barofsky, inspetor geral do programa de alívio dos ativos tóxicos (TARP) estima que as várias agências do governo dos EUA já estão expostas a risco de US$ 23,7 trilhões, por causa dos esquemas para salvar os grandes bancos.

Resultados da globalização

Outra coisa: entre as muitas gracinhas que a globalização suscitou, para grande satisfação do demônio, está o fato de os bancos e fundos de investimento de cada país participarem das jogadas financeiras em mercados de outros países ou regiões.

Os prejuízos potenciais dos bancos europeus, a aparecer dentro de meses, podem atingir o equivalente a US$ 25 trilhões. Somados aos que se desenham nos EUA, os rombos em perspectiva aproximam-se de US$ 50 trilhões.

Por conseguinte, pode-se ter certeza de que a próxima crise será generalizada. Além disso, deverá ser sistêmica, por serem as quantias envolvidas insuscetíveis de ser cobertas pelos pacotes de ajuda de governos e entidades multilaterais, como a União Européia, e de instâncias internacionais, como o FMI.

Sem que a oligarquia financeira renuncie a seu poder totalitário sobre nações e governos, falta, dentro das políticas econômicas, saída para escapar ao colapso financeiro sistêmico e à depressão mais profunda da História. Parece, pois, claro que dita oligarquia suscitará, internamente, mudanças institucionais na direção do fascismo e, externamente, recorrerá a guerras de grande porte.

Brasil

Não há como, sem se desatrelar dos vínculos com os centros hegemônicos, livrar-se dos efeitos grandemente danosos do colapso mundia, entre outros: desvalorização das reservas; fuga de capitais; queda no valor das exportações; conseqüente crise nas contas externas; queda dos investimentos produtivos, já diminutos, das transnacionais, que dominam a estrutura produtiva. Perspectiva de progresso: somente fazendo reverter as políticas da globalização, a começar pelas privatizações.

* - Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras. abenayon@brturbo.com.br

-Publicado em A Nova Democracia, nº 56, agosto de 2009, e recebido para publicação em 20/08/09

terça-feira, 18 de agosto de 2009

mais sobre o conflito midiatico que esconde o medo de um império em declínio por Pedro Porfírio

“Sim, eu sou o poder”Roberto Marinho (frase de abertura do livro “A História Secreta da Rede Globo”, de Daniel Heiz (1954-2006)
“De fato, Roberto Marinho foi inocentado de todas as acusações. Mas não pela Comissão Parlamentar de Inquérito, nem em 1966, e sim pelo general Arthur da Costa e Silva que, em 1968, num gesto arbitrário, decidiu que os acordos Time-Life não feriam a Constituição Brasileira, apesar do resultado das investigações”. Patrícia Ozores Polacow, jornalista formada pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), mestre e doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e professora do Centro Universitário Barão de Mauá (Ribeirão Preto)."A conexão política-negócios não nasceu no Brasil, não é de hoje e não vem a ser uma estrada pela qual só trafeguem as Organizações Globo. Mas, no caso do Dr. Roberto Marinho, a conexão dá certo há décadas, e não é ocasional o fato de que o general civil das comunicações - bajulação de um de seus subordinados, o colunista Ibrahim Sued - tenha deslanchado seu poderio sob a ditadura militar. (...) A república fardada se foi, veio a nova, pelas mãos de Tancredo Neves, mas o Dr. Roberto manteve-se na crista dos acontecimentos fundamentais da Nação”.Daniel Heiz, “A História Secreta da Rede Globo”.“O papel da Rede Globo de Televisão no Caso Proconsult, nas eleições de 1982, era apenas o de preparar a opinião pública para o que iria acontecer: o roubo, por Moreira Franco, dos votos de Leonel Brizola”.Luiz Carlos Maciel, diretor do jornalismo da Globo durante as eleições de 1982.“É muito mais fácil, muito mais cômodo e muito mais barato, não exige derramamento de sangue, controlar a opinião pública através dos seus órgãos de divulgação, do que construir bases militares ou financiar tropas de ocupação”.João Calmon, ex-senador e diretor dos Diários Associados, em depoimento na CPI que investigou as ligações da Globo com o grupo Time Life, dos EUA.“As pessoas não entendem a fé alheia e aproveitam o que é posto na mídia para criticarem aquilo que não entendem”.Sérgio, estudante de Matemática, comentando minha última coluna.Está cada dia mais difícil expor uma opinião de uma única vez. Não lamento e até acho positivo. A segunda matéria sobre determinado assunto espelha o conjunto de comentários que recebo diretamente, leio e respondo, respeitando a opinião de cada um. SE necessário, escrevo a terceiro,a quarta, quantas precisar para expor meu pensamento.Neste caso, ao registrar a ampla diversidade de respostas – algumas agressivas, duas com cancelamento de meu jornal – gostaria de responder em particular a Adolfo Nobre, na parte em que diz: “eu não podia jamais esperar de uma pessoa que passa tamanha inteligência, no mínimo fosse perder tempo com esse tipo de informação”.O grande problema é que não é fácil falar ao mesmo tempo de duas situações específicas: a pressão contra o crescimento da Rede Record, que ameaça o império global por vários fatores – e não apenas na questão da audiência – e a má vontade de um respeitável segmento da sociedade com os cultos pentecostais, que só conhecem de ouvir falar, como observou o estudante de matemática em sua mensagem, embora boa parte dos canais de televisão os apresente regularmente.Falo porque vi e viviQuando decidi escrever a respeito, o fiz na condição de velho jornalista. Em 1966, aos 23 anos, quando chefiava a Reportagem do JORNAL DA NOITE, um programa dirigido e apresentado pela professora Sandra Cavalcanti na TV TUPI, vi o admirável esforço dos deputados Roberto Saturnino Braga (presidente) e Djalma Marinho (relator) no comando de uma CPI que resultara de uma denúncia feita em junho de 1965 pelo então governador Carlos Lacerda sobre os laços da Globo com o grupo norte-americano, ferindo o artigo 160 da Constituição Federal vigente, conforme concluiu também essa comissão parlamentar.Naquele então já dava para vislumbrar o projeto da empresa que melhor se posicionara no espectro midiático da ditadura, da qual se tornou uma espécie de porta-voz. Abatendo um por um os concorrentes, segundo métodos diferenciados, as empresas de Roberto Marinho iriam substituir em importância e peso político os Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, dispondo de petardos muito mais temidos em função do progresso tecnológico.Para isso, com recursos repassados pelo grupo Time Life (a primeira bolada de 3 milhões750 mil dólares - 300 milhões de cruzeiros - foi creditada em 24 de julho de 1962), a Globo inaugurou sua primeira estação de TV em 25 de abril de 1965, embora fosse detentora da concessão desde 1957.Seu crescimento se deu em sintonia com a ditadura: em dezembro de 1968, quando do AI-5, já liderava a audiência, tendo se beneficiado inclusive da perseguição à Tv Excelsior, a melhor desde sua implantação, que foi tirada do ar na marra em 1970 num gesto grotesco do jornalista Ferreira Neto, em nome do regime militar. Nesse momento, o grupo proprietário (Celso Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen), que já sofrera um baque na desativação da Panair do Brasil, em fevereiro de 1965, estava totalmente esmagado pelas botas da intolerância.Monopólio que dá todas as cartasCom carta branca do regime militar, a Rede Globo transformou-se num verdadeiro monopólio, expandindo-se por todo o país com o sistema de afiliadas, em que se incluem a família Sarney, no Maranhão; ACM, na Bahia, e Fernando Collor, em Alagoas.Com isso, o jornal, que era apenas um vespertino sem grande peso em 1964, transformou-se no mais forte e mais influente diário do Rio de Janeiro. No período da ditadura, as organizações Globo chegaram a somar 40% de toda a publicidade, com maior percentual nas verbas oficiais.Praticamente sem concorrência, a emissora chegou a ter 80% de audiência, o que fazia do seu único proprietário um homem tão temido que ele sabia primeiro de certas no Congresso.Tv Manchete, com o melhor jornalismo de sua época; Bandeirantes, com ênfase para o esporte e o SBT, com a exibição de novelas e seriados importados, em nenhum momento abalaram o império, levando o jornalista Alain Riding, do “New York Times” a escrever em 1966 numa reportagem de grande repercussão nos Estados Unidos: “Todos os dias da semana, às 19h55min, pelo menos 50 milhões de brasileiros espalhados por este imenso território, incluindo um homem de 82 anos de idade - elegantemente vestido, com um telefone ao seu lado - assistem às notícias diárias escolhidas, interpretadas e transmitidas pela TV Globo, a maior rede de televisão do País”.Riding conversou com Roberto Marinho e ouviu dele: "Nós fornecemos todas as informações necessárias, mas nossas opiniões são de uma maneira ou de outra, dependentes do meu caráter, das minhas convicções e do meu patriotismo. Eu assumo a responsabilidade sobre todas as coisas que conduzo”.Nessa reportagem, o Times destaca que, "com índices de audiência entre 70 e80%, a TV Globo é hoje, claramente, um centro-chave de poder”:“Eu uso esse poder, mas sempre de maneira patriótica, tentando corrigir as coisas, procurando caminhos para o país e seus estados. Nós gostaríamos de ter poder suficiente para consertar tudo o que não funciona no Brasil. A isso dedicamos todas as nossas forças”.E ainda, recorrendo ao livro de Daniel Heriz:“Num determinado momento – disse Roberto Marinho ao jornalista norte-americano - eu me convenci de que o Sr. Leonel Brizola era um mau governador. Ele transformou a Cidade Maravilhosa num pátio de mendigos e marginais. Passei a considerar o Brizola perigoso e lutei, realmente usei todas as minhas possibilidades para derrotá-lo nas eleições”.Espero que você reflitaCom todo esse poder que moldou até hoje as percepções sociais, e valendo-se de alianças como ocorre agora, com jornais e revistas de grande circulação, a Globo incutiu numa opinião pública vulnerável os qualificativos que foi de sua conveniência sobre os movimentos e as instituições que a ela não se subordinam ou que possam ameaçá-las a curto, médio e longo prazo.É isso que você tem de anotar se não pretende ser um ventríloquo de um sistema piramidal que tenta preservar seus tentáculos nos campos da comunicação humana. Sistema que já tem a sua igreja, a sua cultura, a sua Justiça, os titulares dos seus poderes políticos e as ferramentas formatadoras.Sistema que criminaliza e estigmatiza aos que não rezam por sua cartilha, numa soma de códigos invisíveis e de alcance subliminar infalível, levando muitos cidadãos de certo nível a repetirem seus anátemas acriticamente e sem conhecimento de causa. Isto que, com precisão matemática, concluiu o universitário que me escreveu, partilhando das preocupações de pessoas como eu, que cansaram de ouvir sandices dos que substituíram a cultura de almanaque pelo decoreba dos monitores eletrônicos.Isso que permeia a tentativa de inviabilizar concorrentes e desmoralizar correntes evangélicas que estão triunfando, sobretudo pela maior e mais perspicaz compreensão da alma humana.coluna@pedroporfirio.com
“Sim, eu sou o poder”Roberto Marinho (frase de abertura do livro “A História Secreta da Rede Globo”, de Daniel Heiz (1954-2006)
“De fato, Roberto Marinho foi inocentado de todas as acusações. Mas não pela Comissão Parlamentar de Inquérito, nem em 1966, e sim pelo general Arthur da Costa e Silva que, em 1968, num gesto arbitrário, decidiu que os acordos Time-Life não feriam a Constituição Brasileira, apesar do resultado das investigações”. Patrícia Ozores Polacow, jornalista formada pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), mestre e doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e professora do Centro Universitário Barão de Mauá (Ribeirão Preto)."A conexão política-negócios não nasceu no Brasil, não é de hoje e não vem a ser uma estrada pela qual só trafeguem as Organizações Globo. Mas, no caso do Dr. Roberto Marinho, a conexão dá certo há décadas, e não é ocasional o fato de que o general civil das comunicações - bajulação de um de seus subordinados, o colunista Ibrahim Sued - tenha deslanchado seu poderio sob a ditadura militar. (...) A república fardada se foi, veio a nova, pelas mãos de Tancredo Neves, mas o Dr. Roberto manteve-se na crista dos acontecimentos fundamentais da Nação”.Daniel Heiz, “A História Secreta da Rede Globo”.“O papel da Rede Globo de Televisão no Caso Proconsult, nas eleições de 1982, era apenas o de preparar a opinião pública para o que iria acontecer: o roubo, por Moreira Franco, dos votos de Leonel Brizola”.Luiz Carlos Maciel, diretor do jornalismo da Globo durante as eleições de 1982.“É muito mais fácil, muito mais cômodo e muito mais barato, não exige derramamento de sangue, controlar a opinião pública através dos seus órgãos de divulgação, do que construir bases militares ou financiar tropas de ocupação”.João Calmon, ex-senador e diretor dos Diários Associados, em depoimento na CPI que investigou as ligações da Globo com o grupo Time Life, dos EUA.“As pessoas não entendem a fé alheia e aproveitam o que é posto na mídia para criticarem aquilo que não entendem”.Sérgio, estudante de Matemática, comentando minha última coluna.Está cada dia mais difícil expor uma opinião de uma única vez. Não lamento e até acho positivo. A segunda matéria sobre determinado assunto espelha o conjunto de comentários que recebo diretamente, leio e respondo, respeitando a opinião de cada um. SE necessário, escrevo a terceiro,a quarta, quantas precisar para expor meu pensamento.Neste caso, ao registrar a ampla diversidade de respostas – algumas agressivas, duas com cancelamento de meu jornal – gostaria de responder em particular a Adolfo Nobre, na parte em que diz: “eu não podia jamais esperar de uma pessoa que passa tamanha inteligência, no mínimo fosse perder tempo com esse tipo de informação”.O grande problema é que não é fácil falar ao mesmo tempo de duas situações específicas: a pressão contra o crescimento da Rede Record, que ameaça o império global por vários fatores – e não apenas na questão da audiência – e a má vontade de um respeitável segmento da sociedade com os cultos pentecostais, que só conhecem de ouvir falar, como observou o estudante de matemática em sua mensagem, embora boa parte dos canais de televisão os apresente regularmente.Falo porque vi e viviQuando decidi escrever a respeito, o fiz na condição de velho jornalista. Em 1966, aos 23 anos, quando chefiava a Reportagem do JORNAL DA NOITE, um programa dirigido e apresentado pela professora Sandra Cavalcanti na TV TUPI, vi o admirável esforço dos deputados Roberto Saturnino Braga (presidente) e Djalma Marinho (relator) no comando de uma CPI que resultara de uma denúncia feita em junho de 1965 pelo então governador Carlos Lacerda sobre os laços da Globo com o grupo norte-americano, ferindo o artigo 160 da Constituição Federal vigente, conforme concluiu também essa comissão parlamentar.Naquele então já dava para vislumbrar o projeto da empresa que melhor se posicionara no espectro midiático da ditadura, da qual se tornou uma espécie de porta-voz. Abatendo um por um os concorrentes, segundo métodos diferenciados, as empresas de Roberto Marinho iriam substituir em importância e peso político os Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand, dispondo de petardos muito mais temidos em função do progresso tecnológico.Para isso, com recursos repassados pelo grupo Time Life (a primeira bolada de 3 milhões750 mil dólares - 300 milhões de cruzeiros - foi creditada em 24 de julho de 1962), a Globo inaugurou sua primeira estação de TV em 25 de abril de 1965, embora fosse detentora da concessão desde 1957.Seu crescimento se deu em sintonia com a ditadura: em dezembro de 1968, quando do AI-5, já liderava a audiência, tendo se beneficiado inclusive da perseguição à Tv Excelsior, a melhor desde sua implantação, que foi tirada do ar na marra em 1970 num gesto grotesco do jornalista Ferreira Neto, em nome do regime militar. Nesse momento, o grupo proprietário (Celso Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen), que já sofrera um baque na desativação da Panair do Brasil, em fevereiro de 1965, estava totalmente esmagado pelas botas da intolerância.Monopólio que dá todas as cartasCom carta branca do regime militar, a Rede Globo transformou-se num verdadeiro monopólio, expandindo-se por todo o país com o sistema de afiliadas, em que se incluem a família Sarney, no Maranhão; ACM, na Bahia, e Fernando Collor, em Alagoas.Com isso, o jornal, que era apenas um vespertino sem grande peso em 1964, transformou-se no mais forte e mais influente diário do Rio de Janeiro. No período da ditadura, as organizações Globo chegaram a somar 40% de toda a publicidade, com maior percentual nas verbas oficiais.Praticamente sem concorrência, a emissora chegou a ter 80% de audiência, o que fazia do seu único proprietário um homem tão temido que ele sabia primeiro de certas no Congresso.Tv Manchete, com o melhor jornalismo de sua época; Bandeirantes, com ênfase para o esporte e o SBT, com a exibição de novelas e seriados importados, em nenhum momento abalaram o império, levando o jornalista Alain Riding, do “New York Times” a escrever em 1966 numa reportagem de grande repercussão nos Estados Unidos: “Todos os dias da semana, às 19h55min, pelo menos 50 milhões de brasileiros espalhados por este imenso território, incluindo um homem de 82 anos de idade - elegantemente vestido, com um telefone ao seu lado - assistem às notícias diárias escolhidas, interpretadas e transmitidas pela TV Globo, a maior rede de televisão do País”.Riding conversou com Roberto Marinho e ouviu dele: "Nós fornecemos todas as informações necessárias, mas nossas opiniões são de uma maneira ou de outra, dependentes do meu caráter, das minhas convicções e do meu patriotismo. Eu assumo a responsabilidade sobre todas as coisas que conduzo”.Nessa reportagem, o Times destaca que, "com índices de audiência entre 70 e80%, a TV Globo é hoje, claramente, um centro-chave de poder”:“Eu uso esse poder, mas sempre de maneira patriótica, tentando corrigir as coisas, procurando caminhos para o país e seus estados. Nós gostaríamos de ter poder suficiente para consertar tudo o que não funciona no Brasil. A isso dedicamos todas as nossas forças”.E ainda, recorrendo ao livro de Daniel Heriz:“Num determinado momento – disse Roberto Marinho ao jornalista norte-americano - eu me convenci de que o Sr. Leonel Brizola era um mau governador. Ele transformou a Cidade Maravilhosa num pátio de mendigos e marginais. Passei a considerar o Brizola perigoso e lutei, realmente usei todas as minhas possibilidades para derrotá-lo nas eleições”.Espero que você reflitaCom todo esse poder que moldou até hoje as percepções sociais, e valendo-se de alianças como ocorre agora, com jornais e revistas de grande circulação, a Globo incutiu numa opinião pública vulnerável os qualificativos que foi de sua conveniência sobre os movimentos e as instituições que a ela não se subordinam ou que possam ameaçá-las a curto, médio e longo prazo.É isso que você tem de anotar se não pretende ser um ventríloquo de um sistema piramidal que tenta preservar seus tentáculos nos campos da comunicação humana. Sistema que já tem a sua igreja, a sua cultura, a sua Justiça, os titulares dos seus poderes políticos e as ferramentas formatadoras.Sistema que criminaliza e estigmatiza aos que não rezam por sua cartilha, numa soma de códigos invisíveis e de alcance subliminar infalível, levando muitos cidadãos de certo nível a repetirem seus anátemas acriticamente e sem conhecimento de causa. Isto que, com precisão matemática, concluiu o universitário que me escreveu, partilhando das preocupações de pessoas como eu, que cansaram de ouvir sandices dos que substituíram a cultura de almanaque pelo decoreba dos monitores eletrônicos.Isso que permeia a tentativa de inviabilizar concorrentes e desmoralizar correntes evangélicas que estão triunfando, sobretudo pela maior e mais perspicaz compreensão da alma humana.

coluna@pedroporfirio.com, extraído do blog http://www.porfiriolivre.com/2009/08/ em19/08/09

Para além da Campanha contra a Universal e a Rede Record, por Pedro Porfírio

Antes de jogar mais pedras nos pastores, seria bom ver quais os interesses espetacularizam denúncias requentadas
A VEJA já viu o conflito como uma guerra entre duas tevês. Agora, entrou na tropa de chqoue contra a Record
“O senhor contribui, do ponto de vista financeiro, com a Igreja?Sim, faço algumas doações.Desde quando?Desde a época em que frequento a Igreja Renascer, ou seja desde meus 12 anos”.Kaká, atleta da seleção brasileira de futebol, atualmente no Real Madri, em depoimento à Polícia Tributária da Itália.
Pois eu vejo com reservas essas matérias orquestradas contra a Igreja Universal do Reio de Deus, que visam atingir a Rede Record de Televisão. Essa reserva decorre especialmente da confluência de veículos da grande mídia, os mesmos que, em passado não muito remoto, condenaram Leonel Brizola à morte, levando muitos brasileiros a acreditarem que o caudilho nacionalista tinha relação direta com o "Comando Vermelho" e com o tráfico em geral.Não me cabe aqui, nessa avaliação necessária, discutir as práticas das igrejas em geral, sem exceção, que vivem essencialmente dos donativos recolhidos entre seus fiéis. Em todas as situações, em todos os altares, fiéis contribuíram sob impulsos da fé que os embala, muitas vezes em ambiente de êxtase.Com mais ou com menos, independente do clima criado, essas contribuições ocorrem em caráter voluntário. No caso da Igreja Universal, o noticiário hostil sobre a destinação dos recursos é um assunto recorrente, como virou moda falar.A igreja do bispo Macedo foi repetidas vezes estigmatizada com a espetacularização de notícias negativas a seu respeito. E, no entanto, continua crescendo, ampliando sua influência para além de nossas fronteiras, incluindo em seu mapa dezenas de países da África pobre e submetida a séculos de impiedoso colonialismo.Crescimento dos pentecostaisComo a Universal, dezenas de igrejas evangélicas, particularmente as "pentecostais" observam um crescimento que deveria ser objeto de um exame mais aprofundado dos estudiosos no comportamento humano. Ele acontece na proporção inversa da Igreja Católica Apostólica Romana que mantém sua supremacia numérica, mas de conteúdo inercial.Não estamos diante de nenhuma novidade com essas matérias que ganharam maior ênfase em função das recentes denúncias do Ministério Público de São Paulo, com um novo condimento. Agora, se questiona a suposta utilização de doações dos fiéis em proveito da Rede Record de Televisão, como reação ao seu crescimento, que se deu principalmente pela opção de sua direção de abstrair em sua programação e até mesmo em sua linha editorial a relação direta com seus proprietários.A Igreja Universal é acusada de usar dinheiro dos fiéis na consolidação da Record. Se não há nenhum dispositivo legal, em nenhum código, em nenhuma lei específica, não há do que se acusar os seus bispos com relação ao destino do dinheiro arrecadado.Há então a questão ética. Nesse aspecto, tenho também minhas dúvidas. A coisa mais comum é ver nas estações de televisão e rádio a repetição de apelos aos fiéis para que ajudem a manter os programas religiosos, onde são transmitidos cultos e pregações de grande impacto psicológico. Alguns programas chegam a publicar as contas bancárias das igrejas a serem beneficiadas com as doações.As contribuições compulsórias que não questionamInsisto em que não me cabe fazer juízo de valores sobre uma prática que é da relação entre a instituição religiosa e seus adeptos. As igrejas evangélicas foram sendo implantadas no Brasil ao longo dos últimos 120 anos com sua linguagem pastoral diferente da Igreja Católica Apostólica e Romana.Esta teve sua presença associada à colonização e foi parte do poder. Mesmo com a separação, formulada na constituição republicana, ficou senhora de muitas terras e de muitas propriedades. Desfruta ainda de um entulho colonial - o laudêmio, uma taxa que garante arrecadação compulsória (e não voluntária) em milhares de logradouros do país.Imóveis do centro do Rio de Janeiro são obrigados a recolher para ordens religiosas 5% do valor de suas vendas a cada mudança de dono. Além disso, pagam um foro anual. Em Niterói, praticamente metade da cidade é devedora dessa taxa a ordens religiosas católicas. Estudos que tenho feito sobre esse "tributo" formalizado por lei de Dom Pedro I em 1830 mostram que a Igreja Católica detém 60% das áreas aforadas, isto é, mais do que as áreas de marinha.Em nenhum momento essa grande mídia deu atenção à contabilidade das cúrias católicas. Nem mesmo recentemente, quando uma investigação realizada na Arquidiocese do Rio de Janeiro, divulgadas oficialmente por seus prelados, indicou a existência de desvios de dinheiro e abuso na gestão do cardeal Eusébio Oscar Scheid, para quem a Cúria comprou um apartamento de R$ 2 milhões no luxuoso bairro da Lagoa.Temos aí, num raciocínio sereno, que a simples condenação da relação da Igreja Universal, com um total superior a 8 milhões de crentes, espalhados por 112 países do mundo, é um jogo de cartas marcadas, reeditado de quando em vez numa sequência tão direcionada que tem provocado a indignação de outras denominações evangélicas, como a Assembléia de Deus, de 30 milhões de adeptos, cujo líder, pastor "Dr Omar" tem feito pronunciamentos seguidos em solidariedade ao bispo Macedo.O alvo é o crescimento da RecordNeste exato momento, o verdadeiro alvo não é a Igreja Universal do Reino de Deus, mas a Rede Record, o sistema de comunicação que já abala o monopólio midiático que cresceu à sombra e com as bênçãos da ditadura e dos interesses econômicos internacionais.A nós outros, que não temos envolvimento direto nesse conflito, cabe assumir uma posição que seja melhor para o Brasil e para o povo brasileiro. Se entendemos que o móvel da campanha é o crescimento de uma concorrente que tira o sono da "grande líder", da rede que faz e desfaz presidentes (vide caso Collor), que dita hábitos e exerce uma influência desmedida, numa hora em que poderosos ícones da mídia experimentam declínio, cabe-nos adotar um afastamento crítico para não nos deixarmos servir de buchas de canhão.Curiosamente, repito, sucesso da Record decorre da visão empresarial dos seus titulares, que conservam uma postura laica em sua programação, destinando horários na madrugada a programas religiosos. Nisso, observe-se, a Record é muito menos usada pelos cultos religiosos do que outras duas cadeias de tv aberta - a CNT e a Rede TV.O que mais incomoda nessa competição é o padrão salarial da emissora. Além de dar todo apoio a seus profissionais, A Record acabou com o mito de que só a Globo poderia oferecer bons salários ao seu pessoal. A média salarial e a valorização dos seus empregados são vistos como referências, que pesam na produtividade de suas emissoras.O resultado dessa relação se reflete no sucesso político do apresentador Wagner Montes, eleito deputado estadual pelo PDT com mais de 100 mil sufrágios, que registra empate com o governador Sérgio Cabral nas pesquisas de intenção de votos para governador. Caso prefira continuar deputado, o IBPS prevê que ele passará dos 300 mil votos, tudo por conta de sua audiência na televisão.Pitadas de intolerância religiosaEu diria que as investidas contra os cultos pentecostais revelam conteúdos de intolerância religiosa. Alguém já foi ver como é a relação das sinagogas com os judeus? Tocar nelas ninguém se arrisca, por todos os motivos e até porque a hermenêutica pode vislumbrar racismo em qualquer coisa que afete a comunidade judaica.Pelo que tenho observado, aos longo dos seus 32 anos, a organização do bispo Macedo optou por uma espécie de "profissionalização" da estrutura administrativa. Ao invés da destinação empírica, voluntarista e sem planejamento, a arrecadação junto aos fiéis, inclusive segmentos de empresários, passou a suprir um verdadeiro banco que, por sua vez, repassa os recursos dentro de uma estratégia que permite a exposição do seu retorno como ingrediente de auto-estema e compensação para sua grei.Os templos revestidos de mármore e granito produzem um certo efeito sobre a comunidade e operam psicologicamente em áreas de baixa renda, onde, ao contrário do que somos informados, a Universal se dedica a um amplo programa de assistência social e a um trabalho de recuperação dos foras da lei.O Estado brasileiro felizmente é laico, apesar dos acordos do presidente Lula com o Vaticano, denunciados em matéria paga por uma Loja Maçônica do Rio de Janeiro. Laico e aberto a todo tipo de culto, com suas singularidades. Assegura, inclusive, o direito de não ter religião nenhuma, opção que se amplia a cada censo do IBGE.A criminalização, com exclusividade, das atividades da Igreja Universal por práticas comuns, com todo respeito que merece o Ministério Público, carece de fundamentos legais primários.É uma pena que muitos de nós, incompetentes no nosso proselitismo político e no nosso relacionamento social, cedamos com facilidade à tentação de fazer de uma igreja evangélica surrado bode expiatório, objeto de nosso rigor crítico mal resolvido. É uma lástima que muitos embarquem na penalização personificada de quem cresceu no preenchimento de um grande vazio existencial e percam de vista os elementos essenciais da sociedade humana.

coluna@pedroporfirio.com, extraído do blog http://www.porfiriolivre.com/2009/08 em 19/08/09

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

"Invasão de terras é mais regra do que exceção", entrevista de Erminia Maricato para o blog do Dirceu

O alerta é da urbanista Erminia Maricato em seu diagnóstico sobre as cidades brasileiras. Uma das idealizadoras do Ministério das Cidades, ela traça um panorama da política habitacional no país e avalia o Minha Casa, Minha Vida.
Invasão de terras é mais regra do que exceção O alerta é dado pela arquiteta e urbanista Erminia Maricato, dona de vasta experiência em políticas públicas - urbanas, habitacionais e fundiárias - e na área de planejamento urbano. Segundo ela, "se falarmos em favelas - área invadida - não tem nenhum grupo de esquerda, nem partido comandando essa gigantesca invasão que ocupa praticamente ¼ - entre 20% a 25% dos domicílios das principais metrópoles brasileiras.
"Professora há 35 anos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Ermínia é uma da criadoras do LABHAB - Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU-USP (1997) e quem formulou a proposta de criação do Ministério das Cidades, do qual foi ministra-adjunta na maior parte da primeira gestão Lula (2003-2005).
Nesta entrevista, Ermínia avalia positivamente - mas não sem ressalvas - o programa federal Minha Casa, Minha Vida e traça um histórico sobre a política habitacional e de saneamento público no país.
Militante por uma cidade mais justa e humana, alerta para a necessidade da retomada da discussão (e luta) anticapitalista, e mostra como o processo de exclusão social expressa-se nas cidades brasileiras.Segundo Erminia o problema é gerado pela "valorização fundiária, a especulação, (e pelo fato) da nossa elite não conseguir conviver com os pobres. Há regra de fogo de exclusão e de segregação nas cidades brasileiras. É uma coisa centenária e não será um pacote do governo que irá resolver. Isso é uma transformação social, você não resolve a partir do institucional".
Com a experiência de quem passou pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo (1989/1992), Ermínia analisa a situação prncipalmente na capital paulista e denuncia: "o centro expandido da cidade de São Paulo está s e esvaziando. A região de proteção dos mananciais está se adensando. O que nós temos que fazer é mudar essa rota que é uma tragédia. Estamos indo ao encontro do abismo".
[ Zé Dirceu ] Qual sua opinião sobre a situação da habitação no nosso país? Houve avanços no governo Lula e qual o papel do Ministério das Cidades neste processo?
[ Ermínia Maricato ] Um diagnóstico aterrador, totalmente preocupante. Se falarmos em favelas - área invadida - não tem nenhum grupo de esquerda, nem partido comandando essa gigantesca invasão que ocupa praticamente ¼, entre 20% a 25% dos domicílios das principais metrópoles brasileiras. Estou falando de Porto Alegre, Rio de Janeiro (é acima disso), São Paulo (abaixo disso, 12%), Belo Horizonte nessa média. E nos casos de Salvador, Recife, Fortaleza e São Luiz nós temos mais de 50% da população destas cidades morando em favelas: Fortaleza com 34%; Recife, 40%; Salvador com 33%. Enfim, a invasão de terras no Brasil é mais regra do que exceção. A cidade legal é mais exceção do que regra. E a sociedade brasileira insiste em não ver esse fato.Nós tivemos 23 anos sem investimentos na área de habitação e saneamento no Brasil. O regime militar construiu muito, mas privilegiando a classe média. Foram 4 milhões de moradias mais ou menos, no período de vigência do Banco Nacional de Habitação (BNH). Isso criou muito emprego, mas extremamente predatório (para a força de trabalho) e privilegiou a classe média que deu sustentação ao regime militar.Na primeira metade da década de 70, a produção de infra-estrutura econômica sustentou o PIB a mais de 7% ao ano. Já a produção de moradias sustentou o PIB na segunda metade daquela década. Em 1980, houve um corte abrupto no investimento que vem até o governo Lula. Evidente que houve um ou outro investimento, mas foram ridículos por parte do governo federal. A nossa política de saneamento estava entrando em ruínas com a idéia da privatização. Quanto à política de habitação, há listas de ministérios criados e fechados, secretarias que migravam, enfim... O fato é que o atual governo federal retomou a política de saneamento em 2003, com o Projeto Piloto de Investimentos (PPI) de R$ 3 bilhões, novamente retomada em 2005. Quanto à política habitacional, foi praticamente desenhada uma nova. Os investimentos começam em 2004 e crescem sem parar até chegar aos dias atuais. Portanto, o governo Lula começou essa retomada logo no início da primeira gestão. Estamos criando verdadeiras catacumbasQual o principal problema nisso tudo? 90% do déficit estão localizados entre 0 e 3 salários mínimos e até o lançamento do Minha Casa, Minha Vida, o subsídio do governo federal era pequeno. Agora (com o Minha Casa, Minha Vida) é que ele ganha alguma expressão, mas ainda é pouco para o enfrentamento do tamanho do problema.Primeiro, porque a solução depende de um projeto federativo, ou seja, não é uma coisa que o governo federal possa solucionar. E depende muito de grandes mudanças que estão no que eu chamo de “essência da alma brasileira”, que é a questão fundiária urbana.Agora nas favelas, principalmente Rio e São Paulo, nas mais bem localizadas que estão em bairros melhor servidos, elas estão na quarta ou quinta laje. Esse adensamento está trazendo problemas gravíssimos que impactam muito a saúde, por exemplo, as doenças respiratórias. Estamos criando verdadeiras catacumbas - um quarto fica no térreo, cercado de construção por todos os lados e com quatro lajes em cima! Isso gera uma insalubridade muito grande.
[ Zé Dirceu ] Qual o impacto do Minha Vida, Minha Casa no enfrentamento desses problemas? Há muitas críticas em relação à ausência de um planejamento urbanístico e os riscos na questão fundiária - apesar de o projeto aumentar o emprego, reativar a indústria da construção, atender uma certa demanda. Como você está vendo esse programa?
[ Ermínia Maricato ] As críticas são por aí. Para criar emprego ele terá algum impacto. Infelizmente, o projeto não fala qual o emprego que será criado, porque a indústria da construção trata o trabalhador como besta de carga. Nem os instrumentos básicos mereceram um design que alivie o trabalho. É uma indústria (da construção civil) que sacrifica demais o trabalhador, mas cria muito emprego porque ela tem demanda para frente e para trás. Ou seja, tem uma cadeia: demanda minério, cerâmica, areia, cimento, ferro etc.; e para frente todo mundo que adquire uma casa própria compra eletrodomésticos, mobiliário.A partir de 1980, com a queda do crescimento econômico, nós passamos vinte tantos anos com um crescimento (na construção) pífio. O desemprego aumentou e o país atingiu um padrão de violência que não conhecíamos antes dos anos 80. Hoje, ele está instalado e a violência tem muito a ver com emprego. Se olharmos os gráficos, vemos que o desemprego não é o único fator, mas estudando a cidade e a condição hoje da juventude (a falta de perspectiva desta) percebemos que isso contribui, na medida em que essa juventude fica exilada nos bairros de periferia, inclusive porque não tem transporte público. E o transporte piorou nas décadas perdidas. Veja, no transporte, perdemos 1/3 dos pagantes, enquanto a população aumentava.A realidade é que as periferias são as que mais crescem e todas as áreas centrais das grandes cidades brasileiras estão perdendo população. Aqui em São Paulo, você perde população na área do rodízio (no centro expandido) e ganha população nas áreas de proteção dos mananciais, no pé da Serra da Cantareira - uma situação crítica do ponto de vista da irracionalidade urbana. Neste período, nós tivemos um recuo nas políticas públicas, um aumento do desemprego e a emergência de uma violência que não conhecíamos. Se esse programa Minha Casa Minha Vida contiver o aumento do desemprego, não será pouca coisa. Porém, ele não é um programa voltado para a questão urbana e quanto à questão do déficit habitacional, ele também deixa a desejar.Por isso, ele mereceu muitas críticas dos urbanistas. Agora, uma das questões que eu tenho dito é que durante a ditadura o governo federal para passar o investimento de habitação, cobrava a existência do plano diretor. Isso não fez a menor diferença nas políticas urbanas porque infelizmente, nós estamos constatando – até porque o governo federal fez uma campanha sobre os planos diretores em 2005 – que nem plano, nem lei resolve o problema urbano.Há uma regra de fogo de segregação nas cidades brasileirasNão é porque você pode eleger prefeito bem intencionado, ter planos e leis que se resolverá o problema fundiário no Brasil. O problema é da valorização fundiária, da especulação, da nossa elite não conseguir conviver com os pobres. Há regra de fogo de exclusão e de segregação nas cidades brasileiras. É uma coisa centenária e não será um pacote do governo que irá resolver. Isso é uma transformação social, você não resolve a partir do institucional. E por que eu digo isso? Porque nós temos uma das leis mais avançadas do mundo que é o Estatuto das Cidades, festejada no mundo inteiro! Ela é de 2001 e nós não conseguimos aplicá-la. Está na retórica. Pegue os planos diretores... Eles não a aplicam. Nós estamos vendo isso no Brasil inteiro e há um recrudescimento do impacto da segregação, do preconceito e da desigualdade sobre o uso do solo urbano.O uso do solo urbano é uma limitação muito forte, porque na medida em que uma casa é bem localizada, ela tem um valor de localização. O Celso Furtado sempre falou que você tem uma desigualdade, um preconceito que se expressa totalmente nas cidades, porque pobre desvaloriza. É uma tradição perversa. Não é falta nem de plano, nem de lei. E agora não é falta (em parte) de financiamento.
[ Zé Dirceu ] É de estrutura de distribuição de renda da sociedade.
[ Ermínia Maricato ] É de distribuição de renda e também de não aplicação da lei que é extremamente arbitrária. Se eu pegar os loteamentos fechados, eles são ilegais, porque a lei federal 6766 não admite que você privatize ruas ou áreas coletivas. No entanto, juízes, promotores públicos moram em loteamentos fechados. A aplicação da lei no Brasil – especificamente a legislação urbanística – é totalmente arbitrária e a lógica é a de classe. Os exemplos passam dos milhares.
[ Zé Dirceu ] E os condomínios e loteamentos?
[ Ermínia Maricato ] Condomínio é legal, pode ser fechado. O que não pode é o loteamento. O condomínio não é o parcelamento da terra, mas a construção junto com a terra. O que percebemos é que o judiciário conhece muito pouco de lei urbanística no Brasil.
[ Zé Dirceu ] Existe vara especializada?
[ Ermínia Maricato ] Não. E agora temos o Estatuto da Cidade que é muito desconhecido ainda. Eu dou aula em cursos de especialização em direito ambiental, e certa feita uma aluna comentou “mas sete anos é muito pouco tempo para uma lei ser conhecida”. Quem sabe é isso...Realmente, o que estamos pensando aqui é que a maior parte das habitações em interesse social será construída, infelizmente, em áreas baratas. Já que não aplicamos o Estatuto das Cidades, não temos terras dentro das cidades.
[ Zé Dirceu ] Mas vai melhorar a infra-estrutura.
[ Ermínia Maricato ] Sim, mas a periferia que está vigorando, eu desconfio que ficará com a classe média do pacote, pelo que vejo nos projetos das empreiteiras.
[ Zé Dirceu ] Onde melhorou em saúde, saneamento e habitação, os lotes serão cedidos pelas prefeituras em casas de valor superior, para 1 a 3 salários mínimos.
[ Ermínia Maricato ] Quando a prefeitura ceder, eu acho que irá exigir a moradia de interesse social. Quando ela não ceder, não tem jeito, não vai pegar a população de baixa renda. Esse é o problema, porque o pacote tem 400 mil unidades destinadas à população de 0 a 3 salários, onde estão 90% do déficit. Eu vejo o dedo das construtoras e empresas – o que não foi muito feliz – quando o pacote se estende de 6 a 10 salários mínimos. Nessa faixa, temos 2.4% do déficit. Por que isso está no pacote? 50% está de 0 a 3 e 25% está na faixa de 6 a 10 SM.Eu defendo que isso esteja fora do pacote porque o mercado privado brasileiro que é um capitalismo sui generis atinge menos de 20% da população no país. Imagine nós ficarmos 20 anos com mercado construindo para 20% da população e sem política pública. Para ele (esse mercado de 20%) o Minha Casa Minha Vida tem aqui, entre 6 e 10 salários, 300 mil (habitações). Isso não precisava estar dentro do pacote! Por que o capitalismo brasileiro não cuida de chegar na classe média? Porque 10 SM é...Estou falando de 6 a 10 para 2.4% do déficit! Isso (esse segmento) deveria ter recurso privado e construção privada. Não era o caso de conceder-lhes recursos do FGTS, terem acesso aos seguros e juros menores e os incentivos que estão no texto do pacote.
[ Zé Dirceu ] As pessoas estão tirando carta de crédito rapidamente para comprar apartamentos de 500 mil reais.
[ Ermínia Maricato ] Eu considero isso escandaloso no Brasil. Essa é uma decisão do conselho curador do FGTS que contraria uma decisão de quando estávamos no Ministério. Se estivéssemos no Conselho Curador nós teríamos brigado muito. Duvido que uma parte do governo teria votado nessa resolução que é absurda. Você pegar um dinheiro barato que não é do governo, é do trabalhador.Até, pelo menos, quando eu estava no governo federal, o que nós demonstramos no Conselho Curador é que a aplicação do FGTS era concentradora de renda, porque a maior parte dos recursos durante os governos anteriores foi aplicada acima dos 5 SM. O que fizemos foi uma inversão, estabelecemos que os subsídios só iriam para os que ganham abaixo dos 5 SM.Como um funcionário daUSP mora em favela?
[ Zé Dirceu ] O problema são os juros. Há maneiras de você até 5 SM financiar uma casa e o governo pagar os juros - não é equalizar, mas pagar o juros. Neste caso ficam suspensas as primeiras prestações só para até 3 SM. Mora sem pagar, até construir o que leva de 18 a 24 meses.
[ Ermínia Maricato ] Você tem lei demais na sociedade brasileira, regra demais e ao mesmo tempo uma ilegalidade gigantesca. O que é regulado você tem uma burocracia infernal. O que não impede a ilegalidade. Foi um erro ter ampliado tanto as faixas de renda contempladas pelo Minha Casa Minha Vida. E também, o capitalismo brasileiro tem que virar capitalismo. Os bancos tem que emprestar para o mercado imobiliário chegar na classe média. Como um funcionário da USP mora em favela? O sujeito tem emprego e garantia de emprego? Eles não conseguem fazer uma casa.
[ Zé Dirceu ] Não empresta, mesmo com a possibilidade de tomar o imóvel e agora isso é rápido. Mas nem com isso emprestam.
[ Ermínia Maricato ] Essa é uma questão estrutural do capitalismo brasileiro. E vai continuar enquanto você tiver um mercado tão concentrado que produz o produto de luxo. Agora, o mercado está tentando há três anos caminhar para a classe média, mas até agora foi o produto de luxo.
[ Zé Dirceu ] Como você analisa a resistência inicial do governo Serra em aderir ao programa?[ Ermínia Maricato ] O Kassab vai participar. O CDHU tem muito dinheiro.[ Zé Dirceu ] Eu fui relator disso na Constituinte, nós apoiamos.[ Ermínia Maricato ] Eu não consigo entender porque o Estado de São Paulo, as metrópoles paulistas tem uma condição tão ruim. O litoral inteirinho. O estado aplica 1% do ICMS em habitação há muitos anos.
[ Zé Dirceu ] Você acha que os prefeitos tem condições para fazer a infraestrutura? Quem vai fazer a infraestrutura nos terrenos? A construtora ou o prefeito?
[ Ermínia Maricato ] Tem financiamento para as construtoras, mas eu acho que habitação de interesse social e o terreno vão ficar com as prefeituras.
[ Zé Dirceu ] Ela terá que fazer luz, sarjeta...
[ Ermínia Maricato ] Basicamente terá que fazer o sistema viário, água e esgoto e iluminação (energia), parte disso é trabalho das concessionárias. É provável que aconteça o seguinte: se você conseguir os terrenos melhor localizados, a infraestrutura é barata. Se você for para fora da cidade terá que levá-la (infraestrutura urbana) até lá.
[ Zé Dirceu ] Uma cidade de 50 mil habitantes vai fazer 200 casas. Se distribuir pelo Brasil todo Osasco vai fazer mil casas, duas mil. Se somar 200 cidades e colocar 500 em cada uma já deu 1 milhão.
[ Ermínia Maricato ] O programa prevê um impacto de redução de 14% do déficit habitacional. Realmente, não vai impactar principalmente o déficit de baixa renda.Cidades médias: “eu serei você amanhã”
[ Zé Dirceu ] Você acha que as cidades médias brasileiras estão se diferenciando das grandes cidades?
[ Ermínia Maricato ] Eu costumo fazer a piada de “eu serei você amanhã”. Não. Eu fui a cidades muito pequenas onde você tem o terreno vazio de infra-estrutura. E vejo os mesmos problemas das cidades grandes, os pobres na periferia, longe da cidade, viagens longas, sem saneamento.[ Zé Dirceu ] Não há nas cidades médias uma visão urbanística?
[ Ermínia Maricato ] Não. E mais, mesmo em Curitiba, se você pegar a metrópole é impressionante o que está acontecendo de irregularidade e ilegalidade urbanística. O planejamento de Curitiba também expulsou os pobres. Há varias teses sobre isso.
[ Zé Dirceu ] Diadema começou a verticalizar, a cidade foi melhorando de infraestrutura, transporte, educação e cultura, então subiram os aluguéis e o preço da terra.
[ Ermínia Maricato ] Eu diria que Diadema foi o mais longe na aplicação dos instrumentos urbanísticos. Tem 1/3 da população em favelas, mas levou água, esgoto, gasta 1/3 do orçamento com saúde.
[ Zé Dirceu ] Pensando nos próximos 10 anos a questão do caos urbanos, já com a experiência da década de 80 e depois, quais as medidas a tomar? A idéia que falei de criar um fundo nacional de desenvolvimento urbano, como se fosse um PAC só para cidade e integrar saneamento, habitação, transporte, cultura, educação e lazer, inclusão digital para a juventude, esporte... Se formos pensar com recursos quais seriam as diretrizes principais?
[ Ermínia Maricato ] Depois do incrível impacto de 23 anos sem investimentos no transportes (e a gente continua ainda) a diretriz principal é investir neles. A questão do transporte é a principal hoje, transporte coletivo. E parece insolúvel no mundo inteiro a barbaridade que o automóvel está promovendo nas cidades.Recentemente escrevi: por que todas as cidades estão tendo problemas com automóveis, inclusive as que contam com uma rede espetacular de metrô? Por que todos os governos subsidiam a indústria automobilística? Há pesquisas recentes que mostram que o impacto na vida da gente da poluição do ar é de sete anos a menos, nas cidades mais poluídas. Sem dúvidas, a questão do transporte coletivo – do ponto de vista urbanístico – é a principal.Do ponto de vista social é a juventude. É urgente termos programas para jovens e crianças. Eu fico imaginando como nossas cidades estarão daqui a quinze anos quando esses jovens e essas crianças forem adultos. É diferente da geração que veio do campo. Eles não tem porque lutar, se esforçar. A educação - e não é só no Brasil, tive contatos na Itália e na França – não aparece mais como uma via de crescimento.
[ Zé Dirceu ] No Brasil ainda nos próximos 30 anos vai aparecer. Na Europa é um fato.[ Ermínia Maricato ] Mas aqui atualmente é.
[ Zé Dirceu ] Mas se criarmos 2,5 milhões de empregos por ano abre perspectivas.
[ Ermínia Maricato ] Dá uma melhorada.
[ Zé Dirceu ] Se mudar a política tecnológica...
[ Ermínia Maricato ] Nós tivemos um gap na globalização. A absurda forma como o país se engatou na globalização... Nós tiramos um pouco da agenda a luta anticapitalista. A forma como a globalização impacta o país é tão violenta! Eu discuto isso com muitos colegas atualmente: enquanto nós tivemos muitas vitórias na esfera urbana no Brasil – nós tivemos dois artigos na Constituição (para a questão urbana), conseguimos o Estatuto das Cidades, a criação do Ministério das Cidades, a Lei de Consórcios, toda a legislação. Até o marco regulatório do saneamento que ficamos durante anos no limbo, saiu. Então, você tem o Fundo Nacional da Habitação de Interesse Social. Tem e agora, então, é retomar o investimento em habitação e saneamento. Quando você olha para as cidades, há piora na qualidade de vida, provocada pelo impacto do ajuste fiscal, do desemprego, do recuo das políticas públicas, da precarização da força de trabalho. É isso! Enquanto a gente colocava água de balde, eles tiravam de caminhão pipa! Nós não podemos nos esquecer o quanto o capitalismo tirou do país em juros da dívida, uma coisa monstruosa.
[ Zé Dirceu ] Só de juros entre 2004 a 2008, nós pagamos R$ 600 bilhões de juros da dívida interna. Se os juros fossem a metade, teriam sobrados R$ 300 bilhões para investir.[ Ermínia Maricato ] Quanto é o Bolsa Família?
[ Zé Dirceu ] Vai ser 18 bilhões.
[ Ermínia Maricato ] É uma sangria o que a financeirização fez. E é uma financeirização que não alimenta a produção. Um negócio...Uma lei para os pobres, outra para os ricos.
[ Zé Dirceu ] Você diria que mesmo na regularização fundiária não houve grandes avanços.[ Ermínia Maricato ] Não houve ainda. Mas uma das virtudes deste pacote é mexer nos cartórios. Há coisas imexíveis e outras que dá para mexer. Também os empresários entraram com a possibilidade de regularizar os loteamentos. Nós esperamos que não seja privatizando ruas públicas, mas isso vai depender um pouco... Tudo é possível. Porém oferece uma condição muito importante para uma prefeitura que queira fazer. Por exemplo, terras abandonadas. Se ninguém responder por uma terra que está abandonada ou ocupada você tem um procedimento mais célere. Agora, a regularização fundiária encontra uma resistência! É impressionante como se aplica a lei para pobre e para rico de maneiras diferentes. No campo a questão fundiária é pior ainda, e eu sou muito crítica à medida provisória que o governo fez de regularização da grilagem - é isso o que se fez.O que vejo aqui é uma resistência do judiciário muito grande. Às vezes, uma secretaria de meio ambiente tem condições de regularizar favelas urbanizadas e você está retirando o esgoto do córrego dentro de uma possibilidade que já existe, aprovada pelo CONAMA. No Brasil, parece que pobre não pode morar legalmente. Você tem 2 milhões de pessoas em área de proteção de mananciais.
[ Zé Dirceu ] Eles resistem? Que a favela regularizada trate o esgoto. Continuam tentando removê-la é isso?
[ Ermínia Maricato ] O que existe é uma atitude de “simplesmente não aprova”. E base legal para isso (aprovar) nós já temos. Acho que o programa dá um avanço nisso, porque existe resistência em vários níveis institucionais para você regularizar a favela depois de urbanizada. Enquanto você não regularizar depois de urbanizada, não terá base legal para exercer a fiscalização e aí, a favela vai para a quinta laje. Porque você não consegue exercer o chamado poder de política sobre o uso de ocupação do solo. No Brasil inteiro isso é um problema.O Favela Bairro no Rio de Janeiro levou água e esgoto para 300 mil pessoas. Isso não é banal. Agora não regularizou. Você tem uma imensa dificuldade no Brasil para dar uma condição legal ao uso do solo para os mais pobres.
[ Zé Dirceu ] Você é uma professora universitária titular da USP. Como você vê a contribuição da universidade com relação à cidade, a questão fundiária, de habitação e de transporte e o diálogo com a cidade e com o governo.
[ Ermínia Maricato ] Estou atravessando um período muito crítico em relação a todas as instituições brasileiras. Eu acho que a universidade deixa a desejar. Vejo as multinacionais muito presentes nas áreas de pesquisa na universidade pública, o que me preocupa.Em área que interessaao mercado, a lei se aplica.
[ Zé Dirceu ] É melhor legalizar, separar e institucionalizar de outra forma, como fizeram os chineses e coreanos que encontraram novas maneiras de fazer. A Lei de Inovação começou a tratar disso, mas diante da reação de que a relação entre universidade e empresa poderia gerar privatização, não se fez completamente.
[ Ermínia Maricato ] Em relação a todas as instituições brasileiras, eu me remeto muito ao Sérgio Buarque de Holanda que dizia “nós somos homens de palavras e não de ações”. É uma tradição livresca a nossa, que vem da área do Direito. A realidade é muito desconhecida. Isso na cidade é muito flagrante. Todo mundo acha que as favelas no Rio estão na zona Sul. A maior parte das favelas está na zona Norte do Rio. A pobreza é invisível. Você tem 2 milhões de pessoas em áreas de proteção dos mananciais e às vezes, tem gente que diz “tem que tirar porque está fora da lei”. Ora, as pessoas não estão lá porque são inimigas da lei e do meio ambiente, mas porque não cabem nem no mercado. As políticas públicas não cuidaram disso e por que elas vão para as áreas de proteção dos mananciais? Porque essa não interessa ao mercado. Em área que interessa ao mercado, a lei se aplica. Nas demais, não. Eu costumo dizer que é a lei de mercado e não a norma jurídica que funciona. E o mercado é essa coisinha pequena... Então, você tem problemas estruturais.
[ Zé Dirceu ] Como você está vendo a mídia em relação ao governo Lula?
[ Ermínia Maricato ] É difícil eu falar isso (o que está dizendo no blog) para o órgão de mídia, por exemplo, porque é o tipo de conclusão que exige ação. Eu tenho muito conhecimento empírico sobre o Brasil e quando o junto ao conhecimento teórico, penso “bom, mas a gente tem que dar esperança de que possa resolver”. E o que me incomoda muito é que a mídia tem nos pautado para “você é contra ou a favor do governo Lula?” Então, quando você dá uma entrevista, a complexidade do tema não aparece.As perguntas já são dirigidas. Foi o que eu escrevi em artigo para a Folha. Não estou defendendo o governo, mas dizendo que este problema não cabe ao governo federal resolver. E ao contrário, também estou fazendo crítica. Mas você não consegue e isso está empobrecendo terrivelmente o nosso contexto político. Fica a questão: você é a favor ou contra o governo Lula? Então você não consegue trazer para a mesa questões como “nós temos problemas estruturais que só uma luta de longo prazo resolverá”.A questão fundiária é uma delas. Claro que temos que fazer críticas à prefeitura que quer colocar os pobres fora da cidade. Todos concluem um modelo para a campanha eleitoral. Mas temos que fazer crítica e denunciar sempre. Até existem prefeitos que querem resolver o problema, mas aí enfrentam o patrimonialismo que está na Câmara Municipal, no mercado imobiliário.Temos que retomara luta anticapitalista
[ Zé Dirceu ] Como você vê 2010 e a sucessão do Lula? Há perspectiva de continuidade?
[Ermínia Maricato] Se a minha escolha for entre Serra e Dilma, eu não tenho a menor dúvida. Estou afastada de discussão eleitoral e acho que temos que retomar a luta anticapitalista. Estou muito frustrada com os partidos. A esquerda está num vazio. Há um buraco.É impressionante a falta de crítica em relação à saúde e educação de São Paulo. Ou em Minas (estados governados por tucanos). Foi aprovada pela Câmara Municipal da Capital paulista uma lei de concessão urbanística na cidade de São Paulo que privatiza a desapropriação de imóveis. Eu não sei como isso é possível. Quando você olha o noticiário internacional pensa “bom, o neoliberalismo foi para o espaço”. Porque na hora em que um estado vira sócio de uma montadora, estatiza banco, coisas que há um ano eram impensáveis... O que é que aconteceu?
[ Zé Dirceu ] E como isso se reflete em São Paulo, por exemplo?
[Ermínia Maricato] Nas nossas cidades as questões são impressionantes e ninguém as discute. O centro expandido da cidade de São Paulo está se esvaziando. A região de proteção dos mananciais está se adensando. O que nós temos que fazer é mudar essa rota que é uma tragédia. Estamos indo ao encontro do abismo. Temos que trazer a população de volta para o Centro. Mas qual população? A população sim de baixa renda e renda média que trabalha no Centro! O Centro Velho da cidade oferece 700 mil empregos e 500 mil pessoas moram lá. Vejam que coisa absurda. Se eu fizer a lista do que ele tem de hospitais, escolas, universidades...Agora, ali, você oferece emprego, de pequeno comércio. Pega a rua Santa Efigênia, Centro de São Paulo. Ela é perfeita. Mas, não! Os tucanos gostam mesmo é de shopping center, da grande empresa. Eles falam de pólo tecnológico com a IBM lá na Santa Efigênia. Como? A IBM não é uma produtora de empregos. O pólo da Santa Efigênia é! No pequeno comércio que sustenta Paris – já que todo mundo gosta de olhar para o exterior, como o Celso Furtado dizia “é o mimetismo”, então olhem - ninguém mexe nesse pequeno comércio porque ninguém quer matar a rua. O que é segurança? Segurança é a rua de pequeno comércio, você poder deixar a chave da sua casa com o padeiro para o seu filho.Aqui (São Paulo) o que eles fazem agora? A desapropriação pode ser feita pelo capital imobiliário. E o que teremos lá? Mais do mesmo dessa cidade formal e uma insensibilidade que é atroz à população que está indo para as áreas de proteção ambiental. Essa é a população que deveria estar vindo para o Centro da cidade. Não tem que destruir o que o André Malraux –Ministro da Cultura na França em 68 - inventou, a história do patrimônio banal. Não é só o patrimônio histórico ou artístico. O Centro tem um patrimônio e por que vamos destruí-lo? Por que não vamos reformar e trazer gente?

-extraído, autorizadamente, do site "blog do Dirceu" (http://www.zedirceu.com.br/) em 18/08/09

domingo, 9 de agosto de 2009

SALVE-SE QUEM PUDER, por Adriano Benayon

09.07.2009

EUA e dólar

De há muito temos advertido: manter a quase totalidade das reservas em títulos norte-americanos custará muito caro ao Brasil, sem falar na China e na Rússia, que acumularam ainda maior quantidade desses títulos.

Para o Brasil seria mais fácil liquidá-los enquanto não perdessem a maior parte do valor nominal. De fato, sendo, no caso, menor o volume que o daqueles países, as primeiras vendas não desencadeariam desvalorização tão grande dos títulos.

Há dificuldade crescente de o Tesouro dos EUA conseguir compradores para a maior parte dos títulos que precisa emitir a fim de: 1) cobrir o crescente serviço da dívida federal: 2) continuar investindo no poderio militar imperial; 3) adquirir trilhões de dólares de títulos podres, como os derivativos, limpando os balanços de bancos que deveriam falir; 4) comprar ações desses bancos e de empresas industriais, sem, incrivelmente, assumir o controle.

A dívida federal chegou a US 11,5 trilhões em 30 de junho, tendo-se elevado em US$ 2 trilhões nos últimos 12 meses. O déficit federal dos EUA aproxima-se de US$ 2 trilhões, e diante das perspectivas de insolvência e de inflação, tem subido a taxa de juros, especialmente nos títulos de médio e longo prazo, o que, por sua vez, eleva o déficit.

Assim, parte crescente dos rombos tem sido “fechada” com emissões de moeda pelo FED, o banco central dos EUA, de propriedade de grandes bancos privados, os causadores do colapso financeiro, com que, de resto, lucraram ao criar os títulos podres.

Forma-se a hiperinflação, que só não se manifestou ainda nos preços de bens e serviços devido ao declínio da procura por causa da depressão.

O déficit cresce também com a queda da arrecadação fiscal, devido ao declínio da atividade econômica e do emprego. Com 467 mil demissões em junho de 2009, acumulam-se quase 7 milhões de novos desempregados desde dezembro de 2007, sem incluir o setor agrícola. A taxa de desemprego chegou a 9,5%, tendo quase dobrado desde junho de 2007.

Tal como numa República bananeira, ou pior, o Secretário do Tesouro, Geithner, apela aos bancos socorridos com dinheiro público, para que ajudem o governo a cobrir o déficit, adquirindo seus títulos. Espera que o presidente faça alguns telefonemas neste sentido: “comprem nossos títulos, ou a música vai parar”.

Ou seja: para dar dinheiro a bancos privados (cerca de U$ 12 trilhões até o presente), o Tesouro dos EUA emite títulos públicos[1], pagando juros, e pede aos bancos que, com o dinheiro, comprem esses títulos, sobre os quais eles ganharão juros.

É algo semelhante ao que se faz, há muito tempo, no Brasil, sendo as únicas diferenças: 1) o nível absurdamente alto das taxas de juros no Brasil; 2) não ser aqui o Banco Central privado, embora esteja igualmente a serviço dos bancos. Nos EUA o FED é privado, desde dezembro de 1913.

Desenlace próximo

Ao contrário do que propalam os economistas “bem comportados” e a grande mídia, os apuros dos bancos, principalmente nos EUA e na Europa, tendem a ressurgir de modo ainda mais intenso do que nos dois primeiros anos do colapso financeiro. Assim, o FED emitirá moeda em quantidades ainda mais espantosas do que já tem feito, para cobrir os novos rombos.

A propósito, os grandes bancos - que mandam no governo – têm usado o dinheiro que escandalosamente receberam dele, para fomentar novas bolhas, especulando em ações e na securitização, i.e., na criação de títulos, em que são empacotadas dívidas de empréstimos, inclusive referentes a novas hipotecas, e de cartões de crédito.

Tudo isso leva à mesma conclusão: não haverá, dentro de pouco tempo, mais como conter o afundamento do dólar, que vinha sendo evitado com a ajuda de grandes detentores estrangeiros de títulos estadunidenses.

Golpe mundial

Esse é o pano de fundo, oculto nos grandes meios de comunicação, das manobras da oligarquia anglo-americana para estabelecer a moeda internacional única. Isso significa consolidar e tornar mais absoluto o governo mundial, que já vem sendo exercido de fato por aquela oligarquia em grande número de países de todos os continentes.

Por incrível que pareça, a oligarquia aumenta sua concentração de poder não só nas conjunturas de produção em alta, mas também – e mais ainda – nas crises. As dinastias do poder real têm historicamente suscitado os colapsos financeiros e as depressões, para intensificar a concentração e para fortalecer-se institucionalmente.

Com crise aguda em 1907, os senadores e representantes ligados à oligarquia obtiveram no Congresso dos EUA a criação de Comissão Monetária Nacional supostamente para disciplinar o sistema financeiro.

A partir daí o grupo de grandes banqueiros norte-americanos e britânicos fez aprovar, de modo turvo, pelo Congresso, na calada das vésperas do Natal, a criação do Federal Reserve Bureau (o FED), imediatamente sancionada em lei, de 23 de dezembro de 1913, pelo presidente Woodrow Wilson, entrosado com a conspiração.

Esse foi o golpe inconstitucional que fez usurpar do governo dos EUA o poder de controlar a moeda e o crédito, em favor de um cartel de banqueiros privados. Foi precedido de intensa campanha, com a “justificativa” de que era necessário controlar o sistema financeiro em face dos abusos ocorridos em várias depressões desde 1873.

E o que está acontecendo agora nos EUA? O presidente Obama propõe plano para conceder ao FED, que é privado e não presta contas a ninguém, poderes totais de fiscalização e controle sobre os bancos e sobre toda a economia norte-americana.

As regras propostas garantem ao FED autoridade para regulamentar qualquer companhia cuja atividade lhe pareça ameaçar a economia e os mercados. O analista Harry Schultz traduz: “qualquer empresa que ‘ameace’ os interesses monopolistas dos banqueiros.”

Assinalam P. Joseph e S. Watson: “A reforma de regulamentação de Obama não passa de luz verde para que o cartel de bancos privados assuma por completo o controle dos EUA, usurpando os poderes das instituições de regulamentação existentes, as quais estão sendo recriminadas em face da crise financeira, a fim transferir esses poderes para o todo poderoso FED.”

“O governo deseja entregar tudo a uma corporação privada monolítica, a um bando de banqueiros que engoliram dinheiro dos contribuintes em quantia quase igual ao PIB e que estão dando uma banana à pergunta de para onde foi esse dinheiro.”

* Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras. abenayon@brturbo.com.br


[1] Claro que a maior parte daquele dinheiro foi arranjado com a emissão de moeda, privilégio pertencente ao FED, junto com os ganhos dele decorrentes.
- Publicado em A Nova Democracia, nº 55, agosto de 2009 - recebido para publicação 09/08/09