CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO


CONTRA O LATROGENOCÍDIO DO POVO LÍBIO



Mantemos a recomendação do vídeo de Jean-Luc Godard, com sua reflexão sobre a cultura européia-ocidental, enquanto a agressão injusta à Nação Líbia perdurar.




Como contraponto à defesa de civis pelos americanos, alardeada em quase todas as recentes guerras de agressão que promovem, recomendamos o vídeo abaixo, obtido pelo Wikileaks e descriptografado pela Agência Reuters

sábado, 12 de dezembro de 2009

INFORMAÇÕES IMPORTANTES SOBRE O CÂNCER, por Coletivo Brasil

Vejam no slide sediado no endereço " http:www.slideshare.net/mspnet/hospital-john-hopkins-eua-456928 " importantes informações do Hospital John Hopkins (EUA) sobre o Câncer e formas de combatê-lo.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

"PAÍS OCUPADO", por Adriano Benayon

Adriano Benayon * – 23.10.2009

O Financial Times, em 19.10.2009, disse que o Brasil é a potência do Século XXI a ser observada. Dois dias depois, comentando o IOF de 2% sobre o ingresso de capitais estrangeiros, o mesmo jornal sustenta que isso decorre do “êxito” do Brasil. O aspecto mais enganoso dessas avaliações é a suposição de o capital estrangeiro ser benéfico para o País.

A imprensa ligada ao establishment oligárquico não pára de exaltar o desempenho do Brasil. Não é novidade elogiarem, sempre que bancos e transnacionais recebam todas as facilidades e subsídios para se apropriar das riquezas do País. Ademais, estão de olho no petróleo do pré-sal.

A indústria brasileira começou a ser liquidada, em 1954, por meio do golpe udenista-militar que, pela segunda e definitiva vez, afastou o presidente Getúlio Vargas. Dias depois do golpe foram criadas vantagens absurdas em favor do capital estrangeiro. JK não só as manteve como as ampliou. Eleito, antes da posse, foi ao exterior para atrair ‘investimentos’ estrangeiros.

De 1964 a 1966, medidas brutais foram adotadas para acelerar a liquidação de indústrias de capital nacional. No início dos anos 70 Delfim Neto concedeu mais subsídios desmedidos às transnacionais, especialmente para a exportação.

Os resultados, em menos de 20 anos (1954-1974), foram documentados em relatórios como o de Newfarmer e Mueller para a Comissão de Assuntos Estrangeiros do Senado dos EUA, 1975: intensa concentração da oferta nos setores industriais nas mãos de três a quatro empresas; predomínio das multinacionais.

Sem quase nada investir as transnacionais ocuparam os espaços durante os falsos milagres econômicos (1956-1960 e 1969-1974). Ficou tudo por conta do Estado. A prodigalidade deste levou o País a pesado endividamento. Os programas hidrelétrico e siderúrgico e obras da infra-estrutura foram feitos sob dependência tecnológica e financeira, com importação de máquinas e equipamentos sobre-avaliados, onerados por “serviços” e tecnologia não-absorvida, em pacotes fechados.

Aos “milagres” seguiam-se ressacas, agravadas por políticas fiscal, monetária e de crédito restritivas, a pretexto de combater a inflação, às expensas dos assalariados e das empresas de capital nacional. Isso as inviabilizou, fazendo-as fechar ou ser compradas pelas estrangeiras, a preços risíveis.

Ao final do segundo “milagre” (1975) o Brasil caminhava para o desenlace, em 1982, da dívida externa, que crescia impulsionada pelos mecanismos da agiotagem, mesmo com a queda nos investimentos produtivos.

Veio o colapso das contas externas, as moratórias e os acordos extorsivos ditados pelo cartel dos bancos “credores” com total conivência do “governo” do Brasil, que se omitiu diante da proposta argentina de criar um clube de devedores com o Brasil e o México.

Isso propiciou as intervenções do FMI para estancar os investimentos públicos, que haviam sustentado o crescimento. Foi arrasado o que restava da capacidade de sobreviver das médias e grandes empresas de capital nacional. O resultado, mais tarde, foi que a participação das transnacionais sobre o faturamento total de dezoito cadeias industriais atingisse 36% em 1996 e saltasse para 52% em 2000.

Após dominar a indústria, as transnacionais apropriaram-se das estatais com as privatizações. A União Federal praticamente nada recebeu por elas e gastou centenas de bilhões de reais para entregá-las. Cartéis estrangeiros apossaram-se dos serviços públicos, como energia, água, saneamento, telecomunicações, cujas tarifas se elevaram muito acima da inflação.

Houve, ainda, as escandalosas doações de bancos, inclusive o maior banco estadual do Mundo, o BANESPA, ao Santander, espanhol, teleguiado por Londres. Outro expoente do imperialismo britânico, o HSBC, ficou com o Bamerindus. O holandês AMRO, com o Banco Real. Hoje, dos sete maiores bancos privados cinco são estrangeiros, e o Banco Central - na prática, acima do governo – proporcionou-lhes os juros mais altos do mundo e lucros jamais vistos.

As estatísticas subestimam o grau de controle da economia brasileira pelas transnacionais. Consideram como tais só as empresas com maioria oficial de capital estrangeiro, tomando por nacionais as participações dos laranjas ou testas-de-ferro, além de ignorar a propriedade das ações ao portador.

Exemplos são as portentosas PETROBRÁS e Vale do Rio Doce. Na primeira, o controle não é de estrangeiros, mas a participação destes no capital tornou-se elevadíssima. Mais ações são negociadas em Nova York que na BOVESPA, devido à deletéria lei 9.478, de 1997, uma das desastrosas medidas ditadas do exterior durante os oito anos de FHC.

Na VALE tudo é obscuro. Os fundos de pensão são os maiores acionistas. O controle oficial seria do BRADESCO, em parte nacional, mas a participação estrangeira tem conotações estratégicas que transcendem os meros percentuais da contabilidade acionária.

Em grande número de empresas, mesmo abstraindo os laranjas e as ações ao portador, participações abaixo de 50%, e bem menos, são suficientes para que a transnacional tenha o poder decisório. A propriedade da tecnologia é um dos fatores para isso.

A partir da fatídica presidência de FHC, o BNDES deixou de financiar estatais e passou a beneficiar empresas estrangeiras, inclusive nas negociatas das privatizações. Atualmente elas são as maiores tomadoras do crédito desse estupendo banco.

As transnacionais vêm, nos últimos quinze anos, ocupando de maneira intensa os poucos setores em que não tinham presença dominante, como informática, agronegócio, comércio varejista, turismo e hotelaria.

É com base em estatísticas subestimadoras do controle estrangeiro que, por exemplo, Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, disse, em entrevista de 23.03.2009, que o capital estrangeiro controla 25% do PIB brasileiro e mais de 40% da produção industrial e das exportações.

Aduz que essa proporção é 60% na indústria de bens de capital e na automotora, uma subestimação grosseira, pois praticamente 100% desta pertencem às transnacionais, tendo a política econômica e decisões do governo feito fechar as fábricas nacionais. Nas autopeças, o percentual das brasileiras caiu para menos de 20%. Antes de 1990, era superior a 50%.

Gonçalves reconhece que o Brasil ficou com reduzida capacidade de resistir à crise global, afirmando: “A atuação das empresas depende das matrizes, que se aproveitam do resultado das melhores filiais. As cadeiras produtivas das montadoras dependem do mercado internacional em 19,5%. Como é uma cadeia produtiva muito significativa, pega desde a pecuária na produção de couro, para os bancos dos automóveis, até química, plástico, borracha, metalurgia, siderurgia e eletroeletrônica.”

“Essa cadeia produtiva tem como eixo estruturante as montadoras, e quando há problema lá fora, há um rearranjo nos fluxos financeiros via remessa de lucros e dividendos, repatriação de capital, pagamento de patentes, empréstimos intercompanhias, uso da tesouraria para cobrir buracos externos ...”

Carlos Lopes, do Hora do Povo, observa:

“As telecomunicações, a distribuição de energia elétrica, a distribuição de gás, as Tvs a cabo (através de ‘laranjas’) são casos notórios. Mas não são apenas esses setores ..." “O leitor já ouviu falar nas empresas norte-americanas General Growth Properties (GGP), CB Richard Ellis, no Becker Group ou na canadense Ivanhoe Cambridge? São empresas que possuem provavelmente a maior parte - dos shopping-centers instalados no nosso país.”

“Nem vamos falar dos supermercados - onde o americano Wall-Mart, o francês Carrefour e o meio-francês Pão de Açúcar monopolizam o comércio...”

“Recentemente as 145 lojas da Rede Quero Quero, que vende material para construção civil e mais quase tudo que se possa imaginar no Sul do país, passaram para a propriedade do fundo norte-americano Advent. O grupo francês Louis Dreyfus é um dos maiores produtores de açúcar e álcool - depois de adquirir as usinas do grupo pernambucano Tavares de Melo.”

Ao contrário do que imagina Lopes, os investimentos estrangeiros de antes não eram melhores que esses, apesar de serem originais e produtivos. Por isso mesmo não devem ficar sob controle tecnológico e financeiro estrangeiro. Além disso, o Brasil pagou fortunas por equipamento sucatado pelas matrizes das transnacionais, que o registravam a valores altíssimos como investimento direto estrangeiro, tomavam conta do mercado e passavam a importar insumos a preços superfaturados e a arranjar n formas de transferir dinheiro para o exterior a título de serviços, superfaturados e até fictícios.

No próximo artigo quantificarei as remessas de lucros das transnacionais, tanto as oficiais - que têm crescido enormemente - como as mascaradas, realizadas a quinze títulos diferentes em contas do comércio exterior, de rendas e de serviços, que enumero no capítulo 7, “Empresas transnacionais e transferência de recursos” do livro “Globalização versus Desenvolvimento”.

* - Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras. abenayon@brturbo.com.br

Publicado em A Nova Democracia nº 59, novembro de 2009, e recebido para republicação pelo blog em 11/11/09

terça-feira, 10 de novembro de 2009

"Querem desmoralizar quem faz luta social nesse país", entrevista de João Pedro Stédile para o Blog do Zé Dirceu

-A conclusão - e diagnóstico da reforma agrária - é da maior liderança nacional do MST, economista João Pedro Stédile, ao analisar a campanha difamatória da mídia e da oposição contra o movimento e sua luta pela terra.
"Querem desmoralizar quemfaz luta social nesse país"A conclusão é do ativista e economista João Pedro Stédile, um dos fundadores e uma das mais representativas vozes, hoje, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ao analisar a campanha difamatória perpetrada pela mídia e oposição brasileiras que colocou o MST no centro das discussões nacionais, e conseguiu a instalação de uma CPI contra a organização. Segundo Stédile, "o principal objetivo da CPI do MST é provar que o governo vai destinar dinheiro para o MST para fazer campanha para a (ministra) Dilma Rousseff", o que, na realidade, constitui-se na construção de mais um factóide pela mídia e oposição. A Comissão é também, na avaliação de Stédile, uma resposta dos setores retrógrados da sociedade brasileira à vitória dos movimentos do campo que, junto ao governo, conquistaram a alteração dos índices de produtividade utilizados pelo INCRA. Quanto ao episódio da ocupação da fazenda do grupo Cutrale e a derrubada de laranjais, Stédile reconhece que houve erro, mas aponta a superexposição do episódio na mídia. Denuncia, inclusive, que a invasão da casa de funcionários e a quebra dos tratores por ocupantes da fazenda é uma mentira. De acordo com o relato de Stédile, as imagens exploradas pela mídia foram feitas muitos dias antes que começassem a ser apresentadas e que aqueles que as fizeram aguardaram o momento que julgaram mais oportuno para exibí-las e criar o sentimento que levou ao recolhimento e obtenção das assinaturas parlamentares para a CPI.Membro da direção nacional do MST - e também da Via Campesina - Stédile faz um diagnóstico da situação agrária no país. Fala sobre a importância da agroindústria e critica a ausência de uma política clara e focada na agricultura familiar em detrimento do agronegócio. Este, segundo o economista, está hoje monopolizado nas mãos de 20 empresas, 70% delas, transnacionais. Nesta entrevista, o ativista também analisa a contexto americano após a vitória e posse de Barack Obama e o próximo ano eleitoral. Mais urgente do que declinar apoio a um candidato, observa, é a discussão de um projeto de desenvolvimento nacional que inclua, de vez, a reforma agrária na agenda.

[ Zé Dirceu ] Qual a avaliação que você faz da reforma agrária no governo Lula?
[ Stédile ] É difícil fazer esse balanço isolado do contexto maior da disputa na sociedade brasileira, hoje, entre dois modelos de produção agrícola, o agronegócio e a agricultura familiar. O agronegócio, na nossa avaliação, é hoje uma aliança de classes entre os fazendeiros capitalistas, as empresas transnacionais e os bancos. Sua produção depende cada vez mais do crédito financeiro. Tanto é que para produzirem R$ 90 bi, eles tiram no Banco do Brasil, R$ 85. Se não tiver esse dinheiro, não produzem porque não têm capital próprio.Por outro lado, há o modelo da agricultura familiar, diversificado e com base na mão de obra familiar, no uso intensivo da terra e voltado para o mercado interno. A reforma agrária só tem sentido se for para fortalecer esse segundo modelo. Na realidade, o que houve no governo Lula, foi um embate permanente entre esses dois modelos, com ministros dos dois lados. Por mais que se diga “é possível a convivência dos dois”, o governo precisava ter uma orientação política clara: “a minha prioridade é a agricultura familiar e o agronegócio que vá para o mercado."Isso ele não fez. Deixou que as forças do capital agissem por conta própria na agricultura, o que construiu barreiras, porque o capital foi se fortalecendo com esse modelo do agronegócio. O resultado disso veio agora no Censo Agrícola do IBGE. Nos últimos dez anos - parte do governo Fernando Henrique e todo o governo Lula - houve uma incontestável concentração na propriedade da terra e no controle da produção agrícola.
A produção do agronegócio 
éconcentrada por 20 empresas O MST utiliza um dado econômico revelador: o agronegócio conta com 300 mil fazendas com mais de 200 hectares e com 15 mil latifundiários que detém fazendas acima de 2,5 mil hectares e possuem 98 milhões de hectares. Esse é o conjunto do agronegócio que produz R$ 90 bi do PIB agrícola no país. Se você olhar para quem eles vendem, descobrirá que 20 empresas, hoje, controlam todo o comércio agrícola brasileiro, tanto o de insumos (para financiar a produção), quanto o de commodities. Dessas 20 empresas, 70% são transnacionais e o PIB delas – segundo dados do Valor Econômico - atinge R$ 112 bi a R$ 115 bi.
Claro que tem a margem de lucro. Mas podemos perceber o movimento do capital. Toda a produção do agronegócio é concentrada por 20 empresas que acumulam essa riqueza que vem da natureza. Nisso destaca-se, também, o movimento do capital que levou a uma maior oligopolização da agricultura. Há vários segmentos que se constituem em oligopólios, um nos fertilizantes, outro nos venenos agrícolas, outro nas máquinas, no comércio etc.Por exemplo, nós somos os maiores produtores de soja mundial enquanto território, mas vai ver quem exporta. Quem controla a soja no Brasil, hoje? Cinco ou seis empresas a Bunge, a Monsanto, a Cargill, a Dreyfus e a ADM do Brasil. Elas ficam com a maior parte da margem de lucro. É por isso que nós até damos risada, porque a burguesia agrária - essa que se diz representante do agronegócio - não tem consciência de classe para si. Se tivesse, teria que se unir com os camponeses e os trabalhadores agrícolas, para juntos, enfrentarmos essa espoliação feita pelas transnacionais. Mas não, ela prefere se unir exatamente com as transnacionais e dar pau em nós e na reforma agrária. Esse é o contexto e o governo Lula, como é um governo de composição de classes e de uma correlação de forças muito equilibrada, é o reflexo dele.

[ Zé Dirceu ] Pensando em uma proposta de desenvolvimento nacional, qual o papel de cada setor no campo, considerando o agronegócio, a agricultura familiar e a reforma agrária, processos em andamento, nos próximos anos? Num governo que tivesse condições de fazer mais políticas...[ Stédile ] O grande desafio que temos nesse período histórico - nem é conjuntural – é que o Brasil precisa de um projeto que reorganize a economia para resolver o problema do povo brasileiro. Um projeto que, do ponto de vista político, recupere as massas como atores políticos. E a reforma agrária está emperrada justamente porque só fazer assentamentos nos moldes tradicionais do INCRA não tem futuro, porque está descolado de um projeto. A reforma agrária só tem futuro se for parte de um projeto de desenvolvimento econômico, social e político de todo o país.Se fizermos a reforma agrária com a agricultura popular dentro desse projeto, precisaremos de uma nova concepção que parta de alguns princípios e vontade política. Por exemplo, (por esse projeto) nós vamos fixar o homem no interior, combater o êxodo rural. As cidades brasileiras não agüentam mais esse inchaço. Nós faremos um processo de distribuição de renda para que os trabalhadores tenham mais dinheiro e comprem mais produtos da indústria, ativem o mercado interno. Dentro desses parâmetros - parte de um projeto diferente e prioritário - qual seria o nosso papel enquanto agricultura familiar?Primeiro: evidentemente que em algumas regiões do Brasil, você tem que priorizar o processo de distribuição de terras. Não precisa ser em todo o país. Nós temos terra para todos, mas em algumas regiões, é preciso uma intervenção do Estado, uma intervenção clara que combata o latifúndio e garanta uma democratização do acesso à terra. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, há terras férteis, todos os climas, mas precisamos da intervenção do Estado para fazer uma grande reestruturação fundiária. Na Zona da Mata no Nordeste, a mesma coisa. É um absurdo continuarmos com a cana de açúcar, há 500 anos espoliando aquele povo. Aquilo é semiescravidão. Portanto, é preciso regionalizar, o que aliás está em todos os processos de reforma agrária.É preciso distribuir terras e garantir a agroindústria
Segundo: é inviável distribuir terras sem combinar com a agroindústria. Ela é a única maneira de o camponês aumentar sua renda, porque se continuar produzindo apenas matéria-prima, ele não sairá da pobreza. Então tem que haver um grande programa que leve a agroindústria para o interior. Este sim é e deve ser um componente do projeto nacional.Ao invés do BNDES dar dinheiro para grandes multinacionais como a Nestlé, Parmalat, por que não fazer um grande programa de pequenas agroindústrias? Não há problema de escala na agroindústria. Não é como uma fábrica de automóvel que exige 30 mil automóveis/dia. Pode ser uma usina de 5 a 30 mil litros, por exemplo. É para isso que precisamos dos milhões dados à Nestlé. Então, que se faça um programa para a agroindústria. E como ela é pequena, de pequeno agricultor, tem que ser sob a forma da cooperativa. Com isso, já elevaríamos o nível de consciência, porque quando o cidadão participa de uma cooperativa ele se transforma em outro cidadão. Participa de assembléia... E tem emprego para o jovem - porque o jovem, filho de camponês, não quer pegar na enxada. E ele tem razão, tem que estudar. Se houver uma política de agroindústria no interior, ele terá emprego como tratorista, analista, trabalhador de informática. Você leva profissões escolarizadas para o meio rural, ao invés de trazer a população do meio rural para as cidades.Quarto componente do nosso projeto: a educação. Nós temos que democratizar a educação. O dado do censo agropecuário é uma porrada na nossa cara: 30% dos trabalhadores rurais brasileiros são analfabetos; 80% não terminou o ensino fundamental. Isso é inaceitável. A reforma agrária é inviável se junto você não entrar com a escola. É isso que vai libertar as pessoas, politizá-las e transformá-las em cidadãs. Qual é a política atual? Por exemplo, financiar peruas e vãs para tirar o jovens do interior e trazer para a cidade. Isso é uma loucura, uma agressão cultural, econômica e um desperdício de dinheiro. O menino fica duas horas para ir e mais duas para voltar.Quinto aspecto: mudar a matriz tecnológica do campo. Ao invés de utilizar a matriz atual do agronegócio - já condenada porque baseada só em mecanização intensiva e agrotóxico que não tem futuro (eles mesmos dizem isso) – temos que mudar para uma matriz que consiga aumentar a produtividade do trabalho e também a física, dos hectares, sem agredir a natureza. Genericamente, nós utilizamos o conceito de agroecologia. As pessoas a concebem através de técnicas agrícolas para aumentar a produção do trabalho e física, sem agredir o meio ambiente.A vantagem do Brasil é que nós temos já um suporte científico acumulado, nas universidades, inclusive, que nos dá base científica para fazer a agroecologia.Recentemente visitei o sítio Catavento, uma área recomendada pela querida Ana Maria Primavesi, uma das grandes cientistas e agrônomas brasileiras a meia hora do aeroporto de Viracopos (Campinas-SP). Lá, 36 hectares produzem hortigranjeiros sem nenhum grama de agrotóxico. É uma maravilha. Todos os dias eles enchem um caminhãozinho com três toneladas de produtos. Portanto, está mais do que provado, nós temos conhecimento científico para esse tipo de produção.Aproveito, inclusive, para fazer uma denúncia. Em relação aos produtos orgânicos, os supermercados já perceberam que classe média está cada vez mais consciente de que a saúde vem em primeiro lugar. Aí vem a colocação clássica: “produzir orgânico é muito caro”. Isso é mentira. Muito pelo contrário! Produzir orgânico é mais barato. O problema é que como as redes de supermercados estão monopolizadas e já sacaram que o produto orgânico é um nicho de alta renda, colocam a taxa de lucro lá em cima. Fui lá em julho e esse companheiro do sítio Catavento me mostrou: estava produzindo tomate em pleno inverno com uma estufa. Ele estava vendendo para o Pão de Açúcar a R$ 3,70 o quilo de tomate e a dona Maria estava comprando a R$ 17 o mesmo tomate em São Paulo. O supermercado sacou o nicho e colocou sua taxa de lucro lá em cima. Não é mais caro.Nós podemos produzir em escala, já temos tecnologia. Um dos especialistas que diz isso é o prof. Luis Carlos Pinheiro, ex-presidente da EMBRAPA. Inclusive, ele está nos assessorado no Paraná para produzirmos em áreas 500 a mil hectares leite orgânico sem nenhum tratamento químico de medicamento para as vacas.

[ Zé Dirceu ] Nesse quadro que você descreve, como fazemos reforma agrária, na base da pressão e da luta, é completamente irracional. Assentar 300 pessoas aqui e mais 300, duzentos km lá na frente, é inviável. E quanto à assistência técnica, estrada, educação na zona rural, melhorou alguma coisa além do crédito para a agricultura familiar? Afinal, a questão da assistência técnica é fundamental na agroindústria.
[ Stédile ] Há dois aspectos, o primeiro foi o desmonte que o Fernando Henrique fez. No caso da política agrícola foi mais sério, porque eles acabaram com todo o serviço público agrícola. Portanto, pegamos essa herança maldida. No caso da assistência técnica, o governo Lula ampliou os convênios para que ONGs e cooperativas dessem essa assistência. Resultado: o público atendido aumentou, mas o método continua um atraso.Nós defendemos que só é possível universalizar e ter uma direção política para a assistência técnica se for estatal.Só resolve com uma 
assistência técnica pública

[ Zé Dirceu ] Um órgão nacional?
[ Stédile ] Um órgão nacional, que faça convênios com as EMATERs (empresas estaduais agrícolas de assistência, tecnologia e extensão rural). Contrate os funcionários para esse serviço público pela CLT. Não precisa de concursos públicos, nem de estabilidade. Pode até colocar alguns condicionantes, por exemplo, o sujeito para ser agrônomo da assistência técnica tem que morar no interior, ou não pode morar em cidades com mais de 50 mil habitantes. Hoje, temos mais de 400 entidades conveniadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) voltadas à assistência técnica. Isso a direitona não vê, fica procurando apenas as que são do MST. Porém, isso não resolve o problema, apenas amplia o público. O problema só se resolve com uma assistência técnica pública.No que houve melhorias? Na Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) que voltou a ser uma empresa de abastecimento. A CONAB tinha sido sucateada completamente e sua recuperação é o melhor legado que a gestão Lula deixará, porque ela conseguiu formatar novos programas voltados exclusivamente para a agricultura familiar. Aí, nota-se a diferença. Quando você tem uma empresa pública que atua com uma orientação e quando não tem. Não é para todo mundo, mas para o pequeno agricultor. Então, a CONAB está desenvolvendo vários programas de compra, seja antecipada, seja direta do agricultor. Isso é tudo o que o camponês precisa para trabalhar, produzir e saber que tem gente que irá comprar.O camponês é produtor, não é vendedor. Quanto tem que ir para o mercado está ferrado. Repito, uma empresa estatal com um sistema econômico montado dá certo. Aí tem que ampliar, botar dinheiro em cima, porque todo o dinheiro que você botar na CONAB vira alimento e vai impulsionar esse ciclo. Combinado com a revigoração da CONAB, temos a lei dos 30% - ou seja, 30% da merenda escolar tem que ser de origem da agricultura familiar. Essas duas medidas, CONAB e os 30%, foram avanços muito grandes. Em terceiro lugar, sem dúvida, o programa Luz para Todos, e espero que até o fim do governo seja praticamente universalizado o acesso à energia elétrica.Nós também apresentamos dois programas complementares à política agrícola que tiveram pouca ressonância. O primeiro foi o programa de habitação - muito difícil - em que procuramos misturar o INCRA com a Caixa Econômica Federal (CEF). Veja que nem há problemas de recursos. Com 15 mil nossos companheiros constroem casas de dar inveja à classe média urbana. Mas falta desenvolver uma metodologia. Nós precisamos construí-la nos próximos meses para universalizar. Começamos brigando, já no primeiro mandato (do presidente Lula), conseguimos avanços no segundo e acredito que teremos construído umas 40 mil casas. Mas, isso não é nada perto do que significa um programa como esses. A primeira coisa que uma pessoa quer é uma casa com luz elétrica. Isso fixa o homem no campo. Se eu sei que meu primo está pagando aluguel para morar numa favela na cidade, por que vou largar minha casa? Essa é uma condicionante também para os filhos e envolve uma série de questões, auto-estima, saúde etc.O segundo, também apresentamos um grande programa de reflorestamento. É barato. Nós poderíamos fazer um programa de dois hectares por pequeno agricultor e você refloresta esse país, melhora a qualidade de vida, combate as mudanças climáticas, inclusive, caminhando na contramão do agronegócio que quer acabar com as reservas para desmatar ainda mais. (O reflorestamento) evita essa estupidez que fizeram em Santa Catarina, onde não aceitam mais os 20 metros em cada margem de rio.

[ Zé Dirceu ] Se 2 milhões de pequenos agricultores plantarem 2 hectares, serão 4 milhões hectares só aí.
[ Stédile ] Por ano. Aí o cara começa a perceber a mudança da qualidade e diz: “os outros dois, mais outros dois, eu vou plantar”.O ensino superior no meio rural tem que ser diferenciado

[ Zé Dirceu ] João Pedro, em relação à educação, não teve nenhum programa novo, pedagogia nova para a educação rural e no campo nesses seis anos e meio (governo Lula)?
[ Stédile ] Do ponto de vista de concepção, nós tivemos sorte. Os dois mandatos do governo Lula contaram com ministros que tem uma visão diferenciada. Do ponto de vista de filosofia da educação mudou. É outro papo. Estamos negociando com um governo que tem percepção, mas você não consegue universalizar as políticas para o meio rural.Talvez agora com o novo padrão salarial dos professores, nós tenhamos uma mudança, que ainda não é perceptível. Há professores do Piauí que ganham R$ 75 reais/mês Então, a lei (piso nacional de R$ 950,00 para professor instituído pelo presidente Lula) dará um salto na qualificação dos professores. Também contamos com a metodologia em programas pontuais do Programa Nacional de Educação para Reforma Agrária (PRONERA), mas que não conseguiu universalizar.Qual o grande contribuição do PRONERA? Ele tem uma metodologia, a da alternância - uma conquista nossa - para os jovens do meio rural, seja para filho de assentado, seja para o do pequeno agricultor que ainda não tem acesso, ou para professores do meio rural. Você tem que criar cursos superiores na forma de alternância porque o cidadão não pode entrar no vestibular comum e vir para a cidade todas as noites na escola. O ensino superior no meio rural tem que ser diferenciado.Primeiro, porque o jovem terá de ir para a cidade todos os dias; segundo, os melhores cursos estão nos municípios acima de 300 mil habitantes; terceiro, se ele resolver todos esses impasses, ao terminar o curso, não volta mais. Então, o que é a alternância? Você tem dois meses de férias, depois concentra um período com aula, daí volta a ter o trabalho normal como professor ou militante e daqui a três meses volta de novo. Com esse programa – conquistado ainda no final do governo FHC, sob muita crítica, porque diziam que era “picaretagem” – durante a gestão Lula, nós consolidamos uma experiência. Hoje, podemos provar que a alternância não altera a qualidade. Muito pelo contrário, ao concentrar o conhecimento em períodos, você pode trazer especialistas daquela área. A alternância consumou-se como um método.Agora, o PRONERA hoje é um departamento com só três funcionários dentro do INCRA. Administra recursos alocados para universidades públicas e depende, evidentemente, da boa vontade da universidade. Nós temos que conquistar cada curso. Sem falar que se um promotor elitista entrar na justiça alegando que aquele curso é discricionário, dependendo do juiz federal que está no plantão, o cara dá uma laminar e o curso é suspendido. Por exemplo, o único curso de direito que temos na universidade de Goiás Velho – feito com vestibular e inclusive com a presença do ministro Eros Grau, na inauguração, público e notório que se trata de uma universidade de qualidade, federal - os alunos fizeram vestibular, submeteram-se ao método da alternância e o promotor resolveu entrar na Justiça. Esse tipo de coisa gera um problemão! Você tem que recorrer, o INCRA tem que entrar. Então, qual é a nossa reivindicação? O PRONERA tem que ser um programa do MEC que consiga universalizar. Aí ninguém precisa ir lá convencer a universidade. Ela já deveria oferecer dentro do seu plano de trabalho, esses cursos na forma de alternância.
Isso nós estamos corrigindo. Quero também citar como um lado positivo, as três universidades que estamos criando agora uma com o MERCOSUL, a Fronteira Sul e a Universidade Federal do São Francisco em Petrolina (PE). A Fronteira Sul, se fosse pela nossa vontade, daríamos o nome de Universidade Federal Guarani, porque o território é o mesmo (das missões indígenas jesuíticas, no Rio Grande do Sul). Seria uma bela homenagem aos nossos antepassados que habitaram aquele território. E ela vai ser a primeira universidade federal com campus em três estados.As três universidades têm uma vocação rural e estão mais em diálogo com os movimentos sociais. Nós, portanto, estamos insistindo para que na grade delas, em seus cursos, já se incorpore a experiência da alternância - na forma de freqüentar, no tipo de curso. Não pode ser engenheiro agrônomo apenas, mas tem que ser um engenheiro formado em agronomia agroecológica. Na área de educação o que precisaremos fazer é isso. E precisamos de uma campanha séria para erradicar o analfabetismo no meio rural.

[ Zé Dirceu ] A oposição conseguiu o número de assinaturas necessário para que fosse instalada a CPI do MST. Como vocês estão avaliando isso?
[ Stédile ] Nós vemos de duas formas: primeiramente, ela está dentro do contexto maior da luta de classes no Brasil. Parte daquela parcela da direita parlamentar brasileira, encrustrada lá no parlamento, que vive querendo criar factóides para antecipar a disputa eleitoral. Como o próprio deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) revelou, o principal objetivo da CPI do MST é provar que o governo vai destinar dinheiro para o MST para fazer campanha para a (ministra) Dilma Rousseff. Isso é ridículo! Mas, ele falou isso na tribuna. Revela, então, as motivações ideológicas dele, ou seja, criar factóides para fazer uma disputa eleitoral e política besta.Um segundo aspecto na análise dessa CPI, aqui mais da luta de classes, é que eles quiseram peitar o governo quando nós fizemos essa parceria na portaria para mudar os índices de produtividade. Estes precisam ser atualizados por força de lei. A lei agrária determina – a de 1993 – que os índices tinham que ser atualizados a cada dez anos. E os índices atuais que o INCRA usa são de 1975. Uma piada. Então eles quiseram dar o troco. E contra o governo, não contra nós, para criar um constrangimento, um jogo de troca aí. Tudo contra a possibilidade de atualizar o índice de produtividade. Então se começa a CPI num palanque ideológico contra nós. Evidentemente, sempre que instalam uma CPI fazem o que querem. Todas as entidades que estão eles estão dizendo que tem problemas já foram investigadas pela CPI da s ONGs e tiveram sigilo quebrado. É como se diz no interior, eles estão vendo chifres em cabeça de mula. Mas, esse é o papel da direitona que quer proteger os seus privilégios.

[ Zé Dirceu ] Como vocês estão vendo a pesquisa da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) sobre assentamento rural?
[ Stédile ] Isso não merece nem comentário. É uma fraude que não tem pé, nem cabeça. Não é nem uma amostra representativa. Entre oito mil assentamentos que há no país, eles (a CNA) escolheram só nove e ao seu bel prazer. Um deles, em Pernambuco, era da época da ditadura, emancipado em 1975. A única explicação que me vem é que a CNA fez algum jogo de aliança política com o IBOPE, talvez pagando dívidas do serviço que o IBOPE fez na época da campanha da Katia Abreu (senadora do DEM do Tocantins). É a única explicação que nos ocorre para tamanho absurdo. A isso (à pesquisa) todos os pesquisadores sérios reagiram. Isso depõe contra o IBOPE. O que ficou claro é que ele perdeu sua credibilidade. Como ele pode ter se prestado a esse tipo de jogo rasteiro? Pior ainda, divulgaram a pesquisa deles uma semana depois do Censo Agropecuário que não é uma simples pesquisa – no censo, os pesquisadores do IBGE vão em todos os estabelecimentos agropecuários desse país. A pesquisa da CNA, repito, não tem pé, nem cabeça. De 8 mil assentamentos, pegaram nove. Um total de mil famílias de nove assentamentos, num universo de 1 milhão de famílias em oito mil assentamentos.

[ Zé Dirceu ] Sobre o episódio em São Paulo, na fazenda do Grupo Cutrale, qual a avaliação que você está fazendo? A mídia conservadora o transformou em escândalo, durante quase uma semana, ou mais, isso ocupou os principais noticiários. Qual a sua avaliação, houve erros na ocupação da fazenda?

Depredação de trator e invasão das casas não aconteceram
[ Stédile ] A CUTRALE que tem mais de 30 fazendas em São Paulo, somando mais de 50 mil hectares, está em dívida com a Justiça Federal. Aquela área foi comprada de um grilo e eles sabiam. Eles partiram para o risco de comprar uma área grilada, contando com as influências políticas que tem na República do Brasil. Como estão acostumados com o monopólio da laranja, encheram de laranja para consolidar que a área era produtiva etc. Mas toda aquela área onde houve a ocupação - nem é só da Cutrale - é o chamado grande grilo (terras griladas) do Monção. A origem desse grilo é de terras que a União comprou em 1910 - portanto houve dinheiro público na compra da área original – para um projeto de colonização para famílias japonesas que não deu certo. Então, as terras foram ficando e houve esse grilo. A ocupação feita agora pelos sem-terra tinha a vontade política, o objetivo de fazer essa denúncia. Nisso a ocupação foi eficaz.Agora, o fato de terem derrubado laranjais foi um erro dos companheiros que estavam lá. Nós que estamos no meio da briga, entendemos o desespero das famílias que estão há cinco anos querendo ter a terra e sabem que essa terra é grilada. O INCRA mesmo disse: “essa terra é da União”. Então o cara, o sem-terra chega na fazenda e quer plantar feijão. Evidentemente, a direita soube explorar muito bem esse fato, a partir de um erro nosso. Mais dia, menos dia, iriam pegar qualquer erro nosso e exponenciar ao máximo. É o caso das imagens (exibidas na mídia). Elas foram feitas no dia 28/09, eles pensaram "quando vamos usar?" E esperaram, dias e dias, para fazer essa superexposição. Aquilo não foi uma reportagem sobre a ocupação, apresentada no dia em que ela ocorreu. Fora o fato de aquilo ter sido filmado pelo serviço secreto da PM. Não foi nenhuma reportagem da Globo que estava lá.Um segundo aspecto: todas as outras imagens de depredação de trator, invasão das casas dos funcionários são mentira. Aquilo é manipulação. Nós os desafiamos publicamente a constituirem uma comissão independente - e com o Ministério Público, se quiser - e a irem lá e fazer a perícia para descobrir desde quando esses tratores estão desmontados. Isso é muito fácil de verificar. Que a comissão pergunte para as famílias (de empregados do grupo Cutrale) se algum sem-terra entrou na casa deles. Mas, houve o erro, evidentemente, e com esse erro, a burguesia da elite econômica, que tem o monopólio da comunicação, está explorando. E nós estamos pagando caro, porque com isso, criaram o sentimento que levou ao recolhimento e obtenção das assinaturas para a CPI.

[ Zé Dirceu ] O ex-ministro da Fazenda tucano, Luiz Carlos Bresser-Pereira e o ex-presidente da República, José Sarney, hoje presidente do Senado, apontaram tanto no caso da CPI, quanto na pesquisa dos assentamentos feita pelo IBOPE, por encomenda da CNA , a tentativa de criminalizar o MST. Qual a a avaliação que vocês fazem?
[ Stédile ] Esse tema da criminalização nós temos que entender direito como é usado. Não é uma coisa que houve, ou que há, numa época de ditadura. Nós já estávamos na democracia quando o latifúndio, para se proteger, iniciou um processo de assassinato e de violência física contra quem lutava pela reforma agrária. Esse período nós já passamos. A violência física diminuiu, até por conta da nossa forma de organização. A criminalização agora é muito mais no sentido ideológico e político. É com o objetivo de desmoralizar quem faz luta social. Esse é o sentido da criminalização do MST e dos demais movimentos sociais. Daí porque a Rede Globo, o Estadão e a VEJA se transformaram no principal instrumento dessa fase de criminalização. Na fase anterior, eram as armas; agora, o método de tentar nos desmoralizar é através da imprensa. Nós temos tido o cuidado de não criar uma paranóia. Mas, o objetivo desses veículos e daqueles cujos interesses eles representam é muito mais no sentido de deslegitimar e desmoralizar quem faz a luta social. Independente de quem a fizer. Eles também fazem o mesmo quando tem ocupação de sem teto e outras coisas. A tentativa não é de criminalizar só o MST, é criminalizar todos os movimentos sociais.

[ Zé Dirceu ] É, agora, nas manifestações das favelas em São Paulo, nas dos bairros na periferia, contra a PM. Dizem que tudo é baderna. É a maneira de desqualificarem o caráter social e político da manifestação contra a violência da polícia e contra a falta de atuação do Estado. Os jornais só dizem que é baderna e que tem que ser reprimido. Para eles, está tudo certo (a repressão) e ainda registram “infelizmente morreu uma criança”.
[ Stédile ] O que eles fizeram em relação a áreas em que há despejo, por exemplo, o naquela área em Embu.

[ Zé Dirceu ] Aquilo foi articulado para ter apoio dos meios de comunicação. É um exemplo da polícia para ser aplicado no país depois. Vão calcar no eleitorado de direita, conservador. Dizer que o bom é aquele exemplo do Serra em São Paulo.
[ Stédile ] Da governadora Yeda Crusius no Rio Grande do Sul também. A dona Yeda já começou (a governar, em 2007) sem base social. E como ela se posicionou? Transformou a Brigada Militar (PM gaúcha) em cão de guarda do capital. Chamou os setores do Ministério Publico fascistas, claramente afinados com sua proposta ideológica e, financiada por grandes grupos econômicos, tentou impor um governo ditadorial. Ela se desmoralizou porque ficou evidente. No governo dela ficou tudo tão centralizado, que ao ultrapassar o limite da corrupção, veio a público e ela não pode controlar. Controla a parte do ministério público estadual, mas não o federal que, inclusive, fez as denúncias (de improbidade administrativa e manipulação de concorrência e licitações) contra ela.Acho, então, que tanto o artigo do Sarney quanto o do Bresser Pereira foram duas manifestações das mais lúcidas desse campo da elite intelectualizada brasileira, porque eles comentaram a razão dos fatos e não simplesmente a questão ideológica.
Apoio ou oposição é para partidos,movimento social deve ser autônomo.

[ Zé Dirceu ] Qual a avaliação política que voce faz da atuação do MST nesse período do governo Lula? Houve fortalecimento? O movimento está mais ou menos forte, mais ou menos organizado, com mais ou menos bases e apoio da sociedade?
[ Stédile ] Nos últimos anos o MST consolidou um acúmulo de forças própria. E foi correta a nossa política em relação ao governo Lula, de manter autonomia política para resguardar a saúde que deve ter um movimento social. Ou seja, nem caímos num adesismo de "agora, como elegemos o Lula..." – toda a base dos sem-terra votou no Lula – nem nos transformamos em puxa-sacos, ou chapas-branca como se diz. Ao mesmo tempo, não caímos no que certos setores da esquerda caíram de “ah, o governo Lula não conseguiu mudar a política econômica, então vamos para a oposição e tudo o que vier do governo Lula é ruim”. Alguns movimentos sociais fizeram essa inflexão. Foram para a oposição. O que nós dizemos é que o papel de apoio ou oposição é para partidos políticos. Movimento social tem que ser autônomo. Seja qual for o governo ou o Estado, temos que ter autonomia.Nós pagamos caro por essa política. Amigos que queriam que fossemos adesistas, nos chamaram de esquerdistas. E os esquerdistas disseram “não, vocês são muito adesistas”. E difícil, mas nós estamos convencidos de que essa foi a política que, inclusive, nos salvou, porque senão, provavelmente, o movimento teria tido sérios problemas de crescimento. Essa foi a situação. Agora, em relação à reforma agrária, penso que ela não depende mais do MST. No começo do governo Lula, havia aquela euforia. No início de 2003, em torno de 200 mil famílias foram para acampamentos, porque havia uma vontade política da nossa parte e achamos, "agora com o Lula", que haveria o reacenso da massa. E não houve. Então, a reforma agrária não depende mais do MST, mas de uma nova correlação de forças na sociedade. Depende de um reacenso do movimento de massas porque a classe trabalhadora que vive no campo é minoritária. Nós não alteramos mais a correlação de forças. Ela só irá ser alterada se houver movimentação social na cidade.
Essa é a nossa tragédia. Nós somos um movimento com unidade, temos clareza política, sabemos onde queremos ir, mas não temos força própria suficiente para alterar a correlação. Temos que esperar que a turma da cidade também faça um movimento que reative o movimento de massas e que aí sim, altere a correlação de forças para pressionarmos a realização de uma reforma agrária mais rápida.Assim, os avanços da reforma agrária não dependem nem do MST, nem só da luta social no campo. Dependem da luta social no Brasil inteiro.

[ Zé Dirceu ] Como vocês estão vendo a eleição de 2010, na medida em que apoiaram direta ou indiretamente a candidatura Lula, e levando em consideração as conseqüências para a América Latina, se o projeto político que o Lula representa for derrotado no Brasil?
[ Stédile ] Não temos feito um debate mais eleitoral. Estamos tendo cuidado com isso. O nosso debate interno ainda é sobre a política geral, a luta de classes e a correlação de forças. Em termos gerais, te respondo pelo que é da tradição da nossa política: primeiro, manter nossa autonomia; segundo, continuar nosso trabalho político e ideológico de estimular – e é assim que nossa militância se comporta – o eleitor a sempre votar tanto em nível federal, quanto estadual, quanto municpal, nos candidatos mais progressistas e que defendem a reforma agrária; terceiro, há uma vontade e decisão política de barrar a volta do neoliberalismo.
Luta contra a restauraçãodo neoliberalismo
Estamos e somos contra os projetos de restauração do neoliberalismo. Sem dúvida, o MST estará nas primeiras trincheiras da batalha. Fazemos questão de ajudar a contribuir para que o neoliberalismo não se restaure aqui no Brasil.Os jornalistas perguntam: “vocês são da Marina, da Dilma, do Ciro etc”, o que respondemos é que não nos cabe discutir nomes agora. O que temos que estimular na sociedade brasileira é a discussão de um projeto para que ao redor dele as pessoas votem com consciência.
Nós não caímos nos simplismo de vontades eleitorais, ou partidárias, ou por afinidades pessoais. Tem gente que diz: "pessoalmente a Dilma é muito parecida com o Ciro... " Isso não explica nada! Então, até para não cair nesse tipo de reducionismo, nós achamos que o debate político a ser feito daqui a até outubro do ano que vem tem que ser sobre a necessidade de um projeto para o país, para que as pessoas saibam o que está em jogo e que tipo de projeto nós temos que fazer avançar daqui para a frente. Esse é o debate que estamos fazendo entre nós.Evidentemente, que no caso do Rio Grande do Sul, a batalha será mais dura, porque por todo o uso que fez da Brigada Militar e do ministério publico estadual, o projeto da Yeda (Crusius) foi não só o da restauração do neoliberalismo, mas dos fascistas. Depende de cada Estado, o maior ou menor engajamento da militância. E isso se dará, também, em função das candidaturas estaduais. Os governadores tem muito peso nas lutas sóciais do campo, já que quem nos reprime são as polícias estaduais.
[ Zé Dirceu ] Como o MST é um movimento com grande inserção internacional, inclusive pela Via Campesina, como vocês avaliam o cenário internacional após dez meses da eleição de Barack Obama e um pouco também sobre a América Latina e a relação com as eleições do ano que vem?[ Stédile ] Nós estamos muito preocupados. Estamos vindo de dez anos de avanços das forças progressistas, mas esse avanço registrado a partir de 1999 com a subida do presidente Hugo Chávez (Venezuela) até hoje, não veio acompanhado com o reacenso do movimento de massas. Talvez, na Bolívia aconteceu, mas nos demais países não. Isso criou uma dificuldade maior. Ao se dar conta de que as massas não vieram para o reacenso, para participar mais da atividade, evidentemente, o império está tentando reestaurar o seu projeto para a América Latina. Os EUA tinham sido derrotados nesses dez anos. Foram derrotados na ALCA e agora tentam recompor esse projeto, que inclusive, independe da postura pessoal do Obama. O projeto do império é o do capital imperialista, do Estado belicista norte-americano. Há alguns dias, ouvi uma palestra na qual o orador dizia que toda a tentativa da economia norteamericana de sair da crise é aumentando a indústria bélica. Nem é pela saúde, nem por um Bolsa Família, eles poderiam criar uma bolsa família para os pobres norte-americanos e incentivar o mercado interno ou frear as importações da China. Não. A alternativa principal que o capital americano está tomando para sair da crise é o aumento da sua produção bélica e com isso, ter mais armas e munição.Isso é um perigo, porque eles vão estimular conflitos até para reativar sua economia. Nesse cenário, nós vemos os EUA acelerando, mudando o passo. O caso de Honduras, por exemplo, todos sabemos que a base americana se envolveu, o embaixador se envolveu. No Panamá, idem. Essas bases da Colômbia (seis norte-americanas) são uma ofensa a todo o continente, um caso inadmissível.
Nessa questão concordamos com a avaliação do Chávez, de que é uma tentativa de transformar a Colômbia numa Israel na América do Sul. Sobretudo uma tentativa de levar a uma guerra fria entre a Colômbia e a Venezuela. É o pior dos mundos porque obriga a Venezuela a gastar dinheiro público em armamento, tanque e helicóptero ao invés de comprar casa e construir metrô.
Então, estimula-se uma guerra fria regional para barrar o processo venezuelano. Pelo que se vê pelo Chile e o Peru, trata-se de reativar as direitonas locais para tentar retomar o controle. Não se sabe até que ponto essa mesma direita americana vai insuflar nossas eleições. É possível que aqui no Brasil também. Com isso, o tom ideológico aumenta.


-extraída do Blog do Zé Dirceu (endereço: http://www.zedirceu.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=7482&Itemid=61 ) em 10/11/09

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

"THE GREAT GLOBAL WARMING SWINDLE", por Coletivo Brasil 3000

Ou "A Grande Farsa do Aquecimento Global", é título do documentário dirigido por Martin Durkin, no qual são apresentados importantes argumentos de cientistas e comentaristas que não acreditam que o CO2 produzido pela atividade humana é a principal causa das alterações climáticas.
Assim como acontece com os documentários de Michael Moore, a mídia, em geral, refere-se a ele como sendo "um filme controverso", alguns veículos fazem questão de frisar "que foi duramente atacado por alguns cientistas".
Há coisas que a mídia controlada, não podendo desconhecer ou apagar, apresenta de forma pejorativa, muitas vezes emprestando-lhe a pecha de coisas excêntricas etc.
O fato é que as questões e argumentos que o documentário coloca de forma alguma podem ser desconhecidas, ou desmerecidas sem contra-argumentos à altura, no debate das causas das mudanças climáticas, que, conforme entendemos, tem servido principalmente para veicular interesses de grupos e corporações poderosíssimas no cenário mundial, de forma a justificar tanto o aprisionamento de economias emergentes quanto até mesmo a legitimação de ofensas a soberanias de países mais fracos, conquanto potencialmente promissores, sobretudo no campo das matrizes energéticas.
O filme, vale registrar, foi indicado para o prêmio de Melhor Documentário no Broadcast Awards 2008.
O "Coletivobrasil 3000" recomenda-o.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

“LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS, por Coletivo Brasil 3000.

Em 29/01/09
A revista “Le Monde Diplomatique Brasil” de setembro/09 tem editorial interessante: “10 Razões Para Legalizar As Drogas”. Na verdade, trata-se da utilização de texto atribuído a JOHN GRIEVE, da Unidade de Inteligência Criminal, da Scotland Yard.
Em síntese apertada, são as seguintes:
- “ENCARAR O VERDADEIRO PROBLEMA” (vale dizer, atacar as causas do uso);
- “ELIMINAR O MERCADO DO TRÁFICO” ( o mercado é comandado pela demanda, mas o vazio criado quanto a ele termina ocupado pelo crime;
-“REDUÇÃO DRÁSTICA DO CRIME” (abaixando-se o preço, evita-se a necessidade de roubo);
“USUÁRIOS DE DROGAS ESTÃO AUMENTANDO” (locais onde há, mais liberação há menos consumo);
- “POSSIBILITAR O ACESSO A INFORMAÇÃO VERDADEIRA E A RIQUEZA DA EDUCAÇÃO” (informação aberta, honesta e verdadeira aos usuários e aos não-usuários para ajudar-lhes a tomar decisões de usar ou não usar e de como usar);
- “TORNAR O USO MAIS SEGURO PARA O USUÁRIO” (adotar política de redução de dano);
- “RESTAURAR NOSSOS DIREITOS E RESPONSABILIDADES” (restaurar o direito de usar droga com responsabilidade, diminuir a criminalização das pessoas);
- “RAÇA E DROGAS” (diminuir a prática de discriminação contra minorias raciais ocorrida nas prisões discriminatórias dos negros, por exemplo);
- “IMPLICAÇÕES GLOBAIS” (o mercado gera 600 bilhões de dólares ao ano, o que permite o comando de países pelos traficantes e a interferência de outros, poderosos, na soberania dos fracos;
- “A PROIBIÇÃO NÃO FUNCIONA” (encarar, também, “os problemas criados pela proibição”).

Eis uma boa proposta de debate.


Mateus, pelo blog COLETIVO BRASIL 3000, endereço http://www.coletivobrasil3000.blogspot.com/

VEM AÍ O PAT - PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO TRÁFICO, texto atribuído a REINALDO AZEVEDO

O projeto que livra a cara dos “pequenos (?) traficantes” será assinado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Embora ele certamente concorde com a tese, é só uma espécie de laranja da idéia. Ela nasceu mesmo foi no Ministério da Justiça, de que é titular Tarso Genro, aquele que já atuou como uma espécie de advogado informal de Cesare Battisti, o homicida italiano. Tarso é assim: onde houver uma boa causa, ele está lá.
Ora, gente, por que tanto espanto? Nova York reduziu drasticamente o crime prendendo grandes e pequenos bandidos, coibindo tanto o crime grande quanto aquele antes considerado irrelevante. Até São Paulo — digo “até” porque a esquerdopatia dominante tenta esconder o fato de que o índice de homicídios em São Paulo caiu 70% em 12 anos — é um bom exemplo de que, quanto mais bandido dentro da cadeira, menos crimes fora dela. Que coisa espantosa, não?
Embora a gente tenha jabuticaba, pororoca e Tarso Genro, a lógica funciona no Brasil também. Mas o país sempre procure fazer o contrário do que ela indica.
Ora, o que vai acontecer com o “pequeno (?) traficante” quando for solto? Vai procurar emprego, é claro! Vai querer carteira assinada. Volto àquele negócio do fatalismo. Acreditamos que há forças superiores às quais ninguém resiste: uma delas é trabalhar para o bem do Brasil, não é mesmo? Vejam o caso de muitos políticos: entre o trabalho e a política, escolheram o quê? O “pequeno(?) traficante”, tadinho, não havia descoberto ainda que pegar no batente é muito mais gostoso do que vender uns papelotes e umas trouxinhas. E também rende mais, não é mesmo?
“Como, Reinaldo? Você está sugerindo que é mais fácil ganhar a vida no crime?” SUGERINDO??? EU NUNCA SUGIRO NADA!!! EU SEMPRE AFIRMO!!! EU ESTOU AFIRMANDO QUE É MAIS FÁCIL GANHAR GRANA SENDO CRIMINOSO DO QUE SENDO TRABALHADOR.
E é por isso que o risco tem de ser enorme, entenderam? Caiu? Dançou! Cana no bicho! É um clichê, eu sei. Mas o fato é que o crime não pode compensar. O diabo é que, no Brasil, ser trabalhador rende menos e pode ser até mais perigoso. Sem contar que, se o coitadinho conseguir um salariozinho um pouquinho melhor, que lhe permite morar em algum conjugado na periferia, já é obrigado a pagar Imposto de Renda. A bandidagem, por óbvio, não tem de contribuir…
Sem trocadilho, o “pequeno (?) traficante” está iniciando uma carreira, não é mesmo? Solto, vai poder se especializar. Ou alguém acha que ele vai se dedicar à leitura de Schopenhauer? A proposta explica por que chegamos aqui.
Mas eu estou certo de que haverá um programa de acompanhamento para o companheiro iniciante no tráfico. Sugiro o programa Bolsa Pó ou Bolsa Maconha. Ou, então, o PAT: Programa de Aceleração do Tráfico.
Coisa de gênio! Proposta para livrar da prisão pequenos traficantes tem apoio do governo No Globo Online. Comento:
O Ministério da Justiça decidiu apoiar o fim da pena de prisão para pequenos traficantes de drogas que não tenham cometido atos de violência e não apresentem vínculo com organizações criminosas. Caberá ao deputado Paulo Teixeira (PT-SP) assinar o projeto.
O texto ainda está em estudo, mas também deve exigir que os réus apresentem bons antecedentes para ter direito à pena alternativa. O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, disse esperar que a mudança seja aprovada até a metade do ano que vem.
- Nós sabemos o que acontece nos presídios: as pessoas são detidas com pequenas quantidades de droga e acabam entregues de mão beijada para as organizações criminosas. É preciso separar o pequeno do grande traficante. Não haverá projeto de iniciativa do governo, mas vamos apoiar a proposta de mudança no Congresso - disse Abramovay.
A ideia é mudar a lei para oferecer penas alternativas a essas pessoas, o que evitaria que elas sejam recrutadas pelas facções que dominam muitos presídios brasileiros.
Para o deputado Paulo Teixeira, a alteração na lei antidrogas permitirá que polícia, Ministério Público e Judiciário concentrem esforços no combate ao crime organizado. Ele disse que a proposta não é ideológica e visa a tornar mais eficiente a repressão aos grandes traficantes.
- O aparato do Estado deve ser mobilizado para pegar os peixes grandes, não os pequenos. Estamos prendendo muitos bandidos pés-de-chinelo e sobrecarregando a polícia e a Justiça. É uma questão pragmática que precisamos enfrentar - disse.
ComentoPensem comigo. Faz todo sentido! É lógica pura! Como é que o Brasil vai combater os grandes traficantes? Ora, soltando os pequenos!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Por que não tem ONGs no Nordeste seco?, por Gelio Fregapani

Você consegue entender isso?.
Vítimas da seca Quantos? 10 milhões
Sujeitos à fome? Sim
Passam sede? Sim
Subnutrição? Sim
ONGs estrangeiras ajudando: Nenhuma.
Índios da Amazônia
Quantos? 230 mil
Sujeitos à fome? Não
Passam sede? Não
Subnutrição? Não
ONGs estrangeiras ajudando: 350
.
Provável explicação: A Amazônia tem ouro, nióbio, petróleo, as maiores jazidas de manganês e ferro do mundo, diamante, esmeraldas, rubis, cobre, zinco, prata, a maior biodiversidade do planeta (o que pode gerar grandes lucros aos laboratórios estrangeiros) e outras inúmeras riquezas que somam 14 trilhões de dólares.
.
O nordeste não tem tanta riqueza, por isso lá não há ONGs estrangeiras ajudando os famintos.
.Tente entender: Há mais ONGs estrangeiras indigenistas e ambientalistas na Amazônia brasileira do que em todo o continente africano, que sofre com a fome, a sede, as guerras civis, as epidemias de AIDS e Ebola, os massacres e as minas terrestres.
Agora, uma pergunta: Você não acha isso, no mínimo, muito suspeito?
É uma reflexão interessante.

- recebido em 28/10/09

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Os 12 de “O Globo” contra a força da UNE, por Argemiro Ferreira

Ao deparar na internet – aqui na Argentina, onde estou estes dias - com a primeira página de O Globo de quarta-feira, 7, enfeitada pela foto a cores de uma dúzia de graciosos alunos de escolas particulares da Zona Sul do Rio, “apartidários” e “apolíticos”, a lançar “novíssimo movimento estudantil” pela reforma do ensino, não resisti à tentação de questionar outra vez esse jornalismo. (Leia AQUI a versão saída no Globo Online)
Os leitores, eu e a torcida do Flamengo temos visto muitas fraudes da mídia no passado recente. Sabemos que às vezes elas nascem assim. Por que uma dúzia de moças e rapazes bonitos e bem vestidos, do Leblon, Ipanema, Gávea e adjacências, tornam-se notícia dessa forma em O Globo – quase sempre amplificada depois por outros veículos audiovisuais do mesmo império Globo de mídia?
Pergunto, em primeiro lugar, se jornalisticamente aquela reuniãozinha de adolescentes bem nascidos merece tal espaço na mídia nacional (veja-os na foto do alto e observe ao lado, na reprodução da página, o destaque que ganharam). Que diabo, como filhos do privilégio representam muito menos do que, por exemplo, um grupo de adolescentes sofridos do Nordeste, tão afetados como eles pelo adiamento da prova do Enem – o pretexto invocado em O Globo.
A aristocracia da elite branca
A diferença entre alunos do Nordeste e os de escolas particulares da Zona do Sul do Rio começa nos sobrenomes. Se prevalecem lá os Silva, como a família do atual presidente, os reunidos em O Globo são De Lamare, Di Célio, Bevilacqua, Lontra, Bustamante, Bekken, Glatt e outros de igual linhagem – famílias talvez afinadas com a ideologia dos irmãos Marinho.
A foto posada (com grande angular) da primeira página, feita em condomínio da Gávea, permite a suposição de que o tal “novíssimo movimento estudantil” anunciado pela sigla Nove (de “Nova Organização Voluntária Estudantil”) pode ter nascido na própria redação de O Globo e tem entre suas causas até o repúdio à ação afirmativa. São todos brancos, se não de sangue azul.
Para o jornalista Ali Kamel (foto ao lado), guardião zeloso da doutrina da fé empenhado em uniformizar o discurso ideológico nos veículos do império Globo, “não somos racistas” no Brasil. A partir dessa tese nossa elite rejeita em nome da igualdade racial quotas destinadas a favorecer o ingresso na universidade de não brancos – talvez para perpetuar os privilégios atuais até o final dos tempos.
Nas páginas internas da mesma edição impressa de O Globo, conforme tive o cuidado de conferir na versão digital que a reproduziu, a reportagem foi estrategicamente colocada ao lado da coluna de Merval Pereira – a que abraça com fidelidade canina as ordens da cúpula do império de mídia mais arrogante do país e ostensivamente dedicado desde 2005 à derrubada do presidente.
A tradição coerente do golpismo
Os 12 (ou Nove) de O Globo parecem representar exatamente a tradição desse jornal (e dos Marinho), que ao longo dos anos, em matéria de educação, foi sempre retrógrado e antidemocrático – em especial quando a UNE e as entidades estaduais filiadas a ela lutavam contra o golpismo militar e na subseqüente ditadura que torturou, matou, censurou a imprensa e perseguiu o movimento estudantil.
Não por acaso o império Globo floresceu à sombra da ditadura por aplaudir os generais. Orgulha-se hoje – ao lado do El Mercurio, pinochetista do Chile, e do Clarín (veja-o à direita, clamando na manchete contra a lei em debate e que poderá criar punição para a irresponsabilidade e abusos da mídia), submisso aos generais do banho de sangue na Argentina – de estar entre as maiores corporações de mídia do continente, todas premiadas pelos algozes da democracia e pelos interesses externos porque sempre ficaram contra as causas nacionais dos respectivos países. Ditadores sanguinários como Videla e Pinochet (foto abaixo, à esquerda), foram heróis do Clarín e El Mercurio, como Castello, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo eram os de O Globo (saiba mais AQUI sobre semelhanças entre El Mercurio e O Globo; conheça detalhes AQUI; e veja e ouça entrevista AQUI do jornalista americano Peter Kornbluh, autor de The Pinochet File, sobre a intimidade de Agustín Edwards com a CIA e como o jornal chileno foi salvo da falência após implorar e receber dinheiro da espionagem americana, à qual serviu na campanha de desestabilização que preparou o golpe pinochetista).
A matéria impressa original tinha atacado a UNE sem dar a esta a oportunidade de responder às sandices. Mas em texto posterior, publicado na quinta-feira, 8, e certamente motivado pela reação do presidente da União Nacional dos Estudantes, Augusto Chagas, o jornal condescendeu em incluir sua palavra, ainda que “os 12″ (ou Nove) continuassem como herois, mesmo insignificantes aos olhos de qualquer pessoa com um mínimode bom senso (Leia o texto da versão online AQUI). Mas além de ter tido o cuidado de minimizá-lo e situá-lo ao pé de outra página, ainda aduziu ridículo minieditorial com o veredicto final, que acusa a UNE de “peleguização”.
Contra os interesses nacionais
Fica claro que “pelegos”, na visão dos irmãos Marinho, são os líderes da UNE, criada corajosamente na década de 1940 para defender os interesses do país contra o avanço do Eixo nazifascista – e que lutou nas ruas contra a ditadura militar de 1964 que tinha O Globo como seu porta-voz oficioso. De nada importa ao jornal a explicação de que os fóruns da entidade não são gatos pingados da elite; reúnem mais de 1.500 centros acadêmicos do país, nos quais atuam centenas ou milhares de estudantes.
Como Chagas, também o presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), Ismael Cardoso, tentou informar ao império Globo de mídia (jornalões, TVs, rádios, revistas & penduricalhos) que as entidades realmente representativas dos estudantes há muito debatem a questão do Enem e até fizeram críticas à pressa das autoridades na implantação da nova prova – pressa que pode ter contribuído para o vazamento.
A motivação dos 12 de O Globo é outra. Se não foram escolhidos por ninguém, representam quem – ou o que? Têm só de se submeter à ideologia golpista do jornal, na contramão da história e do aperfeiçoamento democrático. É o que basta para sairem na primeira página. Restará agora guiarem-se pelos editoriais. Por exemplo, aplaudindo a Colômbia submissa, sob ocupação militar dos EUA, e a Honduras do golpe, repudiada pelo mundo inteiro. (Este post foi atualizado a 12/10 com mais dois links sobre as relações de El Mercurio e a família Edwards com a CIA).

- Extraído do blog do Argemiro Ferreira (http://argemiroferreira.wordpress.com/2009/10/10/os-12-de-o-globo-contra-a-forca-da-une/) em 22/10/09

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Quem forma nossos mestres?, por Patrícia Costa

O Brasil conta hoje com mais de dois milhões de professores na Educação Básica, que ensinam cerca de 52 milhões de alunos. Em torno de 600 mil desses professores não possuem um diploma e outros 127 mil só têm o bacharelado, e não poderiam estar dando aulas. O governo federal vem trabalhando para mudar esta realidade, criando programas de financiamento como o Plano Nacional de Formação de Professores, que oferecerá pelos próximos anos 330 mil bolsas em cursos superiores para docentes da rede pública de ensino, e programas de estímulo à capacitação em serviço, como o Prodocência, o Programa de Consolidação das Licenciaturas, cujo objetivo é financiar atividades que fortaleçam a formação de futuros professores, aliando a teoria à prática docente.
Para a professora Maria Teresa Tavares, diretora da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), todas essas iniciativas são válidas, desde que tenham continuidade e permanência: “O Prodocência, por exemplo, tem tido bons resultados aqui na Faculdade. Temos mais de 300 estudantes envolvidos em projetos e estágios nas escolas. Estamos conseguindo criar um fórum de reflexão sobre a prática pedagógica que é fundamental para a formação docente. Mas essa medida deve se tornar uma política de Estado para poder se consolidar”.
Por enquanto, a professora não tem com que se preocupar. Desde que foi implantado pelo MEC, em 2006, o Prodocência já investiu R$ 11 milhões em 124 projetos. Em 2009, são mais R$ 11 milhões disponíveis.
Teoria X Prática
Apesar desses investimentos, o próprio MEC constatou, em recente avaliação, que 25% dos cursos de Pedagogia do país são ruins. Dos 763 cursos avaliados, 292 receberam notas 1 e 2. Isso significa que pelo menos 71 mil alunos estão sendo mal formados. O mais preocupante é que apenas 9 cursos tiraram 5, o conceito máximo.
Outro estudo, patrocinado pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura, confirma esse quadro. A pesquisa “Professores do Brasil: Impasses e Desafios” aponta, por exemplo, que, nos cursos de Pedagogia, onde se deveria preparar os professores para a fase da alfabetização, não há sequer um currículo voltado para a metodologia dessa fase, fundamental para a aprendizagem. “Muito se discute sobre as teorias pedagógicas, mas pouco se pratica. Há no Brasil uma cultura bacharelista não só nas licenciaturas. A nossa universidade repete um modelo europeu que privilegia a teoria. Mas o aumento da prática tem sido encarado nos currículos. O ‘como fazer’ é muito importante”, destaca a especialista.
Porém, essa preocupação ainda não se refletiu na rotina em sala de aula e, para muita gente, a falta de preparo do professor contribui para a má qualidade do ensino. Segundo o IBGE, o Brasil tem 11,5% de crianças de 8 e 9 anos analfabetas. Entre 10 e 14 anos, são quase 500 mil que não sabem ler nem escrever. O Provinha Brasil, uma avaliação para alunos do 2º ano do ensino fundamental, aponta que, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e no Distrito Federal, por exemplo, mais de um terço dos estudantes estão abaixo do nível de aprendizado considerado adequado para a idade.
Qual é a saída? “As universidades têm autonomia para discutirem a melhor forma de modernizar os seus currículos, para atender as demandas da sociedade. A escola tem de mudar a vida das pessoas e deixar suas marcas. O professor é parte disso, e sua formação é fundamental para esse processo”, afirma Maria Teresa.
Outro dado que se destaca é o pouco interesse pela carreira do magistério. Se, por um lado, houve um crescimento na oferta de cursos de licenciatura no país nos últimos anos – um aumento de 65% entre 2001 e 2006 –, o ritmo das matrículas foi bem menor: 39%.
“ Todos os países democráticos encaram a escola como seu locus importante. É ali que nasce a sociedade mais justa, igualitária. Mas, no Brasil, não é assim. O professor se sente hoje um cidadão de segunda classe”, desabafa a professora. Ela reconhece, no entanto, que o governo federal vem tentando enfrentar isso, colocando o magistério como questão de política pública ao criar, por exemplo, um piso salarial único de R$ 950,00, o que vai mudar a realidade de profissionais de muitos municípios onde o salário não passa de R$ 450,00. Essa medida, porém, ainda pode demorar a reverter o grave déficit de 711 mil docentes no país, a maioria nas turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e no ensino médio.
Infraestrutura educacional
A questão salarial é um dado crucial para atrair e manter as pessoas no magistério, segundo Maria Teresa Tavares, mas não é o único: “Nos últimos dez anos, conseguimos formar mais de 10 mil professores aqui na Faculdade da Uerj. No entanto, muitos acabam desencantados com a profissão pois, além dos baixos salários, precisam enfrentar as más condições de trabalho. Aqui no estado do Rio existem situações inacreditáveis, como sala de aula sem quadro negro e giz, coisas básicas, e aqui é um estado rico. Imagine o que acontece em cidades do interior do país!”
Por isso, ela desconfia de propostas governamentais de distribuição de computadores para professores e escolas, quando em muitas delas não há sequer papel para fazer provas. Para ela, é preciso equipar as escolas, ferramentalizar os professores, para então dar um passo em direção às novas tecnologias. “Deve-se priorizar o papel do professor e da escola na produção do conhecimento. O computador é uma ótima ferramenta, mas de nada adianta se ele não estiver inserido numa proposta pedagógica séria. É muito importante discutir nas instâncias de formação dos professores o uso e os contatos que temos hoje com essas tecnologias para que elas sejam cada vez mais apropriadas pelos docentes”, afirma a pedagoga, para quem nem sempre a tecnologia é a saída para tudo: “Às vezes, basta a voz e o conhecimento de um professor comprometido e bem preparado para fazer toda a diferença no aprendizado de um aluno”.

Extraído do site http://opiniaoenoticia.com.br, em 20/10/09

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A ARTICULAÇÃO DA AUTODETERMINAÇÃO NO ANTEPROJETO DE DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS, por CAROLINE E. FOSTER

( Gonville and Casius College, University of Cambridge. Policy and Legal Adviser to the New Zealand Ministry of foreign Affairs and Trade from 1992 to 1999. The view presented in this article are independent of the ministry. The author thanks Prof James Crawford, Prof Philip Allot and Stéphane Beaulac for reading drafts of the article, and for helpful suggestions )
(TRADUÇÃO DO ORIGINAL INGLÊS PELO CORONEL FLAVIO FIGUEIREDO JORGE DE SOUZA ) ( RECIFE/PE)



R E S U M O


Este estudo refere-se às atuais negociações do anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, que ocorrem sob os auspícios da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas. O anteprojeto de Declaração pelos Direitos dos Povos Indígenas à Autodeterminação proporciona uma oportunidade para a comunidade mundial perceber mais apuradamente o que significa o direito de autodeterminação fora dos contextos tradicionais. A Parte 2 do estudo descreve o contexto legal internacional no qual representantes dos povos indígenas fazem reivindicações para a autodeterminação, com ênfase em que autodeterminação significa governo representativo. A Parte 3 do estudo desenvolve o ponto de vista de que autodeterminação deve, de acordo com isso, ser considerada um complexo conceitual que incorpora participação política, autonomia, escolha da comunidade e autodeterminação negociada. A partir deste modelo de autodeterminação surgirão estruturas políticas e medidas que especificamente considerarão a identidade e situação particular dos povos indígenas. Se as negociações progredirem, e a Assembléia Geral das Nações Unidas eventualmente adotar uma Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, a autora considera que seria provável a adoção da autodeterminação nestes termos. Desta maneira, a provisão sobre a autodeterminação dos povos indígenas poderia ser uma valiosa contribuição para a lei internacional.




1- INTRODUÇÃO



As situações dos povos indígenas no seio dos países onde vivem, inclusive dentro da Europa, são muitas vezes consideradas sob a lei internacional como assunto de direitos humanos. Assuntos de direitos humanos das minorias. Representantes dos povos indígenas, entretanto, também estabelecem reivindicações à “ autodeterminação”, como fundamento para todos os direitos humanos que acham lhes são devidos. “Autodeterminação” é a consciência do direito de uma comunidade controlar seu próprio futuro, e, desta maneira, prosperar e sobreviver fisicamente em sua mais ampla extensão. A força da comunidade para a “autodeterminação” é entendida como um aspecto crucial de sua identidade, e assim também, em termos holísticos, de sua saúde e de sua sobrevivência. Quando a expressão “autodeterminação” faz parte do vocabulário político de uma comunidade, ela se torna muito poderosa e arregimenta grandes esperanças para a ocorrência de mudanças físicas nas circunstâncias da comunidade. Este estudo passa em revista a questão da autodeterminação dos povos indígenas à luz das discussões no grupo de trabalho da ONU sobre o Anteprojeto dos Direitos dos Povos Indígenas, estabelecido pela Comissão dos Direitos Humanos em 1995. O estudo adota o ponto de vista de que povos indígenas podem verdadeiramente ser incluidos na lei de autodeterminação. Se essa titularidade tornar-se um direito reconhecido na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, o entendimento legal internacional da autodeterminação fora dos contextos tradicionais precisa ser esclarecido no processo. O assunto da autodeterminação dos povos indígenas deve ser considerado sob este amplo aspecto.


A Parte 2 descreve o contexto legal internacional no qual representantes de povos indígenas fazem reivindicações pela autodeterminação. A Parte 3 identifica vários pontos de partida para posteriores discussões sobre a autodeterminação dos povos indígenas. O estudo discute que autodeterminação conforme estabelecido na lei internacional pode ser entendida como estando a exigir governo representativo. Isto, por sua vez, requer autênticos caminhos para a participação política de indivíduos e de comunidades, considerando-se suas distintas identidades. Devemos considerar a autodeterminação contida no complexo conceitual relacionado ao funcionamento das sociedades.


O Artigo 3 do Anteprojeto dos Direitos dos Povos Indígenas diz:

“ Povos indígenas têm o direito de autodeterminação. Em conseqüência deste direito, eles livremente determinam seus status políticos e livremente procuram seus desenvolvimentos cultural, social e econômico.”


O texto é o mesmo do Artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Internacional dos Direitos Culturais, Sociais e Econômicos, com a substituição de “ todos os povos” por “ povos indígenas”. Com exceção desta mudança, o anteprojeto do Artigo consiste de linguagem aceita no direito dos povos a autodeterminação. A referência à autodeterminação é o resultado de intensas discussões centradas nas contribuições de representantes dos povos indígenas.


O texto do anteprojeto da Declaração foi elaborado através de um período de 10 anos pelo Grupo de Trabalho da ONU Sobre Populações Indígenas (WGIP). Um grupo de cinco especialistas chefiados pelo professor ERICA IRENE DAES. Indígenas viajaram a GENEVA todos os anos para assistirem às sessões do WGIP e para contribuírem com o anteprojeto da Declaração. O Anteprojeto da Declaração inclui o direito a autodeterminação principalmente porque os representantes dos povos indígenas que participaram do processo enfatizaram que consideravam de grande importância esse direito. Quando o WGIP terminou seu trabalho no anteprojeto de Declaração em 1994, a Comissão de Direitos Humanos ( CHR ) instalou um grupo interdisciplinar para elaborar um anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, levando em consideração o anteprojeto do WGIP. Na condição de grupo de trabalho de CHR, seus membros são elementos de Governos, embora seu único procedimento tenha sido estabelecer a habilitação de representantes dos povos indígenas como observadores.



O processo do anteprojeto oferece à lei internacional uma oportunidade para explorar e desenvolver o conceito legal de autodeterminação, de tal modo que se aproxime das idéias de “autodeterminação” na comunidade, incluindo a concepção dos representantes dos povos indígenas que integravam o grupo interdisciplinar do CHR. O desafio consiste em entender como idéias fortemente cultivadas sobre o que se entende como “autodeterminação” podem ser conciliadas com o estatuto legal de autodeterminação em uma Declaração que trate dos direitos dos povos indígenas.





2- O DESENVOLVIMENTO DA AUTODETERMINAÇÃO NA LEI INTERNACIONAL.




KOSKENNIEMI tem observado, a tentativa de identificar consistência na aplicação da autodeterminação é extraordinariamente difícil. Devemos aceitar que em diferentes situações a autodeterminação tem diferentes significados. A linguagem da autodeterminação tem sido empregada em determinados contextos: a autodeterminação de povos dependentes ou coloniais e de povos sob dominação externa ou ocupação militar externa; a autodeterminação de grupos raciais submetidos a opressão da natureza do apartheid; e a corrente autodeterminação de toda a população de um estado. A última destas categorias é particularmente significante. Autodeterminação requer que os estados sejam governados por meio de representantes. De acordo com isso, as políticas de governo devem refletir a natureza e os interesses tanto da população do estado como um todo, quanto dos povos que são partes dessa população. Os processos de autodeterminação considerados na Parte 3 adiante devem facilitar a adoção de políticas que sejam apropriadas e satisfatórias para povos diferentes nos estados, inclusive os povos indígenas.



A inclusão da “autodeterminação dos povos” na Carta da ONU indica o importante lugar da idéia de “autodeterminação” na consciência da sociedade internacional. A autodeterminação aparece nos Artigos 1 e 55 da Carta. O Relator Especial da ONU AURELIU CRISTESCU levou a efeito um amplo estudo de desenvolvimento atual e histórico da autodeterminação em 1981. CRISTESCU registrou que, de acordo com a orientação do Secretariado da UNCIO, o termo “povos” foi empregado na expressão “autodeterminação dos povos” na Carta da ONU porque era de uso comum nesse contexto e nenhuma outra palavra parecia mais adequada. A palavra “povos” foi considerada como sendo um termo abrangente que poderia incluir “nações e Estados”. CRISTESCU também chegou à conclusão de que, diferentemente da orientação do Secretariado da UNCIO:

“ Não havia uma definição consagrada da palavra “povo” e nenhuma possibilidade de defini-la com precisão... Não há definição reconhecida ou algum texto a partir do qual se determine o que seja “povo” possuidor do direito em questão.”


Mesmo assim, a idéia de que a referência a “povos” na Carta poderia incluir grupos étnicos dentro dos estados e, especialmente, povos indígenas, esteve sempre em voga. O representante belga nas negociações da Carta escreveu mais tarde que àquele tempo a Carta foi negociada:


“ Ninguém propôs que estatutos futuros de larga abrangência pudessem englobar territórios tradicionalmente considerados como colônias ou protetorados, e que as populações aborígines da América, África e Ásia fossem a partir daquele momento excluídas desses estatutos”


Os estatutos da Carta oferecem um amparo sob o qual entendimentos legais internacionais de crescente e amplo alcance procuram abrigo. Entretanto, as referências a autodeterminação na Carta são genéricas por natureza e não fornecem qualquer detalhe de como ela será implementada.


Em face disto, a história da autodeterminação como um conceito legal internacional utilizado no contexto de descolonização não se estabelece. Entretanto, ressaltando os assuntos de descolonização, a autoidentificação de um povo como grupo e seu grau de controle sobre estruturas e processos políticos podem ser importantes, de acordo com o que pode ser visto na Parte 3 adiante.



A Declaração de Garantia de Independência para Países e Povos Coloniais foi adotada pela Assembléia –Geral da ONU em 14 de dezembro de 1960, na Resolução número 1514. O segundo parágrafo estabeleceu o texto utilizado mais tarde em consonância com o Artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos Políticos e Civis e a Convenção Internacional Sobre Direitos Culturais, Sociais e Econômicos. O quinto parágrafo da Resolução 1514 estabelece que :



“ Medidas imediatas devem ser tomadas, em Territórios sem Autogoverno ou Protetorados ou em outros Territórios onde ainda não conseguiram independência, para transferir todos os poderes para os povos desses territórios, sem qualquer condição ou restrição, de acordo com sua vontade e desejos livremente expostos, sem qualquer distinção de raça, credo ou cor, afim de capacitá-los a desfrutar completa independência e liberdade”.



Conforme é muito conhecido, no dia seguinte, 15 de dezembro de 1960, a Assembléia-Geral também adotou a Resolução 1541, que tratava de territórios sem autogoverno e a implementação do Capítulo XI da Carta. A Resolução foi denominada “Princípios que Devem Orientar os Membros Quanto a Existir ou Não Obrigatoriedade de Invocar o Artigo 73 da Carta”. A Resolução 1541 focalizava os territórios que estavam geograficamente separados e eram cultural e etnicamente distintos do país que os administrava. O Princípio VI da Resolução estabelecia que:



“ Um território não autônomo pode ser considerado como tendo conseguido sua autonomia quando”:

(a) Emergir como estado independente soberano
(b) Associar-se a um estado independente
(c) Integrar-se em um estado independente”“.



Apesar de, em termos precisos, sua implementação ser diferentemente descrita nas Resoluções 1514 e 1541, na prática, o conceito de autogoverno e o princípio de autodeterminação se fundem.


A autodeterminação, conforme é entendida no contexto da descolonização, admite que o direito de um grupo à autonomia legitima a secessão. A lei internacional sobre a integridade territorial e a unidade política dos estados deve, de maneira geral, esvaziar tais preocupações, sob o estrito ponto de vista legal. Além disso, há uma difícil relação entre a lei internacional sobre a integridade territorial dos estados e a realidade política quando ocorre a secessão. É fácil entender que, apesar de a lei internacional respeitar a integridade territorial dos estados, isto não elimina todos os anseios dos governos nas regiões onde movimentos secessionistas são uma possibilidade real em termos políticos. Entretanto, é bastante lógico que o direito à autodeterminação, conforme definido no contexto da descolonização, não pretender ser um direito que ampare os povos indígenas na separação do restante da população dos territórios onde eles habitam.



A Convenção dos Direitos Humanos de 1966 e a Declaração das Relações Amigáveis de 1970 fornecem um contexto, no entanto, no qual o direito de autodeterminação que poderia ser invocado por povos indígenas começa a tomar uma forma mais específica e significativa. Conforme citado acima, o Artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos Civis e políticos e a Convenção Internacional dos Direitos Culturais, Sociais e Econômicos, estabelece:



“Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, eles determinam livremente seu estatuto político e livremente buscam seus desenvolvimentos cultural, social e econômico”




Durante as negociações do Artigo 1, houve considerável preocupação sobre a falta de clareza quanto a quais “povos” se referia o Artigo 1 e a natureza desse direito. O conceito vago do anteprojeto do Artigo 1, especialmente o termo “povos”, foi a principal alegação invocada para os votos negativos da Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Suécia, Turquia e Grã-Bretanha. A Austrália, a Grã-Bretanha e a Holanda especificamente sugeriram eliminar o texto “ todos os povos têm o direito a autodeterminação”, que tinha sido proposto pela Assembléia-Geral em 1952. Houve outras propostas para que fosse posta no preâmbulo ou num protocolo separado, ou uma terceira hipótese, em uma convenção separada, ou até em uma declaração. A Nova Zelândia expressou sua preocupação de que uma conseqüência resultante poderia ser o Comitê dos Direitos Humanos ser confrontado com problemas da mesma magnitude daqueles enfrentados pelo Conselho de Segurança. O resultado de todas as deliberações foi que o contido no Artigo 1 seria inserido no segundo parágrafo da Resolução 1514.




O Artigo 1 se refere especificamente a territórios não autogovernados e sob tutela e ficou evidenciado que o direito de autodeterminação descrito no Artigo pretendia se referir às populações desses territórios. Não há orientação no Artigo acerca de quais outros grupos de pressões poderiam ser tutelados pelo direito de autodeterminação, ou como isto poderia ser implementado. Com referência ao direito de autodeterminação, os representantes dos estados especificamente discutiram no processo do anteprojeto se autodeterminação poderia ser interpretada como um direito da população à democracia. Mas, “Democracia” era um assunto contencioso nas negociações. Não se chegou a um acordo quanto à interpretação de autodeterminação, especificamente como uma democracia ou fazendo equivaler a governo representativo e participação política. Os EUA, UK, Grécia, Dinamarca, Nova Zelândia e numerosos países em desenvolvimento apresentaram o ponto de vista de que autodeterminação poderia permitir o direito a ser livre de um regime autoritário. Os representantes ocidentais apresentaram numerosos argumentos pelos direitos de participação política e a necessidade de governos que fossem representantes de seus povos, situação que não constou do texto final do Artigo 1.




A partir do texto da Convenção dos Direitos Humanos de 1966, conseguimos pouco avanço em relação a textos anteriores no que diz respeito a maneira como a autodeterminação dos povos indígenas pode ser entendida sob a lei internacional. Entretanto, as discussões entre os negociadores, quando a Convenção estava sendo desenvolvida, como acima foi referido, e o comentário do Comitê dos Direitos Humanos da ONU em época mais recente, como adiante se discute, levaram-nos um pouco mais adiante. Elas nos conduziram para uma interpretação do ARTIGO 1 da Convenção que trata da governabilidade interna e questionam o funcionamento de grupos no interior dos estados. Esta linha de raciocínio pode ser utilizada para exigir que governos adotem entendimento de autodeterminação que enfoquem a garantia de caminhos para a participação na formulação e implementação de políticas públicas, incluindo progresso na autonomia em áreas relevantes.





A Declaração de Princípios da Lei Internacional Referente a Relações Amigáveis e Cooperação Entre Estados, de acordo com a Carta da ONU, de 1970, inclui entre seus sete princípios “ o princípio de direitos iguais e autodeterminação dos povos”. Em respeito a este princípio, o que se contém no segundo parágrafo da Resolução 1514 é reiterado e há uma referência direta ao colonialismo e dominação externa e exemplos onde a autodeterminação deve ser promovida .




Provavelmente a parte mais citada da Declaração de Relações Amigáveis em discussão no Artigo 3 do anteprojeto da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas é a chamada “ cláusula de salvaguarda “ na Declaração. A cláusula das salvaguardas diz:


“ Nada nos parágrafos adiantes deve estabelecer a autorização e o encorajamento de qualquer ação que possa desequilibrar ou desmembrar, total ou parcialmente, a integridade territorial ou a unidade política de Estados soberanos e independentes que se conduzam de acordo com o princípio de iguais direitos e autodeterminação dos povos, como descrito acima, assim como Estados que tenham governos que representem todo o povo pertencente ao território sem distinção de raça, credo ou cor”.




Um aspecto importante desta cláusula é a importância que ela atribui ao governo representativo como indicador da anuência com o princípio da autodeterminação. Intérpretes têm sugerido que o princípio da autodeterminação não pode estar mais restrito a um direito que é exercido uma vez, na ocasião em que termina o governo colonial, mas pode se estender como o direito continuado de um povo a ser governado por um governo representativo. A cláusula da “salvaguarda” garante esta perspectiva, e o enfoque na autodeterminação do Comitê da ONU sobre Direitos Humanos, citado adiante, também garante tal entendimento de autodeterminação.



O texto proposto pelos Estados Unidos no curso das negociações da cláusula das “salvaguardas” poderia ter proporcionado uma regra mais clara para a interpretação da autodeterminação quanto à exigência de governo representativo:




“ A existência de um Estado soberano e independente que tem governo representativo, efetivamente em funcionamento para todos os povos distintos dentro de seu território, é considerado como satisfazendo o princípio de direito e autodeterminação em relação a estes povos”




Outros Estados não estavam preparados para aceitar esta proposta e a expressão governo representativo na cláusula das “salvaguardas” foi uma solução de compromisso. O texto adotado de forma alguma estabelece que um governo representativo é considerado como requisito para a autodeterminação, sem especificamente ocultar as outras exigências de autodeterminação dos povos que ainda não conseguiram independência ou que estão sujeitos à ocupação estrangeira. De acordo com determinada interpretação, a referência a “ raça, credo e cor” na cláusula da “salvaguarda” poderia ser considerada como uma lista de condições que deve ser adequadamente observada se um Governo está para ser tido como agindo de conformidade com o princípio da autodeterminação. Ao considerar esta interpretação possível, é de muita valia observar o esboço histórico da cláusula. A fórmula de “raça, credo e cor” foi aceita porque era a expressão previamente adotada na Resolução 1514 da ONU. Em conseqüência, quando em 1993 a Declaração de Viena sobre Direitos Humanos apreciou as palavras da cláusula das “salvaguardas”, elas foram modificadas para “ sem distinção de qualquer espécie”, ao invés de se referir a “raça, credo e cor”. Levando em consideração esta história, a cláusula de não discriminação funciona provavelmente como uma proibição genérica sobre discriminação, Não devemos concluir apressadamente, por esta razão, que é possível argumentar em favor dos direitos dos povos indígenas à autodeterminação a partir da referência a “raça “ na cláusula das salvaguardas. Nem pode a autodeterminação dos povos indígenas ser considerada por analogia com as situações de opressão racial institucionalizada ostensiva dos anos 1970 e 1980 na África do Sul e na Rodésia do Sul.




Com equilíbrio, provavelmente o mais forte e útil argumento a respeito da autodeterminação dos povos indígenas é que a satisfação do direito à autodeterminação, sob a lei internacional, pode ser examinada pela consideração dos requisitos de autodeterminação do governo representativo. Esta análise deve abranger aqueles entendimentos de autodeterminação que incorporam exigências de governo representativo e efetivos caminhos de participação política para todos os cidadãos e grupos dentro do estado. A partir deste modelo de autodeterminação devem fluir estruturas políticas e medidas que especificamente tomem em consideração a identidade particular e as situações dos povos indígenas,
.



A consideração dos assuntos de autodeterminação pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU apóia um enfoque aberto a assuntos que envolvam a autodeterminação de povos indígenas. O Comitê de Direitos Humanos tem cada vez mais apoiado os direitos das populações a pluralismo político e a governo representativo e tem se voltado para esses assuntos sob o Artigo 1 da Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos, e também sob o Artigo 25 da Convenção. O Comitê examina a autodeterminação em praticamente cada análise que faz dos Estados da Convenção. Autodeterminação é considerada como possuindo muitos aspectos e em conseqüência é analisada como:




1- um direito de um grupo minoritário dentro de um estado

2- um direito da população de um estado como um todo

3- um direito da população de um território não auto-governado.



No Comentário Geral de 1984 sobre autodeterminação, o Comitê encorajou estados a incluir em seus relatórios informações do desempenho de suas obrigações sob cada parágrafo do Artigo 1, incluindo descrições sobre “ os processos políticos e constitucionais que permitam o exercício do direito”. O Comentário Geral do Comitê sobre o Artigo 25 registrou seu entendimento do relacionamento entre o Artigo 1 e o Artigo 25, como se segue:




“ Os direitos sob o Artigo 25 são relacionados, mas distintos, dos direitos dos povos à autodeterminação. Em virtude dos direitos cobertos pelo Artigo 1, os povos têm o direito a livremente determinar seu status político e desfrutar do direito de escolher a forma da sua constituição e governo. O artigo 25 trata do direito dos indivíduos a participar dos processos que constituem a conduta dos negócios públicos”





O Comitê tem declinado de considerar comunicações em relação ao Artigo 1 da Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos, sob o argumento de que o primeiro Protocolo Opcional da Convenção trata apenas das reclamações dos indivíduos de violação de seus direitos como indivíduos. O Comitê também tornou muito clara esta sua posição no Comentário Geral do Artigo 27. O Comitê observou que :





“ A Convenção traça uma distinção entre o direito a autodeterminação e os direitos protegidos sob o Artigo 27. O primeiro é expresso como um direito que pertence aos povos e é tratado como uma parte ( Parte 1) da Convenção”





O Comitê, no entanto, declarou admissível em parte a matéria de uma comunicação, em respeito ao Tratado da Nova Zelândia do Estatuto da Pesca de WAITANGI de 1992. Os signatários da comunicação reclamam que a legislação nega a eles o direito de livremente determinar seu status político e interfere com seu direito de livremente conseguir seu desenvolvimento cultural e econômico. A apreciação do Comitê dos Direitos Humanos sobre essa comunicação será particularmente relevante para os assuntos sendo discutidos no Grupo de Trabalho do Anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, pois a declaração se refere aos interesses dos MAORI. O Comitê poderá entrar em novo terreno quanto à autodeterminação dos povos indígenas.
O Comitê tem também começado a comentar a autodeterminação dos povos indígenas quando estuda informes periódicos de estados subordinados à Convenção. O Comitê criticou o quarto informe periódico do Canadá, por sua brevidade e ausência de referência” ao conceito de autodeterminação”, conforme é aplicado pelo Canadá aos povos aborígenes. As observações finais do Comitê sobre o informe chamaram a atenção para a terra e os recursos dos aborígenes, com referência ao Artigo 1 da convenção.





3- PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, AUTONOMIA, ESCOLHA DA COMUNIDADE E AUTODETERMINAÇÃO NEGOCIADA.





A Parte 2 deste estudo estabelece que a autodeterminação exige governo representativo. A Parte 3 agora esclarece o quadro, referindo-se a certo número de fontes adicionais, a partir das quais conceitos de autodeterminação na lei internacional podem se originar para o propósito da compreensão da autodeterminação. Estes conceitos são por natureza estreitamente relacionados entre si. Estabelece-se que este enfoque da autodeterminação é uma tela na qual o direito de autodeterminação dos povos indígenas pode ser desenhado.





O Grupo de Trabalho do CHR sobre o Anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas se reúne anualmente, e seu último encontro foi nos fins de outubro de 1999. O progresso no Anteprojeto da Declaração tem sido extremamente lento até agora e há um leque muito amplo de assuntos a ser coberto pelo Anteprojeto. Muitos dos assuntos no texto do Anteprojeto são inter-relacionados e alguns participantes têm dito que eles vêem todos os direitos que a Declaração reconhece como inter-relacionados a um direito ou conceito de autodeterminação. A maioria dos participantes está consciente de que as cláusulas do Anteprojeto sobre autodeterminação são as mais desafiadoras da Declaração proposta. Alguns governos estão dando um enfoque razoavelmente aberto a esses assuntos e, considerando que é possível alcançar uma conclusão eventual para as negociações, espera-se que a Declaração possa contribuir para desenvolver a lei internacional a respeito da autodeterminação.




Um tema subjacente a este estudo é o reconhecimento de considerável tensão entre definições legais internacionais de autodeterminação e poderosas idéias de “autodeterminação”, tanto dentro como fora da lei internacional. Esta tensão caracteriza a inclusão do direito à autodeterminação no Anteprojeto da Declaração. O Anteprojeto será um documento legal internacional e os governos procurarão trabalhar suas provisões e tomar consciência disto, inclusive a respeito à autodeterminação. Isto significa que eles analisarão proposta para fazer um esboço do Artigo 3 à luz da lei internacional existente sobre autodeterminação. Além disso, parece ainda existir uma esperança de que as provisões do esboço da Declaração sobre autodeterminação possam transcender a natureza da Declaração na qual estejam contidas. Representantes de povos indígenas têm sido relutantes em consentir qualquer mudança no esboço das provisões. Idéias sobre o que pode ser abrangido por “autodeterminação” são fortemente mantidas e o entendimento tem sido expresso de que o possuidor do direito deveria definir o conteúdo desse direito. Este estudo reconhece estas poderosas concepções de “autodeterminação”, enquanto permanece consciente de que é desejável também que o Anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas seja completado. Espaços para compromissos precisam ser identificados. Este estudo contesta que terreno fértil esteja disponível, se dirigirmos nossas mentes para a natureza do governo representativo.





A Parte 2 deste estudo chamou a atenção para a interpretação da autodeterminação como exigindo governo representativo, em atenção particular à Convenção dos Direitos Humanos de 1966 e à Declaração sobre Relações Amigas de 1970. As discussões no grupo de trabalho sobre o anteprojeto da Declaração têm especificamente se referido a assuntos de participação política. O Canadá estabeleceu em 1999 que:




“ Autodeterminação é agora vista por muitos como um direito que pode continuar a ser desfrutado em uma democracia em funcionamento na qual cidadãos participam do sistema político e têm a oportunidade de influir no processo político que afeta a elas”.




A Noruega também incluiu em seus textos em 1999 o entendimento de que dentro do contexto de estados democráticos e independentes:



“ ... o direito à autodeterminação inclui o direito de povos indígenas de participar em todos os níveis do processo de tomada de decisões em assuntos administrativos e legislativos e a manutenção e desenvolvimento de seus sistemas político e econômico.”





Governo representativo por definição exige caminhos efetivos para participação política por todos os indivíduos e grupos sujeitos a um governo particular. Sob este aspecto, há apenas uma tênue linha entre as exigências do Artigo 25 do ICCPR, conforme descrito pelo Comitê de Direitos Humanos e mencionada na Parte 2 acima, e o Artigo 1 do ICCPR. Participação política e governo representativo também dependem da concessão de liberdade para o indivíduo e grupos definirem e identificarem a si próprios. Este ponto é detalhado adiante.




O Anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas dispõe suas cláusulas sobre participação política em Artigos separados não relacionados com a autodeterminação. Até o ponto em que autodeterminação pode ser considerada como exigindo governo representativo, a natureza da participação de indivíduos e grupos na formulação e implementação de política pública deve ser considerado mais freqüentemente no contexto da autodeterminação. Estas ligações devem ser refletidas, jamais ignoradas, no Anteprojeto da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas.




“Democracia” como expressão de autodeterminação foi mencionada no relatório conjunto dos “ cinco sábios” de Quebec em 1992. THOMAS FRANCK, ROSALYN HIGGINS, ALAIN PELLET, MALCOLM SHAW e CHRISTIAN TOMUSCHAT sugeriram que, enquanto a autodeterminação de povos coloniais inclui o direito à independência, para outros significa:



“ O direito a uma identidade própria, aquela de escolher e participar...Identidade e democracia são seus dois componentes essenciais”.





Pode-se dizer que os autores perceptivelmente identificam esses dois aspectos chaves do sentido da autodeterminação. Aceitando o fato de que, em matéria de lei, autodeterminação já inclui uma exigência de governo representativo, a “democracia” deve também já estar prevista em uma análise da autodeterminação.




Entretanto, “democracia” é um conceito amplo, mais amplo do que “governo representativo” apenas. Algumas vezes, o termo “democracia” esconde muito facilmente a necessidade de encaminhar muitos dos assuntos do dia a dia a respeito de como governos e sociedades funcionam. Particularmente significante para povos indígenas, na condição de minorias dentro de sociedades mais amplas, são as questões que se relacionam com a maneira como efetivamente diferentes formas de governos representativos podem proteger e fazer progredir os interesses das minorias. Determinados sistemas políticos oferecem
possibilidades para a melhoria da eficiência da democracia representativa de todas as partes de uma sociedade, incluindo-se sistemas de representação proporcional, onde segmentos diferentes de uma sociedade são aleatoriamente do mesmo tamanho e sócios iguais na democracia. Assegurar graus apropriados de autonomia é um dos meios de garantir que o governo seja representativo. Da mesma maneira, qualquer consideração de participação política deve investigar opções para autonomia local, autonomia em assuntos específicos e estruturas para diálogo com grupos que tenham um interesse particular em determinadas matérias. Isto é reconhecido pela Austrália no Grupo de Trabalho do Anteprojeto de Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas:





“ A Austrália reconhece que a intenção do artigo 3 é enunciar...as aspirações legítimas de povos indígenas para o desfrute mais direto e significativo da participação nos processos decisório e político e maior autonomia sobre seus próprios negócios”





Em contraste com a questão da participação política, a idéia de autonomia está ligada ao anteprojeto da Declaração para a Autodeterminação de Povos Indígenas. O esboço do Artigo 31 do anteprojeto da Declaração proporá que povos indígenas tenham direito à autonomia ou autogoverno em assuntos relacionados a seus negócios locais e internos, como uma forma específica de exercer seu direito à autodeterminação. Conforme se nota neste estudo, em matéria de lei, o exercício da autodeterminação fora dos contextos de descolonização tradicional ou ocupação estrangeira não é percebido pelos estados como tendentes à secessão. O texto do anteprojeto da Declaração como um todo também reflete a intenção geral de que povos indígenas exercerão direitos no seio das sociedades da quais façam parte.


O Canadá sugeriu discussões posteriores dentro do grupo de trabalho intersessional do CHR para esclarecer o significado de “autonomia” e “autodeterminação”. Outros governos também indicaram que estão desejosos de discutir maneiras diferentes para entender esses termos. Estes são sinais promissores e no caso da Nova Zelândia reflete a crescente autonomia de MAORI em matéria de saúde e educação em particular. Comentaristas internacionais sugeriram que um nascente direito genérico à autonomia pode ser capaz de resolver dificuldades que estão além da capacidade tanto do sistema de direitos humanos individuais quanto do conceito de autodeterminação. É difícil antever neste estágio se tais conceitos amplos como “autonomia” poderão ser entendidos como um direito, mas as oportunidades que oferecem proporcionam insights úteis para trabalhar a questão da “autodeterminaçao” de povos indígenas. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que quando autodeterminação é entendida como se referindo a governo representativo isto pode incluir diferentes níveis de autonomia como adequadas a diferentes situações. Conforme foi discutido acima, governo representativo exige caminhos para participação política, e em certas circunstâncias, estruturas autônomas podem ser a melhor base, tanto para incrementar processos políticos mais amplos e processos decisórios sobre assuntos específicos das comunidades, quanto para a implementação de políticas e concessão de serviços públicos. Autonomia na concessão de serviços públicos deve garantir que eles sejam os mais adequados para atender as necessidades do grupo interessado.






A autonomia também traz seus próprios benefícios em termos de identidade, estabelecendo um lugar formal para grupos no cenário público, dando oportunidade futura para o reforço dos valores do grupo e a interação com outras partes da sociedade. Onde há tensões, negociações podem ser uma das mais úteis ferramentas para lidar com situações específicas. A possibilidade de inclusão de uma referência para negociação na cláusula de autodeterminação do anteprojeto de Declaração será discutida logo adiante. Qualquer que seja o mecanismo utilizado, o complexo processo necessário para produzir níveis adequados e estruturas de autonomia em diferentes situações inclui exploração da identidade das comunidades envolvidas e como esta identidade pode ser expressada, preservada e desenvolvida. Pode ser relembrado que identidade também foi abordada por FRANCK, HIGGINS, PELLET e TOMASCHAT, no trecho citado acima,
referentemente à participação política. A próxima parte deste estudo, ao tratar da escolha da comunidade, igualmente traz uma forte conexão com assuntos de identidade.





O anteprojeto de Declaração reflete a idéia de que povos indígenas deveriam ter seu próprio sistema de cidadania, na cláusula do Artigo 32, como também o direito de pertencer a uma comunidade indígena ou nação, o que é estabelecido no anteprojeto do Artigo 9. Estes assuntos não estão ligados à questão da autodeterminação no anteprojeto da Declaração, mas claramente estão conceitualmente conectados. Conforme já foi discutido acima, sempre que autodeterminação requer governo representativo, a participação política efetiva é exigida. A fim de produzir a participação política efetiva, os povos precisam ser capazes de desenvolverem e expressarem suas identidades como membros de diversas comunidades no interior de sociedades mais amplas.





Os governos envolvidos em negociações no anteprojeto da Declaração podem encontrar uma série de dificuldades com os assuntos de nacionalidade, cidadania e autodeterminação, dependendo da situação no país representado.. Por exemplo, no contexto da NOVA ZELÃNDIA, SOB O TRATADO DE WAITTANGI, maoris e não-maoris compartilham a cidadania neo- zelandeza. Assuntos complexos surgem a respeito dos relacionamentos entre comunidades de povos indígenas, nacionalidade e cidadania. Alguns comentaristas têm defendido a idéia da separação étnica e cultural da noção do estado, mas há considerável trabalho posterior a ser realizado em avaliar a extensão para a qual a comunidade mundial identifica esses enfoques como reais possibilidades. Na maioria dos casos, a sinonímia de “nação” e “estado” pode ser também assegurada. Dito isto, devemos reconhecer a flexibilidade de indivíduos e grupos no que diz respeito a identidade, inclusive sua habilidade em assumir múltiplas identidades e em integrar uma larga gama de diferentes comunidades.






A Comissão BADINTER, solicitada a encaminhar a questão sobre se a população sérvia na CROÁCIA e BÓSNIA HERZEGOVINA tinha o direito de autodeterminação, considerou que tais grupos dentro do estado têm “o direito ao reconhecimento de sua identidade sob a lei internacional”. A Comissão referiu-se principalmente ao direito das minorias, mas também afirmou que:





“ O Artigo 1 das duas convenções internacionais de 1966 sobre direitos humanos estabelece que o princípio do direito de autodeterminação serve para resguardar direitos humanos. Em virtude deste direito cada indivíduo pode escolher pertencer a qualquer comunidade étnica, religiosa ou de língua que deseje”


A Comissão foi além e disse que, segundo sua análise, uma possível conseqüência deste princípio poderia resultar, para os membros da população sérvia na Bósnia-Herzegovina e Croácia, serem reconhecidos como tendo a nacionalidade de sua escolha , dentro de um acordo entre as repúblicas, isto é, que as repúblicas deveriam, onde for apropriado, permitir-lhes o direito de escolha de sua nacionalidade. Questões extremamente complicadas se levantam nessa situação, a menos que nacionalidade seja diferenciada de cidadania.





A sugestão da Comissão de que a possível nacionalidade dos sérvios na Bósnia-Herzegovina e Croácia estendia a todos os direitos e obrigações parecia colocar dificuldades enormes, se considerado literalmente. Apenas pela restrição da definição da nacionalidade a uma declaração de identidade pode isto ser tratado facilmente. Autodeterminação é inegavelmente um processo de auto-identificação. ( No original: Self-determination is undeniable a process of self-identification ). Entretanto, para escolher uma comunidade posteriormente, e começar a considerar nacionalidade sem claramente diferenciar tal nacionalidade da cidadania, levanta-se uma inteira questão de ordem prática. Escolha de assuntos comunitários deve ser tratado primeiramente num nível mais local e pessoal, em termos principalmente de identidade cultural.





Uma valiosa prática do estado pode ser delineada no contexto de descolonização, demonstrando que o exercício de autodeterminação tem na prática quase sempre se verificado através de acordo com o estado colonizador. Autodeterminação tem sido em primeiro lugar um direito que a autoridade colonial deve tornar efetivo. A ONU tem apoiado secessões unilaterais apenas se a autoridade colonial apóia o caminho da autodeterminação. Isto não desfaz difíceis questões que cercam a autodeterminação de povos indígenas. Conforme foi discutido acima, a autodeterminação de povos indígenas se adapta a um modelo que é diferente da autodeterminação no contexto de descolonização. Entretanto, a prática do estado no contexto de descolonização é uma lembrança de que sociedades consistem de indivíduos interativos e grupos constantemente trocando idéias uns com os outros e perpassando diferentes estruturas políticas, por acordos e desacordos.





No Grupo de Trabalho da CHR sobre os Direitos dos Povos Indígenas, o Canadá tem dito que soluções antecipadas para a questão da autodeterminação devem ser evitadas, e tem enfatizado o papel das negociações entre governos e grupos indígenas como o melhor caminho para determinar o status político dos povos indígenas e alcançar seu desenvolvimento cultural, social e econômico. Os representantes dos povos indígenas também têm dito:





“ A harmonização seria procurada pela noção de que o direito de autodeterminação acarretaria o direito de procedimento que poderia ser exercido por negociações entre povos indígenas e governos”.





O consenso sobre esta estrita versão de tal direito é improvável que seja alcançado, mas a noção de negociação não deve ser excluída na autodeterminação dos povos indígenas. A versão de 1993 do anteprojeto do Artigo 3, desenvolvido no WGIP, foi rejeitado pelos representantes dos povos indígenas. Ela dizia:




“ Povos indígenas têm o direito a autodeterminação, de acordo com a lei internacional, sujeitos ao mesmo critério e limitações que se aplicam a outros povos de acordo com a Carta da ONU. Em virtude disto, eles têm o direito, inter allia, a negociar e concordar sobre seu papel na conduta dos negócios públicos, suas responsabilidades distintas e os meios pelos quais eles gerenciam seus próprios interesses. Uma parte integral disto é o direito à autonomia e auto-governo”.





O anteprojeto do Artigo de 1993 contemplava um sentido de interação de diferentes aspectos da autodeterminação , inclusive participação política e a natural autonomia das comunidades dentro da sociedade. Uma opção é para o grupo de trabalho da CHR revisar esta espécie de conceito de autodeterminação, juntamente com representantes de povos indígenas, e procurar definir um entendimento mutuamente aceitável de como a autodeterminação pode funcionar na prática. É exigida uma focalização nos relacionamentos com povos indígenas que objetive o longo prazo, com espírito de compromisso permanente e aberto. No arcabouço de uma abordagem “relacional”, baseada na noção chave de governo representativo, a autonomia pode ser considerada como uma forma de participação política. Complexos assuntos de identidade e comunidade podem ser reconhecidos.



4- CONCLUSÃO





Este estudo procura contribuir para desenvolver entendimentos de autodeterminação na lei internacional ao ressaltar a visão de que há elementos muito diferentes na composição da autodeterminação. A mais clara exigência de autodeterminação é governo representativo. Isto requer caminhos para uma autêntica participação política e deve haver a capacidade para participar na base de identidades individuais e compartilhadas. Até certo ponto, a autonomia dentro das sociedades é assegurada conforme o conceito de autodeterminação, e deve ser considerado o papel a ser desempenhado por negociações formais e informais.


A autodeterminação de povos indígenas sob a lei internacional deve se originar de tais princípios de autodeterminação. Deve também refletir a natureza particular dos povos indígenas, suas identidades, suas comunidades e seus caminhos. A autodeterminação deve capacitar não apenas a livre determinação de seu status político, mas também a livre procura de seu desenvolvimento cultural, social e econômico.



A respeito do anteprojeto da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, o Canadá parece que foi o primeiro governo no Grupo de Trabalho do CHR a contemplar o projeto com discussões mais detalhadas sobre autodeterminação de povos indígenas, com uma declaração em 1996:




“ Nosso objetivo neste Grupo de Trabalho será desenvolver um entendimento comum, consistente com a evolução da lei internacional, sobre como este direito pode ser aplicado a coletividades indígenas, e qual o conteúdo desse direito”.





Os governos precisam considerar tanto a posição dos povos indígenas quanto as implicações mais amplas de longo prazo de seus empenhos na autodeterminação, nesse contexto. A autora acredita que se a Assembléia Geral da ONU tiver sucesso em adotar uma DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS, é provável que se inclua uma cláusula sobre a autodeterminação na modalidade dos termos discutidos neste estudo. Isto será uma valiosa contribuição para a lei internacional. Mesmo que não se demonstre possível alcançar um acordo sobre o texto de uma declaração, pronunciamentos feitos no curso das negociações no grupo de trabalho, tais como já referido neste estudo, constituem evidência de significativa e atual OPINIUM JURI no assunto da autodeterminação.




POSTSCRIPT




Não houve formal discussão sobre o Artigo 3 do Anteprojeto da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas na sessão de novembro de 2000, no grupo de trabalho. Mais importante, entretanto, o Comitê dos Direitos Humanos da ONU externou seu entendimento sobre o caso APIRANA MAHUITA e OUTROS VERSUS NOVA ZELÂNDIA em novembro de 2000. Conforme citado acima, esta comunicação dizia respeito ao TRATADO NEOZELANDEZ DE WAITTANGI ( reclamações sobre pesca) SETTLEMENT ACT 1992. O Comitê, por não encontrar um espaço na Convenção, reiterou sua anterior jurisprudência de acordo com a qual as cláusulas do Artigo 1 da ICCPR, mesmo não sendo suficiente por si mesmas para fundamentar uma queixa, podem, de alguma maneira, ser relevantes na interpretação de outros direitos protegidos pela Convenção.



FIM

-recebido em 19/10/09, sem ressalvas quanto à publicação