CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO


CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO



Mantemos a recomendação do vídeo de Jean-Luc Godard, com sua reflexão sobre a cultura européia-ocidental, enquanto a agressão injusta à Nação Líbia perdurar.




Como contraponto à defesa de civis pelos americanos, alardeada em quase todas as recentes guerras de agressão que promovem, recomendamos o vídeo abaixo, obtido pelo Wikileaks e descriptografado pela Agência Reuters

sexta-feira, 20 de março de 2009

O sequestro em Fernando de Noronha que a Nova Fronteira e a Record não puderam contar, por Hélio Fernandes

*** A coluna abaixo está sendo republicada neste Blog, transcrita do Jornal "Tribuna da Imprensa", on line, deste 20 de março de 2009, ainda sem a autorização do autor.
Tomamos a liberdade de republicá-la não só em homenagem ao grande Jornalista e brasileiro Hélio Fernandes, mas principalmente como uma homenagem ao ser humano na sua mais refinada essência, tão manifesto neste texto de 1967. Nele, há um retrato sútil e ao mesmo tempo escancarado de toda uma época. Há, também, ironicamente, uma sarcástica alegoria. O autor, degredado em Fernando de Noronha à força e por força de suas convicções, vê-se, permanentemente, no instante atroz do si consigo, e questiona tudo, não sem um justificável amargor. Nosotros, degredados permanentemente nas ilhas mais variadas desse arquipélago do individualismo, da falta de sentimento coletivo e da noção de pertencimento a algo mais que nós próprios, carecemos de reflexões como estas do prezado Hélio. Para quê? Para não naufragarmos de vez. - Mateus, pelo Blog. ***



O sequestro em Fernando de Noronha que a Nova Fronteira e a Record não puderam contar
Sentado diante da máquina de escrever, cercado de solidão por todos os lados, perdido numa ilha que semrpe foi tida por maldita, incomunicável pela vontade dos homens e pela decisão irrecorrível da natureza, sou um homem nu diante de mim mesmo, assaltado por todas as dúvidas e por todas as indecisões.
Um homem que aos 11 anos não tinha o que comer nem onde morar, e que dormia em cima de uma mesa de bilhar em troca de varrer todo um vasto café e restaurante, e que aos 44 anos se vê na contingência de transmitir as reminiscências que sobraram da aplicação ilusória de uma violência, sente-se confuso e atordoado como alguém isolado no meio de uma multidão sem rosto, onde cada qual procura salvar não apenas o que restou de si mesmo, mas o que sobrou dos seus sonhos e das suas esperanças. E a grande dúvida não será respondida por ninguém, durante muito tempo: terá sobrado alguma coisa, de alguém?
Nesta ilha maldita e selvagem, talvez o maior tormento e o maior pesadelo seja mesmo o tempo que sobra para meditação. Como dizer alguma coisa, se ninguém tem certeza de nada? Como ser atual, se ninguém sabe definir sequer o que é atualidade, quando apenas os jovens de menos de 20 anos parecem ser os únicos sensatos num mundo que naufraga irremediavelmente numa tempestade de desânimo, de falsidade e principalmente de hipocrisia.
Os jovens pelo menos são autênticos, dizem o que sentem, submetem-se ao seu próprio julgamento, fazem o que querem, sem se preocuparem de forma alguma com a opinião dos outros ou até com a sua própria imagem refletida no espelho em frente. E alguns, nem querem saber se existe espelho ou até mesmo se existe alguma coisa na frente deles.
Como será o mundo do futuro? O que é mais importante para os militares de todos os países: fabricarem guerras ou fabricarem frustrações? Se fabricarem guerras, estarão transformando o mundo num vasto cemitério, e não se libertarão do remorso. Mas se não fizerem guerras, estarão fabricando frustrações, pois como a guerra é a sua profissão, correm dois riscos que não podem nem sequer discutir ou pôr em dúvida: ou ficarão desempregados, ou estarão ganhando sem trabalhar.
E então, toca a fabricar discórdias, no Vietnã, no Cambodja, no Laos, em Israel, na China, na Bolívia, no Brasil, em todos os lugares. E por trás deles (transformados apenas em inocentes úteis de uma utilidade provada e duma ingenuidade que chega a ser inacreditável), o famoso complexo industrial-militar, os poderosos senhores dos armamentos.
Mas estes também são profissionais, também querem se realizar, fazer prosperar o seu negócio. Desde que a humanidade aceita que existam fábricas de armas, é natural que os que vivem de fabricá-las queiram cada vez mais guerras, pois senão não poderão aumentar a sua produção. E no capitalismo e no anticapitalismo, no fascismo e no comunismo, quaisquer que sejam os regimes, o Deus do mundo não é a produção?
Então, é natural que Krupp, Thissen e outros senhores das formidáveis máquinas de matar queiram cada vez mais assassinos, embora assassinos legalizados, e como James Bond, "com licença para matar". Mesmo que sejam chamados de patriotas e sejam condecorados cada vez que conseguem matar mais gente do que o seu rival ou até mesmo do que o seu amigo mais próximo.
Nesse mundo enlouquecido e perplexo, o importante não é saber quantos morrem. O importante é saber quem matou mais, para providenciar imediatamente a condecoração consagradora.Falem em controle de natalidade com um fabricante de berços, e ele se insurgirá com argumentos que até agora, provavelmente, não ocorreram nem mesmo aos americanos na Amazônia. É natural. Ele está defendendo o seu negócio, e quanto mais gente nascer mais berços ele fabricará.
Por outro lado, digam a um fabricante de caixões que o avanço da ciência está tornando a vida cada vez mais longa, que cada vez se morre menos, e ele irá para casa preocupado. Quanto mais honesto e responsável chefe de família ele for, mais preocupado ficará com o fato dos outros estarem morrendo cada vez mais raramente.
É que fazer caixões é o seu ganha pão, e se ninguém morrer, como é que ele sustentará os filhos, manterá a aparência de lar que conseguiu montar não se sabe à custa de que sacrifícios? Se for dotado de humor negro, poderá até exclamar nas conversas dominicais, diante de vizinhos não tão afortunados: "Tudo o que eu tenho é porque "matei-me" de tanto trabalhar".
Não creio que a salvação dos homens venha da meditação, como não acredito que o mundo do futuro seja plasmado ou fabricado em nenhum laboratório. Os homens, individualmente, não escolhem o seu destino, e as nações, coletivamente, impedem que as outras tenham sequer o direito de pensar num destino digno. Quero dizer: as mais fortes esmagam até o pensamento das mais fracas. E aonde levará tudo isso? Pois apesar de saber que a salvação não virá do pensamento, o último e talvez o único refúgio do homem ainda seja o pensamento.
De contradição em contradição aonde chegaremos? À tortura da busca de uma realidade que não existe e não existirá jamais, pois não está em nós mesmos nem em lugar algum? A uma comodidade fictícia, que muitos confundem com felicidade, mas que na verdade é apenas uma ilusão, pois os ricos são tão infelizes quanto os pobres, com a agravante de que as suas infelicidades dão manchetes de jornais no mundo todo?
Quem é mais importante: o soldado que empunha a arma, ou o general que comanda? Sem o general poderá haver o soldado? E sem o soldado, poderá haver o general? Tudo é dúvida, tudo é indecisão, a única realidade, e essa, indestrutível, é a solidão que me cerca.
Hoje é o dia 2 de agosto de 1967, são 19 horas, a escuridão tomou conta da ilha. Minha mulher foi embora (pois sendo indispensável nos dois lados, comigo e com as crianças, era lógico que ficasse com elas) e estou sozinho nesta terrível ilha de Fernando de Noronha, que o medo dos homens escolheu para refúgio dos que têm coragem.
Mas como tenho apenas a coragem cívica e não física, como não estou interessado num duelo de bravura com ninguém, confesso com a maior serenidade: estou com medo. Mas não com medo dos homens e das coisas, com medo do mundo ou dos seus pesadelos, com medo de ameaças ou de intimidações. Estou com medo do tempo que não passa nunca, desse silêncio opressivo que devora até o diálogo que eu gostaria de manter comigo mesmo, medo das horas que fluem docemente, quando eu gostaria que elas corressem tumultuadamente.
Cada vez que consulto o relógio, pensando que já se passaram duas horas, constato assombrado que transcorreram apenas 10 minutos. Amaldiçoo os relojoeiros suíços, pela vigésima vez dou corda no relógio, uma corda que já não aguenta mais ser movimentada, e finalmente encontro a solução: escondo o relógio no fundo da mala, embaixo de todas as roupas, pois assim tenho a ilusão de estar derrotando o tempo, e mergulho na leitura de Hemingway.
Mas a primeira frase lida ("o pensamento é o inimigo do sono") faz retornar toda a confusão, volta a tumultuar o meu pequeno mundo de zinco e caixotes de madeira. Como escolher entre a insônia e o pensamento se estou igualmente, meio-a-meio, dominado pelos dois e não me resta nem o direito à opção?
Esse duelo entre o silêncio e a vontade de dialogar; entre a insônia e o pensamento; entre a sensação de inutilidade aqui e a convicção de que poderia ser útil em outro lugar, durou precisamente 30 dias, do primeiro ao último dia que passei nessa ilha maldita, nessa ilha amaldiçoada pela maldade dos homens, e que serve para agravar ainda mais a maldade dos que detêm o Poder apenas para satisfação, uso e gozo de suas convicções pequeninas.
Mas mesmo sendo uma ilha maldita e amaldiçoada, não queria abandoná-la a não ser para trocá-la pela liberdade, para que, permanecendo lá, toda a responsabilidade política recaísse sobre os que provocaram o meu degredo. Mas, isso já é matéria de outro capítulo.
Por enquanto, o que importa é contar aos leitores as minhas reflexões desses 30 dias, reflexões que começam e terminam no silêncio, desabam inesperadamente no vazio de longas noites sem esperança e sem consolo.
PS - Assim que cheguei ao Rio, já se sabia que trazia um livro pronto. Alfredo Machado (Editora Record) me procurou, dizendo: "Helio, o Carlos Lacerda está dizendo que vai editar o teu livro. Eu e você somos amigos antes de conhecermos o Lacerda".
PS 2 - Nem precisei decidir, a palavra VETO foi colocada pela própria ditadura. Todos foram devidamente intimidados, editores e distribuidores. Como o livro é importante, e gerações e gerações não sabem o que aconteceu, acho que vai sair, não demora muito.

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